Joseph Pearce: “Escritores Conversos”. Palabra. Madrid. 2009. 571 págs.

Pablo González Blasco Livros 2 Comments

Joseph Pearce: “Escritores Conversos”. Palabra. Madrid. 2009. 571 págs.

Lembro que foi um amigo -aliás, um amigo que a minha família me apresentou- quem me falou de Joseph Pierce por primeira vez. O amigo em questão tinha estudado filologia inglesa e, entre as suas muitas atividades profissionais e uma família numerosa, somava aos projetos educacionais que conduzia a sempre desafiante missão de tradutor. Naquela conversa vespertina num bar em Madrid,  Pierce apareceu em primeiro lugar, e depois muitos dos escritores que se citam no livro que nos ocupa. Quando agora me debrucei sobre ele -mais um efeito salutar dos tempos da pandemia- comecei a juntar as ideias e lembrei desse professor que falava apaixonadamente dos escritores conversos. Até pensei que tinha sido ele o tradutor, mas não era. Faltou tempo para trocar algumas mensagens com ele; é um tarefa que tenho pendente. 

A viagem através das páginas do livro é apaixonante, embora requer comedimento, paciência, e leituras dosadas porque a informação é abundante, e também a enorme cultura que destila. É preciso de tempo para digerir as trajetórias deste escritores ingleses que Pierce junta sob o qualificativo de “conversos”. Até porque não são apenas um par de histórias -como erroneamente poderia se pensar- mas multidão delas, entrelaçadas. Assim afirma textualmente o autor: “Embora nenhum destes escritores respondia a um estereótipo é evidente que existia a unidade na diversidade. Por volta de 1930 a avalanche de conversos tinha se transformado numa torrente e durante esta década, somente em Inglaterra, registraram-se por volta de 12 mil conversões anuais. Os conversos representam somente um dez por cento do conjunto de católicos; o fato de que um 80 % dos escritores de primeira linha pertençam a esse dez por cento, demostra o bem que os conversos estão prodigiosamente organizados, e como os nascidos católicos estão prodigiosamente desorganizados”  A ironia do comentário está importada de Frank Sheed, outro escritor que tinha nascido católico. 

Chesterton, naturalmente, é figura de destaque inicial. Seus polêmicos debates com Bernard Shaw, eram um serviço à verdade e uma repulsa contra a indiferença do secularismo. Afinal, melhor é ter crenças, embora equivocadas, que não ter nenhuma. A Esfera e a Cruz é uma parábola dessa relação polemica. No fundo, um gozava do outro acusando-o, e o que o adversário pretendia era apenas chamar sobre si o foco da atenção. 

O cristianismo de Chesterton era contagioso e, graças a seus penetrantes paradoxos e ao seu quixotesco entusiasmo, muitos começaram a descobrir o atrativo da ortodoxia. A sua defesa da cultura e da civilização frente ao vulgar, é a chave da admiração que Lewis tinha por ele: “o mal contra o qual pretendo preveni-los  -diz Chesterton- não é a democratização excessiva, nem a fealdade excessiva , nem a excessiva anarquia; é contra algo que poderíamos denominar tomar como regra um estândar baixo e medíocre”.

Chesterton, que tinha influenciado sobre o crescente exército de conversos ao catolicismo, se encontrava numa situação precária. Como defensor não católico (ainda permanecia anglo católico, sem ter-se incorporado a Roma) do catolicismo, sua postura lhe parecia um paradoxo, como uma paródia da ortodoxia que levantava por bandeira. Chesterton levava 20 anos defendendo a ortodoxia católica e conhecia os dogmas da fé muito melhor que alguns católicos de nascimento. 

Foi Ronald Knox quem desempenhou um papel importante na aproximação final de Chesterton à Igreja: uma circunstância singular , já que Knox idolatrava Chesterton desde seus dias em Eton, quando ele, Knox, era ainda anglicano. Aquela troca de papeis, fez que o aluno se convertesse em mestre. Não há dúvida que o turbilhão emocional que se apoderou de Chesterton após a morte do seu irmão Cecil, que já era católico, teve também um papel decisivo na sua conversão, acontecida quatro anos depois. O desejo de comunhão com seu irmão foi um elemento essencial nesse processo. 

