Professores na Tela: Os desafios, constantes, na Educação!
Os Rejeitados. The Holdovers. Direção. Alexander Payne. Paul Giamatti. Da’Vine Joy Randolph. Dominic Sessa. USA 2023. 133 min.
A Sala dos Professores. Das Lehrerzimmer (The Teacher’s Loungue). Direção: Ilker ÇatakLeonie BeneschLeonard Stettnisch. Eva Löbau. Alemanha 2023. 98 min.
Os filmes sobre professores sempre tiveram destaque nas telas do cinema. Com variações sobre o mesmo tema, mostrando os desafios -tremendos- da educação, a aventura de formar seres humanos, que é muito mais do que simples despejar conteúdo. Aliás, o conteúdo hoje é acessível sem necessidade de professores, online, em pijama, desde casa. Parece que muitos docentes ainda não repararam nisso, ou nem se deram o trabalho de parar para pensar, e continuam na mesma toada, “alfabetizando” adultos com slides, ao invés de ensinar eles a pensar.
Em uma olhada rápida sobre os filmes de professores, lembramos daqueles que acabam bem, como Ao Mestre com carinho, ou Adorável Professor. Tem os que certamente tumultuam por tentar mudar paradigmas como Sociedade dos Poetas Mortos e o final deixa de ser feliz, porque é um cenário onde todos têm razão e as mudanças não são fáceis. Ou aqueles, como Escritores da Liberdade onde o grande recado é que não é possível educar se não sabemos com quem estamos falando, quem é o nosso público.
Fui repassando mentalmente -e relendo também o que escrevi no seu dia- esses filmes, para mergulhar agora nestes dois que estamos contemplando. Carecem do romantismo dos filmes de outrora, mostram um lado áspero da educação, onde os desafios parecem embaçar esta luminosa tarefas de formar pessoas.
Os Rejeitados, uma interpretação sublime de Paul Giamatti, um humanista misantropo, vesgo, e ranzinza. Mas lá no fundo, há um grande professor. Alguém que segue as regras -um amante do direito romano afinal- mas que consegue ir entendendo os desafios, as dificuldades das pessoas, a dor delas, para apoiar, discretamente, sem dar-se importância, quase sem que se note. Tentando mentalmente um resumo dessa atitude, em progressivo envolvimento, lembrei daquela comparação clássica dos ovos com bacon: a galinha contribui, mas o porco se compromete. Paul Hunham, o professor mal-humorado, é dos que se compromete na hora de preparar o café da manhã do complicado aluno, Angus Tully.
Lá está o diretor -mais um gestor do que um acadêmico- que é perpétuo refém do sistema. O aluno -quer dizer, a família- é cliente. E o cliente sempre tem razão, especialmente quando abonado, e faz contribuições polpudas. Uma realidade que comprovamos, infelizmente, nos dias de hoje, no mundo da educação. Aquele comentário -vai ver que é verdadeiro- do aluno, que ao ver a nota, exclama: Professor, como é que eu fui reprovado, se a minha mensalidade está em dia? Mais para chorar do que para rir.
Família que, por outro lado, deixa muito a desejar. Reclama com os direitos do consumidor, e cobra o alinhamento da escola com os projetos próprios, mas no fundo, nada liga para a educação do próprio filho. O compromisso docente implica ter de suprir a família deficiente, tampar os buracos de afeto -da falta de carinho- para ver de construir um futuro profissional. E não adianta ignorar -se de verdade se tem vocação docente- porque é ai que se resolve o dilema de Picasso citado no filme: toda criança nasce artista; o desafio é continuar sendo quando cresce. Haja bacon para tudo isso!
Mas o compromisso é também moeda rara nos dias de hoje, até porque as instituições formadoras não parecem precisar dele. Por dar um exemplo, entre muitos, temos visto médicos recém formados serem contratados como professores das próprias faculdades onde acabaram de se graduar. Se é sabido que não basta ser médico -bom e experiente- para ser professor, podemos imaginar o desastre que esse modelo moderno implica. Mas o cliente paga, faz-se de conta que se atende, ninguém -nem mesmo a família- avalia os resultados, e assim vamos tocando…..Como dizia um bom amigo professor, estamos diante de um verdadeiro circo….que em outros tempos chamávamos de Academia!
O compromisso, lento, gradual, reclamão, do humanista vesgo, fez me lembrar aquele comentário do educador francês, Daniel Pennac, no seu magnífico livro Diário da Escola, relatando como passou a ser de péssimo aluno a educador notável: “Basta um professor – apenas um!- para nos salvar de nós mesmos, e fazer-nos esquecer os outros professores que atrapalham … Os professores que me salvaram –e que fizeram de mim um professor- não estavam formados para fazê-lo. Não se preocuparam das origens da minha incapacidade, nem perderam tempo buscando as causas. Sentiram urgência, foram atrás de mim, e me tiraram do fundo do poço. Pescaram-me em tempo.”.
