Jonathan Haidt: A Geração Ansiosa

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Companhia das Letras, SP, 2024, 440 págs.

Eis um livro necessário e imprescindível. Dou o recado de saída, porque aprendi com os meus amigos jornalistas e escritores que o mais importante da notícia tem que aparecer no primeiro parágrafo. E assim o faço para que conste e não se perca a mensagem principal, no meio dos muitos dados que, com esforço, tentarei resumir. Tarefa ingrata, porque contra o que se poderia pensar, este não é um livro de tese, de pensamento, simplesmente. É um livro que me atrevo a chamar de epidemiologia social. O autor -psicólogo social- não faz juízos de valor, mas contribui com dados, muitos, apoiados em pesquisas e trabalhos sérios que farão pensar  e muito. E, assim esperamos, farão tomar providencias: a cada um, aquelas que lhes cabe.

E a seguir, a tese central desta obra, copiada textualmente do autor: “A minha afirmação central neste livro é que estas duas tendências (superproteção no mundo real e subproteção no mundo virtual) são as principais razões pelas quais as crianças nascidas depois de 1995 se tornaram a geração ansiosa. Assim, embora os pais trabalhassem para eliminar o risco e a liberdade no mundo real, geralmente, e muitas vezes sem saber, concediam independência total no mundo virtual, em parte porque a maioria tinha dificuldade em compreender o que estava a acontecer ali, e muito menos em saber o que fazer. ou como restringi-lo”. O resumo que coloco a seguir é um desdobramento desta tese central, apoiada com inúmeros dados e referências (que omito, porque é preciso ler o livro, ter a experiência fenomenológica da leitura). Desdobramento que aponta as consequências desse desbalanço de proteção.

Anota Haidt: “Muitos pais ficaram aliviados ao descobrir que um smartphone ou tablet poderia manter uma criança ocupada e tranquila por horas. Isso era seguro? Ninguém sabia, mas como todo mundo estava fazendo isso, todos presumiram que estava tudo bem. Assim, a Geração Z se tornou a primeira geração na história a passar pela puberdade com um portal no bolso que os afastou das pessoas próximas e os levou para um universo alternativo que era excitante, viciante, instável e, como mostrarei, inadequado. para crianças e adolescentes. O sucesso social nesse universo exigiu que dedicassem grande parte da sua consciência – perpetuamente – à gestão do que se tornou a sua marca online. Isto era agora necessário para obter a aceitação dos pares, que é o oxigénio da adolescência, e para evitar a vergonha online, que é a ruína da adolescência”.

A referência a um clássico, tem sabor de advertência: “O conselho que Marco Aurélio deu a si mesmo, no século II d.C.: Não perca o resto do seu tempo aqui se preocupando com outras pessoas, a menos que isso afete o bem comum. Isso o impedirá de fazer algo útil. Você ficará muito preocupado com o que fulano faz, por que, com o que ele diz, com o que pensa, com o que está fazendo e com todas as outras coisas que o confundem. e impedir que você se concentre em sua própria mente”. Mas obviamente são poucos os que leem o filósofo romano, e fica a anos luz de qualquer adolescente.

A superproteção no mundo real, substituindo-o por um mundo alternativo trouxe consequências indesejáveis: “As brincadeiras ao ar livre não supervisionadas diminuíram ao mesmo tempo que o computador pessoal se tornou mais comum e mais atraente como local para passar o tempo de lazer. Ao substituir as brincadeiras físicas e a socialização pessoal, as empresas envolvidas, reconfiguraram a infância e mudaram o desenvolvimento humano numa escala quase inimaginável (…) À medida que avançava a transição de uma infância lúdica para uma infância baseada no telefone, muitas crianças e adolescentes ficavam perfeitamente felizes em ficar em casa e jogar online, mas no processo perderam exposição aos tipos de habilidades físicas e sociais desafiadoras que todos os jovens e os mamíferos precisam para desenvolver competências básicas, superar medos inatos da infância e preparar-se para depender menos dos pais. As interações entre pares virtuais não compensam totalmente essas perdas experienciais (…) À medida que os adolescentes adquiriram smartphones, começaram a passar mais tempo no mundo virtual. Com tantas atividades virtuais novas e emocionantes, muitos adolescentes (e adultos) perderam a capacidade de estar plenamente presentes com as pessoas ao seu redor, o que mudou a vida social de todos, mesmo da pequena minoria que não utilizava estas plataformas”.