Ronald Knox passou a guerra atendendo um colégio de freiras, com algumas meninas. Começou a pregar para elas, e gerou todo um corpo teológico magnífico e de enorme didática. Sua relação com as meninas converteu-se numa fonte de prazer inesperado. (A Missa , O Credo….ambos em câmara lenta). É este converso, filho de um bispo anglicano, quem se incomoda com as reformas  que se introduziam na segunda metade do século XX na igreja. A um pedido de que celebrasse um batizado em língua vernácula, respondeu: “A criança não sabe inglês….Mas o demônio sabe latim”.  

Aparece em cena Robert Benson, filho de um arcebispo anglicano, que sofria esse excesso de zelo, atribuído com frequência aos conversos católicos: um zelo que, as vezes, se exprimia de modo imprudente e impetuoso. As críticas que se lhe dirigem nem sempre procedem…..Curiosamente a sua gagueira, evidente na vida quotidiana, desaparecia completamente quando pregava em público, o que faz pensar num sincero esquecimento mais do que num propósito friamente calculado.  

Também T.S. Eliot, um americano que se naturaliza inglês , sem nenhuma naturalidade, e no seu esforço por ser inglês se fez mais inglês que os próprios ingleses, e por tanto, nada inglês no sentido mais genuíno. A Inglaterra de Eliot era uma Inglaterra aperfeiçoada, um produto da sua própria imaginação, uma fuga da Terra Baldia (poemas dele famosos) , um paraíso inglês. Eliot, um inglês artificial, tinha criado uma Inglaterra artificial. 

Ross Williamson, outro converso amigo de Eliot, definia bem a situação em que muitos destes intelectuais se encontravam: “O protestantismo é uma casa a meio caminho onde a gente se refugia por causa da sua pouca disposição em acabar as coisas. Somente o católico e o agnóstico se atrevem a chegar até o final da viagem”. Williamson escreveu uma obra de teatro sobre Santa Teresa de Jesus. A representação no Royal Court de Liverpool diante de 600 freiras, prolongam-se 20 minutos mais do previsto, por conta dos risos e aplausos; um auditório capaz de entender o duplo sentido “o público mais crítico da sua carreira”.   

A abordagem de Evelyn Waugh inaugura-se com o comentário dele quando aceitou um penoso trabalho numa escola de Notting Hill: “A escola de NH é horrível. Nenhum professor sabe pronunciar a ‘h’, cospem fogo, coçam os genitais. Os rapazes tem cabelo curtíssimo e óculos com armação cafona. Metem o dedo no nariz e gritam com sotaque cockney.”. Waugh era externamente um esteta, mas sobre ele a Igreja católica não exerceu o atrativo estético. O que procurava e encontrou foi autoridade e catolicidade. “Uma Igreja nacional, por maior que fosse o Império, nunca poderia falar com autoridade universal e, sendo territorial, ver-se-á necessariamente limitada…A Igreja de Inglaterra converteu-se simplesmente na igreja do clube de golfe e das tropas”. 

Como muitos dos conversos teve dificuldade em aceitar a “modernização” das reformas na época do Concílio Vaticano  II, e, profeticamente advertia de modo muito pouco político: “Há um sacerdote muito perigoso chamado Kung -não é chinês, mas centro europeu- ; um herege que em dias mais felizes que os atuais acabaria na fogueira”. Waugh afirmava que “na sua longa história a Igreja tinha desenvolvido uma liturgia que permitia ao homem corrente e sensual (em oposição ao santo que fica à margem de qualquer generalização) aproximar-se  de Deus e ser consciente da santidade e da divindade. Deitar tudo isso por terra com a desculpa de se atualizar parece uma bobagem”. 

Um papel de destaque ao longo destas páginas cabe a C.S Lewis. Sua ironia se faz presente a todo momento: “Estou alimentando porcos e burros com a esperança de vende-los como poetas ao público britânico” -afirmava com desdém. Divertida também seu comentário sobre a moda de condenar o fascismo: “O que é fascismo? Colocar na cadeia aos que fazem tumulto é fascismo; as investigações de solvência econômica dizem ser fascistas….o colonialismo é fascista, a disciplina militar é fascista, o patriotismo é fascista, o catolicismo é fascista, o culto ancestral japonês ao imperador é fascista, o ódio das tribos oromas entre si é fascista, a caça da raposa é fascista….Não será chegado o momento de fazer um chamado à ordem?”. 

