Ulrich Schnabel: “Ocio. La felicidad de no hacer nada”
Ulrich Schnabel: “Ocio. La felicidad de no hacer nada”. Plataforma. Barcelona. (2011). 350pgs
O sugestivo título convidou-me a adquirir a versão espanhola do original em alemão. Mas confesso que fui com muita sede ao pote, em busca de um caminho rápido para esse ócio que se nos escapa, como água entre as mãos, no mundo agitado em que estamos mergulhados. As primeiras páginas –que são as melhores do livro- foram como um cruzado de esquerda para situar-me.
Em livre tradução pode se ler o recado do autor. “Acostumados à sociedade consumista o ócio pode se considerar, erradamente, como mais um bem de consumo. Dai o engano de querer adquirir o ócio com cursos de relaxamento, de autogestão do tempo, ou nas diversas variáveis de ócio express. Mutirões de ócio, que depois não rendem nada”. Como se o ócio fosse um desligar-se, um divorciar-se da própria vida, um fazer de conta durante algumas horas –ou minutos, ou dias- para voltar à dureza habitual. Não existem mutirões de ócio. O ócio não se consegue apertando um botão, clicando um ícone do menu da nossa agenda habitual.
Dai que nos primeiros capítulos se esclareça que o ócio não se limita à inatividade, mas se apresenta de formas diversas: nas conversas, no jogo, no passeio, na prática de música e mesmo no trabalho. São aqueles momentos que têm seu próprio valor, e não se regem pela moderna lógica do aproveitamento e da produtividade. A arte do ócio não tem nada a ver com o número de horas livres, mas com uma atitude. Tem pouco a ver como o tempo, e muito com a perspectiva. Uma atitude que alguém define como “a sintonia entre o meu eu e isso do qual depende a minha vida”. Quando não se tem claro do que depende a vida e de quem somos nós, a busca do ócio está fadada ao fracasso. O ócio é, antes de tudo, uma atitude que leva a recuperar o controle do próprio tempo.
E a proposta não é pouca coisa, pois o que diariamente comprovamos é que “nos esquecemos da nobre arte do ócio. Celebramos a atividade pela atividade, sem nos perguntar se isso é benéfico ou prejudicial para as pessoas; o produto interno bruto costuma ser a marca distintiva da felicidade, e nos seduz o último aparelho digital, que nos abre múltiplas opções de informação, como se a proposta fosse apenas aumentar a quantidade e não a qualidade dessa informação”.
Junto com a atitude de reconquista do controle do próprio tempo, o autor aponta uma segunda característica da arte do ócio. Defender-se das novidades que nos atingem continuamente. “Recobrar o controle do nosso tempo, desfrutar do momento presente, sem deixar-se consumir pela avalanche de oportunidades que acaba nos afogando na variedade de possibilidades. Uma maior multiplicidade de oportunidades nos cansa, porque a continua necessidade de eleger nos consome. Mais do que animar, desmotiva. Quem tem de escolher continuamente entre uma multidão de marcas de iogurte, de seguros, ou de canais de TV não sente aumentada sua liberdade, mas sua ansiedade”.
Lembrei, conforme lia estas linhas, da conhecida afirmação de Ortega y Gasset quando definia a técnica como “o esforço por poupar esforços”. Parece que a técnica, ou pelo menos o modo em que a empregamos, não nos poupa esforço nenhum mas, ao contrário, nos esgota. O afobamento de ter que buscar sempre coisas novas, a última atualidade, a incapacidade para nos contentar com o status quo, e desfrutar do momento presente. Ócio é também a arte de não perseguir continuamente esses desejos compulsivos, mas saber dizer basta para usufruir o tempo e o momento que vivemos. Renunciar a continuas possibilidades alternativas permite sermos senhores do nosso tempo presente.
Esta atitude que poderíamos denominar falta de sobriedade informativa traz consequências sérias, como o autor explica. A multiplicidade da informação –que nos chega por inúmeros canais- leva consigo a interrupção contínua de qualquer tarefa. Torna-se difícil a atenção serena numa atividade. Estudos mostram que é difícil concentrar-se mais do que 11 minutos, pelo ritmo de informação que chega. E mesmo quando não chega, a pessoa já se habituou às interrupções, ficou condicionada. O resultado é que mesmo quando desconectado (por fazer uma experiência, ou por motivos de isolamento topográfico), ele mesmo busca interrupções. É preciso viver a estratégia de Ulisses, amarrar-se ao mastro, para resistir à tentação das sereias da informação, que nos atinge de continuo, sedutoramente.
A virtude não seria viver desconectado, ou postular uma abolição da tecnologia, mas empregar a medida certa, ser senhor do próprio tempo. Quem reclama das interrupções, no fundo, não sabe viver de outro modo; acostumou-se a viver assim, em curiosa e perigosa dependência da informação que goteja a toda hora. Muita informação que se ganha à custa de falta de reflexão, de juízo, de opinião formada: não há tempo de cozinhá-la no forno das próprias reflexões. Um amigo me dizia em certa ocasião que na vida é preciso ter três ou quatro ideias e repeti-las sempre, de modo diferente. Hoje contemplamos multidões que armazenam toneladas de informação, mas incapazes de gestar uma ideia própria.
Não falta no livro a apologia do descanso, da “siesta” tão popular nos países latinos. Um repouso para render, sabendo que muitas das ideias surgem após o descanso. Confirma-se assim a insensatez de querer liquidar todas as pendências, ao invés de dormir sobre as ideias, para poder revisá-las depois, com olhos renovados, serenos. Já dizia alguém sabiamente que o urgente pode esperar, e o muito urgente tem de esperar. A pressa, além de prejudicar a saúde, nos faz insensíveis aos demais, ao tempo dos outros. Vamos pelo mundo nos comunicando virtualmente, mas desprezando os seres reais que requerem atenção, tempo, sorrisos, e não apenas a frieza insípida das redes sociais.
Esperar implica descobrir a arte do ócio. Quando carecemos dela se manifesta no modo como se suportam mal os tempos de espera, os imprevistos, os congestionamentos do trânsito. Não conseguimos estar sem fazer nada, quer dizer, crescendo por dentro. Quando há que apelar continuamente ao estímulo externo –à informação que se procura compulsivamente como dependência química- falta riqueza interior. Em linguagem técnica atual e compreensível: falta-nos bateria, temos de estar sempre ligados na tomada. E, nos falta também, saber olhar e admitir nossas próprias possibilidades, sem comparar-nos com os demais, outra condição imprescindível para crescer na arte do ócio, do controle do tempo, que é o próprio, e não o dos outros.
O autor adverte, com uma ponta de humor, que curiosamente tratamos nosso corpo de maneira mais cuidadosa do que o espírito. Guiamo-nos por regras de nutrição, índice de massa corpórea, curas de toda espécie. Enquanto isso, alimentamos o espírito sem nenhum critério seletivo. Este livro quer ser um vade-mécum nutricionista para o espírito, onde cabe muito bem o conhecido pensamento de Pascal: “todas as desgraças do mundo procedem de não sabermos estar em silêncio no nosso quarto”.