Até ai, a mudança de comportamento e importantes déficit no desenvolvimento na infância. Mas, a seguir, o psicólogo começa a apontar as consequências patológicas desse  novo cenário. “Como os genes não mudaram entre 2010 e 2015, precisamos descobrir que padrões de pensamento e condições sociais e ambientais mudaram para causar esta onda de ansiedade e depressão. Se os acontecimentos mundiais desempenharam um papel na atual crise de saúde mental, não é porque os acontecimentos mundiais pioraram subitamente por volta de 2012.  É porque de repente os acontecimentos mundiais estavam a ser bombeados para os cérebros dos adolescentes através dos seus telefones, não como notícias, mas como publicações nas redes sociais em que outros jovens expressavam as suas emoções sobre um mundo em colapso, emoções que são contagiosas nas redes sociais. Entre 2010 e 2015, a vida social dos adolescentes americanos mudou em grande parte para os smartphones, com acesso contínuo às redes sociais, aos videojogos online e a outras atividades baseadas na Internet”.

E a seguir outra afirmação que seria o terceiro grande recado do livro:  “Defendo que esta grande reconfiguração da infância é a principal razão para a onda gigantesca de doenças mentais na adolescência que começou no início da década de 2010. A primeira geração de americanos que passou pela puberdade com smartphones (e toda a Internet) nas mãos tornou-se mais ansiosa, deprimida, autodestrutiva e suicida. Chamamos agora essa geração de Geração Z, em contraste com a geração millennial, que já tinha praticamente terminado a puberdade quando a grande conexão começou em 2010”.

A seguir estende-se em analisar as consequências deletérias da infância baseada no smartphone. A primeira é a abolição da jogo, que denomina “o trabalho da infância”. E continua: “uma atividade que é livremente escolhida e dirigida pelos participantes e realizada por si só, não perseguida conscientemente para atingir outros fins que não a própria atividade. As brincadeiras físicas, ao ar livre e com outras crianças de diferentes idades, são o tipo de brincadeira mais saudável, natural e benéfica. Brincar com algum grau de risco físico é essencial porque ensina as crianças a cuidarem de si mesmas e dos outros. As crianças só podem aprender a não se machucar em situações em que a lesão é possível, como brigar com um amigo, simular uma luta de espadas ou negociar com outra criança para desfrutar de uma gangorra, quando uma negociação fracassada pode causar dor no traseiro. tão parecido com vergonha. Quando pais, professores e treinadores se envolvem, torna-se menos gratuito, menos divertido e menos benéfico. Os adultos geralmente não podem deixar de dirigir e proteger. Uma característica fundamental do jogo grátis é que os erros geralmente não custam muito. Todo mundo é desajeitado no começo e todos cometemos erros todos os dias”.

A seguir a diminuição da socialização: “A prática da sintonização é tão essencial para o desenvolvimento social quanto o movimento e o exercício são para o desenvolvimento físico. As crianças que são privadas desta experiência social alegre e de confiança mútua muitas vezes enfrentam dificuldades emocionais e apresentam um comportamento errático na idade avançada. Podem ter dificuldade em formar ligações saudáveis ​​quando adolescentes e, quando adultos, podem ser menos capazes de lidar com desafios inesperados, regular emoções, tomar decisões sábias quando estão envolvidos riscos ou aprender a lidar eficazmente com interações sociais cada vez mais complexas”.

São muitos os dados recolhidos no livro, que golpeiam o leitor conforme se avança pelas páginas. Eis um exemplo: “Quase um terço das adolescentes passava mais de 20 horas por semana em sites de redes sociais. Isso é meio trabalho de tempo integral: criar conteúdo para a plataforma e consumir conteúdo criado por terceiros. Esse é o momento em que você não está mais disponível para interagir pessoalmente com amigos. O trabalho muitas vezes é triste, mas muitos se sentem obrigados a fazê-lo, por medo de “perder” ou ficar de fora. Com o tempo, para muitos torna-se um hábito absurdo, algo a que recorrem dezenas de vezes ao dia. Este trabalho social cria conexões superficiais porque é assíncrono e público, ao contrário de uma conversa cara a cara, telefonema ou videochamada privada. E as interações são desencarnadas; quase não usam músculos, exceto aqueles que usam para deslizar os dedos e escrever. As plataformas de mídia social são os mecanismos de conformidade mais eficientes já inventados. Eles podem moldar os modelos mentais de comportamento aceitável de um adolescente em questão de horas, enquanto os pais podem lutar sem sucesso durante anos. Nesta nova infância baseada no telefone, as brincadeiras livres, a sintonia e os modelos locais de aprendizagem social são substituídos pelo tempo de tela, pela interação assíncrona e por influenciadores escolhidos por algoritmos. Em certo sentido, as crianças são privadas da infância”.

