Alejandro Llano: “Caminos de la filosofía”
Alejandro Llano: “Caminos de la filosofía”. Eunsa. Pamplona 2011. 404 pgs.
Não é um livro fácil. Nem de divulgação. Mas segui os conselhos do professor Llano –a quem admiro pela sua clareza no pensar e no dizer- de que é preciso desafiar o aluno com assuntos que não seja capaz de entender logo de cara. “Uma das coisas mais formativas é o esforço por compreender colocações que, de cara, não se entendem. Se algum estudante me diz: ‘não vou a essa conferência porque não entenderei nada’, respondo que nunca poderão entender discursos minimamente sérios, porque a única maneira de superar o que já se entende é tentar desvelar o que aparentemente te supera”. Senti-me desafiado, enfrentei a parada, evitei a tentação de ler em diagonal bastantes trechos que me resultaram árduos.
Apesar do meu empenho é forçoso dizer que senti falta da habitual clareza de Llano nos seus escritos. Talvez porque este livro foi idealizado por três dos seus discípulos, hoje professores de filosofia em diversas universidades espalhadas pelo mundo, e se converte numa conversa entre eles, o que para os vulgares mortais resulta difícil de acompanhar. Mesmo para quem já tem alguma familiaridade com a filosofia, e se aventurou a ler muitos autores, o diálogo não é claro. Aparece muito nome, muito filósofo que se cita com a familiaridade de quem já está de volta, de quem já entendeu as primeiras, segundas e últimas intenções –e consequências- desses autores. Não é um livro para promover a filosofia, mas uma conversa de filósofos, ou talvez, de professores de filosofia. Penso que estes diálogos subtraíram a clareza que é habitual no autor quando está dando aulas, ou simplesmente escrevendo o que ensina.
Uma explicação que pode esclarecer. Em certo momento do livro, o autor diz que há filósofos de “segunda volta”, de segundo tempo. Refere-se aqueles que, antes do leitor confrontar-se com os seus escritos, se requer um aquecimento intelectual lendo outros filósofos. Não se pode enfrentar, por exemplo, Heidegger, ou Wittgenstein, em frio, logo de cara. “Todos os filósofos contemporâneos são de segundo tempo. E mesmo os anteriores, até os pré-socráticos que parece que estão falando sempre uns com os outros” .
Este é, claramente, um livro de segunda volta. E a dificuldade na leitura entranha um recado claro: não se aprende filosofia, mas a filosofar; e somente se aprende a filosofar, estudando filosofia. A filosofia somente se alcança quando se assume uma atitude filosófica. Resulta imprescindível aprender com interlocutores e não apenas com material, acumulando créditos, e competências. Não se aprende filosofia andando pelo campo e olhando as estrelas, mas no diálogo com os filósofos. São imprescindíveis interlocutores com quem dialogar, livros, ambiente fértil. Em muitos dos ambientes universitários atuais, onde a utilidade e o benefício (as competências e os requisitos administrativos) passam por cima do diálogo e do ambiente fértil de pensamento, a ameaça para a filosofia é séria.
Neste livro, os interlocutores de Llano são discípulos formados por ele, conhecedores de todos os seus escritos e da sua trajetória filosófica que é, naturalmente invocada. “´E difícil dizer quando pensei por primeira vez em filosofia; é como saber quando fico dormido. Quem pretende saber em que momento adormece, provavelmente passa a noite em claro”. Trajetória que compreende a docência e a produção escrita, que torna claras as ideias: “Há conceitos que vês claro quando escreves. Como quando tratas de explicar numa aula algo que não acabas de entender. Nessa tensão é quando as vezes se faz a luz. E advertes que chegas-te lá, porque te tornas capaz de explicar sem gaguejar algo que era difícil de fazer entender aos alunos”.