Lewis, como toda esta geração, admirava a Chesterton: “Quando li Chesterton não sabia onde estava me adentrando…..O jovem que queira continuar ateu sensato nunca pode ser imprudente com aquilo que lê…..”. Como alguém afirmou, Lewis, possuía o raro dom de fazer legível a moral.  

“Hoje em dia pode se disfarçar em forma de novela qualquer dose de teologia para introduzi-la no cérebro das pessoas sem que eles reparem”. Nunca chegou a aderir a Roma, mas manteve-se um cristão fiel: “Mantenho-me à margem de questões sutis onde diferem a Igreja de Roma e os protestantes -questões que competem aos bispos e homens instruídos- e exponho nos meu livros  o que, graças a Deus, compartilhamos a pesar dos nossos erros e pecados” 

Vale pensar o que seria de Lewis hoje, vendo a marcha da igreja da Inglaterra e as sacerdotisas, e a situação delicada ….Talvez teria seguido o caminho de alguns amigos anglicanos (como Walter Hooper) que acabaram aderindo a Roma. Afinal esta sua afirmação é bastante contundente: “Se esse pernicioso renascimento que os humanistas trouxeram não tivesse destruído o latim, a Europa inteira continuaria a se escrever”. 

Entre 1939 e 1945 Sayers, Lewis, Eliot, Dawson, Knox e todo um exército de escritores cristãos tinham empreendido uma guerra de palavras com o objetivo de levantar as cabeças de ponte para dirigir o mundo a um futuro construtivo. Seguiram a máxima de Goethe: Quando se descobre o que realmente importa, paramos de falar. Esse “contra mundum” (título de um dos capítulos), apresenta o profundo desengano do que o mundo era capaz de oferecer, um desejo de profundidade num mundo superficial, de permanência num mundo cambiante, e de certeza num mundo de dúvidas. Para muitos destes escritores a aceitação de Deus vinha da mão da rejeição desse mundo materialista que lhes decepcionava. A ética não tinha desaparecido, mas tinha-se tornado invisível aos olhos de um mundo cego para vê-la.  

Desfilam nas páginas deste livro apaixonante toda uma série de autores, talvez menos conhecidos do grande público. Campbell, que participou na guerra espanhola: “ter vivido a guerra e tomado parte nela teria inspirado a um boi mudo”. Hyde, outro converso, quando apresenta as  dúvidas pela vida passada ao sacerdote, o padre lhe diz: “ se a gente não consegue ser um bom católico, pelo menos pode ser um mau…Até um mau católico tem muito do que um comunista carece”. Edith Sitwell: (contra a vulgaridade e o deboche sensual). “Não podem me acusar de eludir a realidade, mas também não quero passar o resto da minha vida com o nariz metido no banheiro dos outros….Prefiro o Chanel n. 5”. E Christopher Dawson: “Há eruditos que te fazem sentir-te ignorante. Dawson, porém, te ajudava a ver que sabias muito mais do que pensavas”. 

Um capítulo especial é dedicado ao ator Alec Guiness. Seu primeiro contato com o catolicismo foi em 1939, após uma representação de Hamlet (demoraria até 1956 para converter-se). Um padre -Tomkinson- entrou no camarote e disse que estava fazendo mal o sinal da cruz. Após 15 dias a cena se repetiu: “o senhor continua fazendo isso mal; é uma pena porque o resto da representação é admirável. Corrija-se por favor”. Esse foi o início de um amizade que levou-o até a conversão . Também o episódio da filmagem do Padre Brown, Guiness de batina voltando do set do rodagem na França….Um menino corre até ele, pega na sua mão e começa a falar (não entendia bem francês)…’Pensei que uma igreja capaz de inspirar tanta confiança numa criança que se aproxima dos sacerdotes -mesmo desconhecidos- não podia ser tão intrigante e horrível com alguns pretendiam. Lá comecei a me desprender dos preconceitos que tinha há muito tempo……”. Quando fez um retiro no processo de conversão com os trapistas, o superior conversando com ele perguntou o que lhe parecia ser o mais difícil para um monge; ‘os outros monges” respondeu Guiness, enquanto confirmava com um sorriso. 