Embora o autor prime pela apresentação de dados, é impossível deixar de apontar os responsáveis por toda esta revolução: “As plataformas de redes sociais, que são concebidas para a participação, sequestram a aprendizagem social e sufocam a família e a cultura da comunidade local, ao mesmo tempo que fixam os olhos das crianças em influenciadores de valor questionável. A aprendizagem social ocorre durante toda a infância, mas pode haver um período sensível para a aprendizagem cultural que abrange aproximadamente dos 9 aos 15 anos. As lições aprendidas e as identidades formadas nestes anos provavelmente permanecerão impressas ou mantidas por mais tempo do que em outras idades. Estes são os anos cruciais e sensíveis da puberdade. Infelizmente, estes são também os anos em que a maioria dos adolescentes nos países desenvolvidos adquire os seus próprios telefones e desenvolve a sua vida social online”.

Responsabilidade que não é apenas dos criadores da tecnologia -afinal, é o negocio deles- mas dos clientes, entenda-se os responsáveis legais, os pais, que funcionam num modelo equivocado de superproteção, ignorando os verdadeiros perigos, e  deixam os filhos “livres para vagar pelo oeste selvagem do mundo virtual, onde abundavam as ameaças”. E volta, uma vez e outra, sobre os dois fatores da equação básica deste livro: a excessiva proteção no mundo real, e o descuido omisso no mundo virtual.

Anota em vários momentos: “Quando existe uma pressão de toda a sociedade sobre os pais para adoptarem uma parentalidade superprotetora moderna, isso faz com que os cérebros das crianças funcionem principalmente em “modo de defesa”, com apego menos seguro e uma capacidade reduzida de avaliar ou gerir riscos. Os pais que tentam criar os seus filhos numa bolha de higiene perfeita estão a prestar-lhes um mau serviço ao bloquear o desenvolvimento dos seus sistemas imunitários antifrágeis. É a mesma dinâmica para o que tem sido chamado de sistema imunológico psicológico: a capacidade de uma criança lidar, processar e superar frustrações, pequenos acidentes, provocações, exclusão, injustiças percebidas e conflitos normais sem ser vítima durante horas ou dias de turbulência interna. Não há como viver com outros humanos sem conflitos e privações. Pais bem-intencionados que tentam criar os filhos em uma bolha de contentamento, protegidos da frustração, das consequências e das emoções negativas, podem estar prestando um péssimo serviço aos filhos. Podem estar bloqueando o desenvolvimento da competência, do autocontrole, da tolerância à frustração e do autocontrole emocional”.

E a seguir, explica de modo sugestivo: “As crianças são inerentemente antifrágeis, razão pela qual as que são superprotegidas têm maior probabilidade de se tornarem adolescentes presas no modo defensivo. No modo de defesa, é provável que aprendam menos, tenham menos amigos próximos, fiquem mais ansiosos e sintam mais dor em conversas e conflitos comuns (…) Todas as crianças são antifrágeis por natureza. Assim como o sistema imunológico precisa ser exposto aos germes e as árvores precisam ser expostas ao vento, as crianças precisam ser expostas a contratempos, fracassos, choques e tropeços para desenvolverem força e autossuficiência. A superproteção interfere neste desenvolvimento e torna os jovens mais propensos a serem frágeis e medrosos quando adultos”.

Acrescentado ao modelo de superproteção, a chegada do smartphone veio piorar a situação dos adolescentes. Assim escreve Haidt: “O culto da segurança acima de tudo é chamado de securitismo. É perigoso porque torna difícil para as crianças aprenderem a cuidar de si mesmas e a lidar com riscos, conflitos e frustrações. O securitismo foi imposto aos millennials começando lentamente na década de 1980 e depois mais rapidamente na década de 1990. No entanto, o rápido declínio na saúde mental só começou no início da década de 2010 e concentrou-se na Geração Z e não na geração Y.  Foi só com a adição do segundo bloqueador de experiência, o smartphone, que as taxas começaram a subir. Os jovens nascidos depois de 1995 têm maior probabilidade de ficar presos no modo de defesa, em comparação com os nascidos antes. Eles estão constantemente alertas às ameaças, em vez de ávidos por novas experiências. Eles estão ansiosos”.

