Dorothy Canfield Fisher: “Dulce Hogar”
Dorothy Canfield Fisher; “Dulce Hogar”. Palabra. Madrid. 2016. 302 pgs.
Publicada em 1924
Chega às minhas mãos este livro, na sua versão espanhola, com um pedido. “Da uma olhada e veja se te parece interessante traduzi-lo ao português”. O pedido vinha de um amigo que trabalha numa editora, e a resposta são estas linhas, escritas em português, dando o crédito necessário à obra que nos ocupa.
Escrita por uma autora da qual nunca tinha ouvido falar, e publicada em 1924, “The Home Maker” (título original em inglês) é a história de uma família. Não uma saga -isso acontece com as grandes famílias, as renomadas- mas uma simples história, porque as personagens são de condição muito modesta, beirando a pobreza. Bem adverte a autora, os riscos da pobreza: “A condição de ser pobre era horrível. Conseguia tirar o pior de cada um. Quando te preocupa o dinheiro, deixas de ser tu mesmo! ”
O pior de cada um, mas também pode extrair o melhor, ou potenciais desconhecidos. O casal Knapp protagoniza este romance e as suas variações. De um lado, Evangeline, uma mãe e esposa dedicada, tão dedicada que se consome nas tarefas domésticas, com feitios quase de mártir. “Um profundo abatimento a invadiu. Aqueles eram os momentos na vida de uma mãe que ninguém notava, que todos silenciavam, algo que nunca era mencionado nos bons livros nem pelos oradores eloquentes que tinham tanto a dizer sobre o caráter sagrado da maternidade. Nunca te diziam que chegaria um momento em que te sentirias impotente, que os teus filhos não estariam nunca ao teu nível, que nem se aproximariam dele, porque não eram o mesmo tipo de ser humano que você, não eram propriamente os teus filhos, mas, simplesmente, outros seres humanos dos quais você é a responsável”.
Evangeline assume sua posição sem reclamar, com uma consciência do dever que beira quase o patológico. “Desprezava profundamente as mulheres que se queixavam dos seus maridos. Nunca tinha dito uma palavra contra Lester, nem o faria nunca (…). As crianças não eram conscientes dos sacrifícios que fazia por elas. Seu coração estava inchado de um zelo amargo que fazia ela sentir-se muito por cima de qualquer crítica”.
O outro prato da balança é Lester, o marido, um professor de literatura trabalhando numa fábrica. A pessoa errada no emprego inadequado. Sobram os problemas e reclamações. Lester é um idealista, um outsider: não apenas no emprego, mas na própria academia se conseguisse aproximar-se dela: “O que te faz pensar que as universidades querem professores que adorem a literatura? O que querem são professores capazes de manter quietos os alunos, escutando, sem importar-se com o entusiasmo ou não dos alunos. Querem alguém capaz de manter a ordem e exercitar os alunos para que memorizem dados e possam aprovar os exames”.
Acontece o inesperado, e os papeis se invertem. Evangeline mostra-se com a dignidade de uma mulher madura que sabe ser útil. E encontra a sua função para sustentar a família, e continuar ajudando as pessoas: “olhou para o vestido e pensou agradecida o muito que poderia ajudar a alguma mulher que estivesse passando um mau momento na vida”. Isso me fez pensar o quanto tem a ver o estado de ânimo com a roupa que se compra, ou com a que se deixa de comprar. Algo muito feminino, que a protagonista incarna, com as bênçãos da escritora.
Lester, impedido, agora em papel doméstico, com novos aprendizados: “Esperar era algo que as circunstâncias tinham convertido em tarefa fácil. Há muito poucas coisas a mais que um inválido possa fazer fora esperar”. E com tempo para refletir: “Um dos aspectos mais frustrantes da vida anterior de Lester tinha sido a falta de um tempo de tranquilidade para poder dedicar-se a pensar, a considerar as coisas com a calma necessária para poder encontrar um sentido. Tinha a sensação de viver sempre com a atitude mental de quem corre com o seu relógio numa mão e uma mala pesada na outra, para pegar um trem que já tinha partido. Que medíocre se sentia. Sempre tinha que pensar nas coisas servindo-se do que outros tinham dito sobre elas”.
Um romance singelo que coloca um desafio sempre atual. Os papeis de cada um na família e na vida. Nem tudo é como deveria ser; e sendo diferente, pode ser até melhor. Como anota a escritora sobre as explicações da protagonista: “O tom era razoável, a lógica incontestável. Mas isto nem sempre funciona”. Adentrar-se no relato seria desrespeito com o futuro leitor que, espero, terá esta obra traduzida ao português em breve.