Graham Greene: “O Fator Humano”.

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

Graham Greene: “O Fator Humano”.Círculo do Livro. São Paulo. 1978. 330 págs.

Tinha esta obra de Graham Greene na mira faz já algum tempo. O tema do fator humano – a sempre surpreendente imprevisibilidade em tempos que vivemos nos rodeando de seguranças e certezas  a qualquer custo- é algo que me seduz. Ou melhor, que me ajuda a entender como é a vida real, que sempre foge de previsões  e protocolos. 

Após ler um ensaio-tratado sobre Escritores Conversos (onde Greene aparece várias vezes), decidi-me a saldar esta pendência. Deparei-me com uma história policial,  de figuras que não parecem estar cômodas fazendo o que fazem; que seguem os processos e também não têm muito espaço para a criatividade, que é o que eu supunha. 

A trama nos situa numa divisão do serviço secreto britânico, perdida em burocracias, onde “nada jamais era realmente urgente”. Castle, o protagonista, velho policial saturado da sua profissão, almejando a aposentadoria, mantinha na sua casa “o vitral um tanto espalhafatoso por cima da porta da frente. Não gostava dele, porque o associava com os consultórios de dentistas. É que, nas pequenas cidade do interior, os vitrais coloridos geralmente ocultam a cadeira da agonia da vista dos que passam”. Tem no seu histórico uma longa experiencia na Africa, acabou casando com uma nativa, mãe de um garoto: “Gostaria que Sam fosse criado num só lugar. Assim, se algum dia eu tiver de ir embora, ele sempre teria para onde voltar. Para algum lugar a que se acostumou na infância. Para algo velho. Algo seguro”

O companheiro dele (completando o departamento que somente conta com duas pessoas), é um solteiro bon-vivant que aprecia Castle, embora goza da situação familiar dele: “A terrível alquimia doméstica! Não sei como se pode aguentar, o bife de ontem que se transforma no pastelão ou no picadinho de hoje….Será que vale a pena casar por isso? Um homem casado nem mesmo se pode dar ao luxo de saborear um bom porto!”. Mas também almeja a estabilidade: “Tudo o que quero é uma aventura séria. Uma aventura de duração indefinida. Pode ser um mês, um ano, um década. Estou cansado de aventuras de uma noite”. 

A prosa elegante de Graham Greene (que a tradução não mutila, o que é sempre uma conquista), repleta de ironias e subtilezas,  torna a leitura agradável, mesmo sem conseguirmos saber onde está a trama, se é que existe alguma “Os escrúpulos com a higiene cresciam com a solidão, como os cabelos num cadáver (….) Correu os olhos pela sala, em olhares rápidos, como um fotógrafo de imprensa a bater instantâneas. Quase que se podiam ouvir os cliques das pálpebras (…) Um preconceito tinha algo em comum com um ideal. Cornelius Muller era um homem sem preconceitos e também sem ideias (…) Recordara-se do que lhe dissera muitas vezes seu amigo comunista Carson: Nossos piores inimigos não são os ignorantes e simplistas, por mais cruéis que sejam. Nossos piores inimigos são os homens inteligentes e corruptos”. 

E nas entrelinhas, não faltam as dúvidas morais que Greene enfrentou toda a vida: um converso que parece não querer assumir nunca, uma permanente divisão entre a fé e a vida. Espelha-se nas personagens que descreve, retrata a própria consciência. Se não, deixaria de ser Graham Greene…… “Por um momento quase acreditei no Deus dele assim como quase acreditei no de Carson. Talvez eu tenha nascido para seu um crente pela metade (…) Não se pode acabar com o remorso à custa da lógica. É um pouco como se apaixonar”. Quer dizer, posso ter uma vida desordenada, mas não consigo eliminar o remorso, não é uma questão apenas lógica mas superior; uma questão de crenças e valores. Esse é Graham Greene em estado puro, e sua narrativa transpira seu próprio drama. 

Um ponto alto deste dilema está magnificamente representado no momento em que o policial protagonista, que não é católico, procura um sacerdote para ter com quem falar, sabendo-se amparado pelo segredo da confissão. Um diálogo que não tem desperdiço: 

  • (Castle) Quero apenas lhe falar 
  • (Sacerdote ) Não está aqui para me falar. Está aqui para falar com Deus
  • Não estou. Vim aqui só para lhe falar
  • Ajoelhe-se homem, que espécie de católico é?
  • Não sou católico. 
  • Neste caso , o que está fazendo aqui
  • Quero lhe falar , mais nada. (…) O segredo da confissão não se aplica também aos que não são católicos?
  • Deve ir procurar um sacerdote da sua própria igreja 
  • Não tenho nenhuma igreja. 
  • Neste caso, acho que está precisando de um médico. 

Uma história anódina, com personagens cinzentos. Honestidade e lealdade convivendo com a mediocridade, incarnada no médico, sujeito deplorável: “Quero estar do lado que tenha mais possibilidades de vencer, pelo menos durante o período da minha vida. Não fique chocado. Pensa que sou um cínico, mas simplesmente não quero perder tempo”. (….) Costumo dizer que é como pregar para os convertidos. Não se pode corromper quem já está corrompido”. 

E no meio deste marasmo gris, a esperança que surge sempre do amor. Outra saudade permanente deste escritor peculiar e dividido. “Não se deve empregar um homem que odeia. Ele está sujeito a cometer enganos. O ódio é tão perigoso quanto o amor. E sou duplamente perigoso porque também estou apaixonado”. Afinal, não bastam as formas e os protocolos para viver bem, mas o coração apaixonado que Greene busca sem encontrar: “A cortesia podia ser uma barreira maior que um golpe direto. Não era com a cortesia que uma pessoa desejava viver, mas sim com o amor”. Onde fica o fator humano que eu imaginava procurar? Parece-me que no interior, na consciência de cada um, único cenário onde é possível juntar as crenças com a vida. O resto é teatro, pantomima, coisa “para inglês ver”, nunca melhor dito. 

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