Nos capítulos seguintes, descreve com detalhe o que ele denomina os quatro danos fundamentais da nova infância baseada no telefone que prejudica meninos e meninas de todas as idades: “privação social, falta de sono, fragmentação da atenção e dependência. Aborda também as principais razões pelas quais as redes sociais têm sido especialmente prejudiciais para as meninas, incluindo a comparação social crónica e a agressão relacional. E a seguir o que está acontecendo de errado com os meninos, cuja saúde mental não diminuiu tão repentinamente como aconteceu com as meninas, mas que têm se retirado do mundo real e investido cada vez mais de seus esforços no mundo virtual. por vários anos. décadas. Finalmente, mostra que a grande conexão promoveu hábitos que são exatamente contrários à sabedoria acumulada nas tradições religiosas e filosóficas do mundo e como podemos recorrer a antigas práticas espirituais para obter orientação sobre como viver em nossos tempos confusos e opressores”. Esse seria o resumo que, logicamente desdobra-se em inúmeros dados, detalhes, sempre apoiados por referências de peso.

Recolho aqui alguns desses exemplos/dados: “Seis a oito horas por dia são o que os adolescentes gastam em todas as atividades de lazer baseadas na tela. Estudos de longo prazo com adolescentes americanos mostram que o adolescente médio assistia televisão um pouco menos de três horas por dia no início da década de 1990. Como a maioria das famílias obteve acesso discado à Internet durante aquela década, seguido pela Internet de alta velocidade na década de 2000, a quantidade de tempo gasto em atividades baseadas na Internet aumentou, enquanto o tempo gasto assistindo televisão diminuiu. As crianças também começaram a passar mais tempo jogando videogame e menos tempo lendo livros e revistas. Tomados em conjunto, a grande conexão  e o surgimento da infância baseada no telefone parecem ter acrescentado duas a três horas extras de atividade baseada na tela, em média, ao dia de uma criança, em comparação com a vida antes do smartphone”.

Outro dado altamente relevante: “Quando a pergunta é feita de outra forma, descobre-se que um terço dos adolescentes afirma estar em um grande site de mídia social quase constantemente. Embora eles relatem “apenas” sete horas de tempo livre na tela por dia, se você contar todo o tempo que eles estão pensando ativamente nas redes sociais enquanto realizam multitarefas no mundo real, você pode entender por que quase metade de todos os adolescentes dizem que estão online a quase toda hora. Isso significa cerca de 16 horas por dia (112 horas por semana) em que não estão totalmente presentes ao que está acontecendo ao seu redor”.

Obviamente, o primeiro imposto -aparentemente paradoxal- é o isolamento social. “À medida que as tecnologias baseadas em ecrãs passam dos nossos bolsos para os pulsos, passando pelos audiofones e óculos, a nossa capacidade de prestar total atenção aos outros irá provavelmente deteriorar-se ainda mais. É doloroso ser ignorado, em qualquer idade. Imagine ser um adolescente tentando desenvolver uma ideia de quem você é e onde você se encaixa, enquanto todos que você conhece lhe dizem, indiretamente: você não é tão importante quanto as pessoas do meu telefone”.

Um dos múltiplos testemunhos recolhidos vem chancelar este problema: “A Geração Z é um grupo de pessoas incrivelmente isolado. Temos amizades superficiais e relacionamentos românticos supérfluos que são em grande parte mediados e governados pelas redes sociais. . . . Quase não há senso de comunidade no campus e isso não é difícil de perceber. Muitas vezes chego cedo a uma conferência e encontro uma sala com mais de 30 alunos sentados juntos em completo silêncio, absortos nos seus smartphones, com medo de falar e de serem ouvidos pelos colegas. Isto leva a um maior isolamento e a um enfraquecimento da identidade e da autoconfiança, algo que sei porque o experimentei em primeira mão”.

Alterações no sono, e suas consequências, ilustrado com exemplos: “Os adolescentes precisam dormir mais do que os adultos: pelo menos nove horas por noite para os pré-adolescentes e oito horas por noite para os adolescentes. Em 2001, um importante especialista em sono escreveu que ‘quase todos os adolescentes, quando atingem a puberdade, tornam-se zumbis ambulantes porque dormem muito pouco’ (…) Um estudo de 2020 descobriu que maiores perturbações do sono e menor tempo total de sono estavam associados a pontuações de internalização mais elevadas (incluindo depressão), bem como pontuações de externalização mais elevadas (incluindo agressão e outras ações associadas à falta de controlo dos impulsos). O número médio de notificações nos telefones dos jovens provenientes das principais aplicações sociais e de comunicação chega a 192 alertas por dia, de acordo com um estudo. O adolescente médio, que agora dorme apenas sete horas por noite, recebe cerca de 11 notificações por hora de vigília, ou uma a cada cinco minutos. E isso é apenas para aplicações relacionadas à comunicação”. E conclui: “Quando seu sono é truncado ou perturbado, é mais provável que você fique deprimido e desenvolva problemas comportamentais. Os efeitos foram maiores para as meninas. O declínio do sono relacionado com os ecrãs provavelmente contribuiu para a onda de doenças mentais dos adolescentes que varreu muitos países no início da década de 2010”.

