Cesar Vidal: “El Médico de Sefarad”
Cesar Vidal: “El Médico de Sefarad”. Debolsillo. Madrid. 2004. 330 pgs.
Eis um livro ameno, escrito em espanhol, mas de simples compreensão. Por isso anoto estas linhas em português, para animar o leitor brasileiro a se defrontar com a vida de Moises bem Maimon, conhecido como Maimónides. Ele é o médico de Sefarad, (Espanha em linguagem judaica) nascido em Córdoba, apaixonado pela sua terra, que foi obrigado a abandonar.
O autor romanceia a vida de Maimónides, filósofo e médico, homem profundamente religioso, que pratica uma medicina cientifica, e ao mesmo tempo carismática e confessional. Sabe-se instrumento de Deus, mas entende que o instrumento tem de estar bem calibrado para ser útil. Uma atitude profissional onde se une o humano e divino, de modo natural, quase fisiológico.
Talvez por isto, enquanto passava as páginas do livro, lembrei de um amigo médico, também oriental, que em certa ocasião me perguntava porque os ocidentais separamos a medicina em alopatia, homeopatia, praticas alternativas, etc. Para nós –dizia ele- a Medicina é uma coisa só. E eu penso agora se teremos de fazer uma viagem ao século XII para resgatar o que perdemos com a metodologia cartesiana na prática da medicina. E a dimensão também divina que nos foi confiada.
Seriedade profissional e estudo é algo que Maimónides não dispensa. “Aprender é uma das atividades mais nobres que podem experimentar os homens. Os animais não contam com essa possibilidade, os anjos também não. Por ser algo exclusivamente humano exige disciplina e esforço. Quem não este disposto a pagar esse tributo nunca deveria aproximar-se da mesa da sabedoria”. Mas tudo temperado com empatia, com verdadeira dedicação compassiva para com o paciente: “Passei um pano branco na testa dela e sorri. Sei que os dois gestos não servem para nada, salvo para fazer sentir à parturiente que não está só”.
Compaixão e compreensão da pessoa que perpassa capilarmente sua filosofia e sua prática médica. “Nada permite encontrar uma lógica no amor. Os homens encontram salgada o sal, doce o mel, mas quando falamos do amor percebemos que uma pessoa desejada por alguém, pode ser repulsiva para outro (…) Amar o que é amável é próprio dos homens (dos filhos de Adão, diz ele literalmente) mas amar o que não é digno de ser amado somente pode derivar de uma faísca maior ou menor do amor de Adonai”. Para Maimónides está claro que sem ajuda divina não é possível amar ninguém como merece, nem cuidar dele medicamente.
Amor e conhecimento se fundem maravilhosamente na vida deste médico exemplar. “Poucas circunstâncias unem tanto os homens como compartilhar o gosto por um conhecimento concreto…Nenhum filho de Adão deveria sentir-se só enquanto possa encontrar em algum lugar do mundo alguém com que compartilhar seu amor pela sabedoria”. Não é possível a sabedoria sem a humildade, que é também pré-requisito para o amor. “Há néscios que acreditam somente naquilo que veem. Sua necedade é uma perigosa mistura de ignorância e de cegueira, mistura esta que lhes impede ver porque não sabem como olhar”.
Reconheço que em alguns momentos me comovi lendo as reações do médico judeu diante do sofrimento: “Quando o vi tão disposto e, ao mesmo tempo, tão frágil e temeroso, senti como uma onda de compaixão me inundava o peito”. A mesma emoção que por vezes eu sentia quando, ainda adolescente, lia A Cidadela à espera de entrar na faculdade de medicina. E pensei: agora não é ficção, levo 35 anos na profissão, não apenas lendo romances mas apalpando o sofrimento humano….e me comovo. Quase não me atrevi a perguntar-me se os vestibulandos de hoje tem essa capacidade de emocionar-se…..porque intuo a reposta negativa.
A medicina não é para qualquer um. Não porque os médicos somos melhores, mas simplesmente porque temos vocação. Quando não se sabe avaliar corretamente esta condição sine qua non, o resultado é catastrófico: as escolas médicas são inundadas por candidatos que carecem de condições para cuidar do próximo. O problema é antigo, e de não fácil solução, como aponta o tribunal de muçulmanos que confere a Maimónides o título para exercer a medicina, “após examinar o que sabes mas, sobre tudo, o que tens no teu coração. É o coração do médico o que manda, e temos pesar de que nem todos os estudantes do nosso arte tenham um coração como o teu”. Palavras sábias, de tremenda atualidade. O que muda é a atitude da banca examinadora, do sistema de ingresso na faculdade de medicina que carece dessa contundente sinceridade que tinham os sábios do século XII.
Os Cordobeses rendem homenagem e este judeu-espanhol insigne com uma estátua no bairro judeu da cidade. Um cenário onde todos os médicos gostamos de nos fotografar quando por lá passamos.