Do sistema e dos desafios, também nos fala A Sala dos Professores, numa linguagem mais hermética e intuitiva, própria do cinema alemão. Variações de linguagem, mas com fundo semelhante. E tudo da mão de uma atriz que enche a tela, comanda o suspense, nos faz sentir as próprias dúvidas, as angústias, e os equívocos. Porque os professores se enganam também.
E de quebra, o sistema, que permanece alheio aos problemas de fundo, segue protocolos, convoca famílias que, por sua vez, também querem protocolos e exigem reuniões individuais, porque ninguém quer expor seus podres em público. No fim, nota-se que o colégio não é um projeto onde os pais de fato participem, continuam sendo clientes -mesmo em ensino público ao qual tem direito. Mais alemão, menos americano, mas o resultado é o mesmo. Qual é o papel e a função de alguém que de fato quer educar as crianças e fazer pessoas melhores, como a professora de origem polonês? Difícil dilema, uma trajetória solitária, onde ninguém parece se comprometer.
Neste altura das minhas reflexões, fui consultar anotações que tenho sobre a aventura de educar. São muitas e, algumas, densas que implicariam um ensaio sobre o tema. Mas pinço algumas que podem ajudar para ir superando os desafios e fazer com que os que optamos por ser educadores, possamos ir nos construindo como tais, independentes do sistema, dos protocolos y das modas vigentes.
Copio de um livro que li há muitos anos, intitulado Educar o Coração: “Sem esse clima de carinho, de amor, a educação não seria possível. O desenvolvimento pessoal requer amor. Muitos problemas educativos são problemas de amor insuficiente ou desviado, de falta de amor, especialmente no ambiente familiar”. Educar sem amor, rende desastres, como Lewis comenta de modo gráfico, até cruel, na sua Abolição do Homem: “Extirpamos o órgão, e exigimos a função. Fazemos homens sem coração e esperamos deles virtude e iniciativa. Damos risada da honra e nos estranha ver traidores entre nós. Castramos e exigimos deles que sejam fecundos”.
Tropeço com outro parágrafo, de um livro provocador (Mais Platão, menos Prozac) onde leio: “Você pode nunca vir a saber, a não ser que experimente. Porém, a menos que reflita sobre as suas experiências, não será capaz de incluí-las no seu progresso”. Educar é ensinar a refletir sobre as experiências, proporcionar experiencias inesquecíveis, como aponta aquele grande livro Ensinar com a boca fechada, Isto é possível quando se faz da educação um trabalho intelectual e, ao mesmo tempo, uma arte criativa, algo que também se explica em outro livro necessário, O que fazem os melhores professores de colégio?.
Refletir e criar um projeto de vida, algo que também deveria vir da família, mas não acontece, e tem de ser suprido. Educar é também estabelecer regras, que permitem construir esse projeto. Ortega, na sua Rebelião das Massas, adverte da importância desse parâmetro: “Sem mandamentos que nos obriguem a viver de determinada maneira, a nossa vida fica em pura disponibilidade. Esta é a horrível situação íntima em que já se encontram os melhores jovens do mundo. Sentindo-se puramente livres, livres de obstáculos, sentem-se vazios. Uma vida disponível é uma negação maior de si mesma do que a morte. Porque viver é ter que fazer algo específico – é cumprir uma tarefa – e na medida em que evitamos atribuir a nossa existência a alguma coisa, evacuamos a nossa vida”.
E para finalizar, uma citação de corte britânico, sempre preciso e provocador. Talvez uma das melhores -e mais inspiradoras- definições do que é educar, vindo da mão do Cardeal Newman, nos seus Discursos sobre o fim e a natureza da educação universitária. Copio textualmente do santo intelectual inglês: “A educação é o que dá ao homem uma visão consciente dos seus próprios julgamentos e opiniões, bem como a verdade para desenvolvê-los, a eloquência para expressá-los e a energia para propô-los. Ensina a ver as coisas como elas são, a ir direto ao âmago, a desfazer um nó de pensamento, a detectar sofismas e a eliminar o irrelevante. Prepara para realizar qualquer trabalho com altura e dominar qualquer assunto com facilidade. Mostra como acomodar-se os outros, como entrar no clima deles e como se comportar com eles. A sentir-se bem em qualquer tipo de sociedade, ter algo em comum com qualquer classe de homens, saber quando falar e quando calar, ser capaz de conversar e de ouvir, poder fazer perguntas pertinentes e aprender uma lição oportuna quando não nada para transmitir. Estar sempre pronto, sem nunca atrapalhar. Ser um companheiro agradável e um colega de confiança. Saber quando ser sério e quando brincar, e ter um tato que lhe permite brincar com graça e ser sério de forma eficaz ”.
Ai temos um fatorial de metodologia e de resultados de uma educação de excelência. E já que estamos em tempos de processos e protocolos, pode servir até de checklist para ir revisando, enquanto deixamos desfilar os créditos finais destes dois filmes provocadores.
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Se disponíveis para exercermos a VIDA esses princípios servem para qualquer atividade que fazemos, somos todos, dependendo da ocasião, aprendizes e professores.