Petros Markaris: “A Hora da Morte”
Petros Markaris: “A Hora da Morte”. Record. Rio de Janeiro, 2008. 317 pgs.
“Mas, você ainda não leu nada de Markaris? Os casos policiais do Inspetor Kostas Xaritos?” Após essa exclamação, vinda de um dos meus irmãos, firmei o propósito de saldar a dívida. A troca de informações na família –seja de filmes ou livros- é uma tradição antiga, e garantida. Sempre acerta, sem dúvida porque nos conhecemos e partilhamos de muitos gostos comuns, daqueles que aprendemos a saborear na infância. Toca entrar na internet, in na estante virtual, e ver o que se oferece. E a oferta era variada, todas na coleção série negra. O policial noir versão grega, pensei. O contraponto helenista aos policiais que nas telas incarnava Bogart: Sam Spade, Philip Marlowe. Era isso mesmo.
Não tenho como avaliar o original grego, porque desconheço completamente o idioma. Mas deve se fazer notar que a tradução é primorosa: quer dizer, absolutamente verossímil, transparente; conduz a trama, o raciocínio, e o suspense no vernáculo português sem trancos nem lombadas, suavemente. Esse é o sucesso de uma boa tradução: quando nem te lembras que o original poderia ser em outro idioma. Não é um simples detalhe, porque a magistral construção das personagens –sem dúvida obra de Markaris, que deve escrever muito bem- resulta transparente, cativante.
Encabeça o elenco o inspetor Kostas Xaritos, chefe do departamento de homicídios de Atenas. E o romance gira em torno dele. Policial de meia idade, cético, que de fato muito me lembrou a Bogart. O durão de turno, quando em funções, mas com coração que se esforça por esconder sem consegui-lo: “Quem disse que nossos erros nos ensinam alguma coisa? Eu, pelo menos, nunca aprendi nada com os meus. No início, digo que não vou fazer nada , mas depois o remorso começa a me incomodar. Talvez porque me sinta sufocado dentro do distrito, ou talvez porque ainda reste em mim um pouco do instinto policial que a rotina não conseguiu devorar, o fato é que ainda me domina a vontade de fazer alguma coisa”.
O modo como trata com os bandidos transpira objetividade e ironia. Vai direto ao ponto, não tem tempo a perder. Aperta um deles para que confesse, e lhe garante proteção e uma prisão confortável com a competência de um bom vendedor: “A prisão não vai ser tão ruim. Você vai ter sua própria cama, três refeições por dia, tudo pago pelo Estado. Você vai simplesmente ficar lá e vão tomar conta de você como se faz com as crianças. E se você for inteligente, em cerca de dois meses, vai entrar em algum dos grupos e vai, ainda por cima, fazer algum dinheiro. A prisão é o único lugar onde não existe desemprego”.
Xaritos relaxa lendo dicionários. Tem todos os dicionários possíveis nas prateleiras da sua casa. Ortográfico, hermenêutico, onomástico, etimológico. Um hobby curioso para manter distância da mulher, Adriana, com quem está numa crise permanente, mas estável. Um convívio sem agressões, que parece funcionar. Até porque há uma filha que, essa sim, é a menina dos olhos do policial durão. Encantadora a descrição da biblioteca compartilhada com a mulher: “Se alguém examinasse o conteúdo da biblioteca ficaria impressionado. A prateleira de cima estava cheia de dicionários. E isso impressionava. Iria percorrer as outras prateleiras e cairia sobre heróis e heroínas, um Viper, uma Nora, um Bel, um Arlequim, e uma Bianca. Guardei a cobertura para mim e deixei os andares inferiores para a Adriana. Em cima o conhecimento superficial, em baixo, a degradação. Toda a Grécia em quatro prateleiras”.
Sim, finalmente saldei a dívida. Parte dela, porque já providenciei outros livros do inspetor Xaritos. Gostei. A leitura é amena, rápida, divertida. E o protagonista é uma personagem singular que te conquista. Cumpre seu dever, mas não se dá nenhuma importância. Conhece suas limitações e a miséria do ser humano, que é o seu ganha pão: “Nos aconselharam perguntar na banca de jornal. Como não tinha pensado nisso? Tudo o que a policia não sabe o jornaleiro pode informar… Nós policiais somos o desentupidor que desobstrui todos os buracos”.
Mais uma vez o serviço cultural de informação familiar acertou. Apresentou-me a Grécia de Markaris, como se lê na contracapa. Não sei se corresponde a realidade, mas agradou-me e simpatizei com Xaritos. Talvez porque Bogart estava lá como pano de fundo. E, isso sim, tem raízes familiares profundas. Mas ai já é outra história.
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Resolvi aceitar a sugestão que seu irmão lhe fez, após ler seus comentários entrei na estante virtual e comprei o livro. Após lê-lo, darei aquí minhas impressões sobre a obra desse autor, totalmente desconhecido para mim.