Aparece, claramente, o filósofo como ofício, como empreitada para a vida. “O filósofo é um buscador, e deve indagar onde está o que busca, com independência da sua trajetória anterior, com liberdade de pensamento, sem estar amarrado a clichês ou estilos que sempre praticou. Depois pode ser bonito que alguém encontre essa unidade de trajetória filosófica, mas não é filósofo quem tem de estar preocupado em desenhar seu próprio percurso: apenas deve preocupar-se em busca a verdade(…) Na medida do possível o filósofo deve seguir o caminho que lhe atrai, a não atender aos conselhos para triunfar na vida. Para triunfar é preciso ir à empresa, dedicar-se às finanças, à política, ao esporte. Em filosofia não penso que se possa triunfar; normalmente os triunfos, quando chegam, é sempre post mortem. Como diz Leonardo Polo: todo sucesso é prematuro”.
Um filósofo que deve pensar na vida. “Hegel dizia que a filosofia consiste pensar no próprio tempo. Não se pode fazer filosofia sem levar em consideração o que está acontecendo à tua volta. E Millan Puelles dizia que não gostava da filosofia pura, que era preciso fazer filosofia impura, que se mistura com as coisas importantes da vida”. Daí que a excessiva especialização, fatiar o conhecimento em setores, seja uma ameaça para a verdadeira filosofia: “A origem da especialidade, letal para a filosofia e para a universidade, é o pragmatismo que se impõe nas instâncias administrativas. Avaliar, publicar, burocratizar o conhecimento, engessá-lo. A especialidade acaba matando a cultura universitária, porque é preciso ter o assim chamado impacto”.
Não faltam as advertências para os riscos que corre a Universidade, um dos temas preferidos de Llano e onde mais me solidarizo com ele. “Universidade on line: ter a matéria na rede, muito bem… Mas, para que serve o professor? Onde fica a convivência entre professores e alunos que define a universidade? Aquela convivência de articulação de diversos saberes, no serviço à sociedade, que é a ideia clássica de universidade”.
Resultou –insisto- num livro de difícil leitura, árduo, mas proveitoso. Aprendi com ele, continuo aprendendo agora enquanto ordeno estas notas. Uma segunda digestão, num livro de segunda volta. Uma ruminação filosófica que traz ao paladar ensinamentos úteis. Por exemplo: reconhecer as limitações. Diz Llano: “O valor epistemológico do buraco: quando não sabes nada de algo, tens uma certa lucidez, estás aberto a um aproximação límpida a essa realidade; porém, quando sabes algo concreto, talvez estás preso, limitado, por aquilo que pensas saber”. Ou aprender a produzir críticas positivas, construtivas: “Uma crítica é relevante na medida em que pode ser aceita pelos criticados. Se não pode ser adotada por eles –porque, por exemplo, se lhes nega o direito da palavra- então não é relevante.”
E outras muitas considerações variadas, de grande valor. A transcendência natural do ser humano: “Há uma peculiar melancolia na existência humana. É como se o homem não fosse deste mundo; nunca acaba de encontrar-se completamente à vontade, sempre almejando outra situação que não sabe exatamente qual é”. E os ensaios sobre o sono e a vigília, como atitude vital: “Se não sei dizer se estou dormido ou desperto, possivelmente estou dormido. (…) Em muitas culturas a pessoa dormida é sagrada; não se deve matar uma pessoa dormida, porque não sabemos o que está sonhando, e talvez tem algo a ver com os deuses. Ou porque não se pode defender. Em qualquer caso, tinha sempre que despertar antes para saber que morria”.
E também ações práticas, porque como já foi dito, o filósofo não está alienado da realidade que lhe circunda: “Se queres saber como é alguém, basta dar-lhe um encargo. Uma pessoa que parece moderada e bondosa, lhe das um encargo e de repente aparece um ego que nunca tinha estado presentes, e que nem o interessado tinha reparado”. Veio à memória as considerações de Kennedy em Profiles on Courage, e a definição de Coragem que Hemingway apontava: graça sob pressão.
Enfim, para aqueles que se aventurem na leitura-estudo deste livro, experimentarão essa atitude, infelizmente, tão ausente nos dias de hoje: a aventura do pensar. “Pensar é falar consigo mesmo, depois de falar com os outros. E não se pode falar com os outros se não se pensa”. Somente daí nasce a sintonia com os outros, com o mundo, conosco mesmos.