Alec Guinness, foi outro dos conversos um pouco decepcionados com as reformas do Vaticano II- “Os apertos de mãos e os sorrisos sem graça substituem a antiga cortesia; as vulgares traduções do latim e do grego possuem uma qualidade de supermercado francamente inaceitável. Como dizia Chesterton: a Igreja é o único que salva o homem de ser filho do seu tempo”. Afinal o que o Vaticano II propunha era sacralizar o mundo e não de secularizar a Igreja. 

O livro se adentra em conversos mais recentes, do final do século XX.  Fala-se de E. F. Schumacher , com “O pequeno é formoso” (Small is Beautiful) e Guia para perplexos…..a conversão atinge a economia…..Converteu-se com 60 anos. E o jornalismo de Malcom Muggeridge: numa sociedade sem ordem moral é impossível que exista qualquer outro tipo de ordem. Tinha quase 80 quando se converteu. Para ambos, o caminho até a fé levou toda uma vida….

Muggeridge dizia: “um homem deve decidir entre dominar seus apetites ou render-se a eles. Eu consegui vencer os meus. Agora é quando amo a sobriedade (após vida dissoluta). Não renunciar as coisas porque proporcionam prazer (como o puritano)  mas porque renunciando a elas obtenho outras que dão mais prazer ainda (…)Não podemos conseguir uma sociedade igualitária porque os homens não somos iguais. Jesús nos disse que os homens somos irmãos. Mas nunca disse que fossemos iguais….Irmão é algo muito diferente, e muito mais importante”. A defesa das crianças com Down foi também um tema preferido deste jornalista: “As crianças com Down tinham um papel essencial no mundo, fazendo patentes as deformidades física e mentais que todos temos no nosso interior e que permanecem invisíveis”. 

Graham Greene também é um capítulo aparte, pois embora sempre continuou chamando-se católico, construiu uma religião a sua medida, que conservava apenas os aspectos da fé que lhe pareciam mais aceitáveis e convenientes.  Os romances de Greene de inegável valor e boa escrita eram como monstros de Frankenstein: não necessitavam tanto de uma análise Freudiana como sim precisava o seu criador. 

Acerca dele disse Muggeridge que era como um santo tentando se converter sem êxito num pecador, enquanto eu era um pecador tentando me converte em santo com o mesmo pouco sucesso.  “Greene…é um Dr. Jekyll e Mr. Hyde incapaz de conseguir unir as duas partes em si mesmo com certa harmonia”. 

A maior surpresa é que depois da morte de GG, quando se fez público o testamento, viu-se que nomeava herdeira à esposa da qual se tinha separado 50 anos antes, ao invés de deixar para sua amante, fiel companheira durante 30 anos…..Nunca se sentiu cômodo dentro do catolicismo, porque nunca se sentiu  cômodo com nada. Era, antes de tudo, um cético. A profundidade dos seus romances não era a dúvida em si mesma, mas a dúvida última sobre a dúvida, e isto era o que lhe fazia agarrar-se desesperadamente à fé católica. 

Os capítulos finais abordam os escoceses conversos. George Scott-Moncrieff: “não fui o único protestante que abandonou aos poucos o protestantismo quando descobriu que grande parte da história do meu pais não passava de um mito”. E também George Mackay Brown, Seymour, e R.S Thomas, um sacro trio de vozes que clamam no meio do universo celta Edwin Muir, que dizia de John Knox, o calvinista: “o que em realidade fez foi despojar a Escócia das vantagens do renascimento”. E John Seymour que acabou com as antenas para viver sem televisão, e cuidava porcos numa fazenda: “se evitariam alguns problemas se houvesse mais gente dedicada a cuidar de um animal tão útil”. A TV te impede de ser útil: ao invés de viver, te dedica a ver como vivem os outros. 

O resumo desta leitura é, como já dito, uma avalanche de cultura. E, também, um torrente de histórias comoventes: consciências de intelectuais em busca da verdade, submetendo-se a ela, mesmo que nessa empreitada tenham gasto uma vida toda. Devemos convir que o exemplo é inspirador, hoje e sempre. Afinal, como dizia Etienne Gilson , encontrar a verdade não é difícil: o difícil mesmo é aceita-la, submeter-se a ela. As quase 600 páginas deste livro reúnem inúmeros “cases” de procura e aceitação da verdade. Um aprendizado de enorme valor. 

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