Déficit de atenção, que agora tem nome de doença, em franco crescimento. Como médico, surpreende-me que o público se contente com um diagnóstico e busque um tratamento, sem perguntar-se pela etiologia. A psicologia social -verdadeira epidemiologia- aponta as causas, e os caminhos de prevenção. Haidt inclui uma oportuna referência ao “grande psicólogo americano William James que descreveu a atenção como ‘a tomada de posse pela mente, de uma forma clara e vívida, de um dos que parecem ser vários objetos ou linhas de pensamento simultaneamente possíveis’ . Envolve retirar-se de algumas coisas para abordar eficazmente outras. Atenção é uma escolha que fazemos para permanecer em uma tarefa, em uma linha de pensamento, em um caminho mental, mesmo quando rampas de saída atraentes chamam nossa atenção. Quando não fazemos essa escolha e nos permitimos ser desviados frequentemente, acabamos num estado de confusão, atordoamento e dispersão, que James diz ser o oposto da atenção plena”. E a seguir mais um dado: “Um estudo longitudinal holandês descobriu que os jovens que se envolveram em um uso mais problemático (viciante) de mídias sociais em um momento de medição apresentaram sintomas de TDAH mais fortes no momento de medição seguinte. Capturar a atenção de uma criança com “despertar estímulos sensoriais imediatamente” é o objetivo dos designers de aplicativos, e eles são muito bons no que fazem”. E acrescenta com certo humor negro: “Os smartphones são como criptonita que chama a atenção. Muitos adolescentes recebem centenas de notificações por dia, o que significa que raramente têm cinco ou dez minutos para pensar sem interrupção”.

O elemento final dessa cadeia de fracassos, é a adição, já em versão patológica. “O mais óbvio é que quem é viciado em atividades baseadas na tela tem mais problemas para adormecer, tanto pela competição direta com o sono quanto pela alta dose de luz azul que atinge a retina a poucos centímetros de distância, o que indica ao cérebro: hora da manhã! Pare de produzir melatonina! Além disso, enquanto a maioria das pessoas acorda várias vezes durante a noite e depois volta a dormir, as pessoas que se tornaram viciadas muitas vezes pegam seus telefones e começam a navegar. Como diz um estudioso: ‘O smartphone é a agulha hipodérmica moderna que fornece dopamina digital 24 horas por dia, 7 dias por semana, para uma geração conectada’.

A adição assemelha-se a outras versões mais conhecidas -e reconhecidas- como o álcool, drogas, jogo. Mas o fundamento fisiopatológico, por usar termos técnicos, é o mesmo: “O mesmo vale para as máquinas caça-níqueis: ganhar é ótimo, mas não faz com que os viciados em jogos de azar peguem seus ganhos e voltem para casa satisfeitos. Em vez disso, o prazer os motiva a continuar. O mesmo vale para videogames, mídias sociais, sites de compras e outros aplicativos que normalmente fazem com que as pessoas gastem muito mais tempo ou dinheiro do que pretendiam. A base neural dos vícios comportamentais em mídias sociais ou videogames não é exatamente a mesma que a dos vícios químicos em cocaína ou opiáceos. No entanto, todos eles envolvem dopamina, desejo, compulsão”.

Não consigo evitar destacar o capítulo dedicado às meninas que me pareceu magnífico, mais do que um aviso um clamor para que os pais tomem providências. Alguns dados: “Quanto mais tempo uma garota passa nas redes sociais, maior é a probabilidade de ela ficar deprimida. As meninas que afirmam passar cinco ou mais horas todos os dias da semana nas redes sociais têm três vezes mais probabilidade de ficar deprimidas do que aquelas que não relatam passar tempo nas redes sociais (…) As meninas são mais afetadas pela comparação social visual e pelo perfeccionismo. A psicóloga social Susan Fiske diz que os humanos são “máquinas de comparação”. Mark Leary, outro psicólogo social, descreve a maquinaria com mais detalhe: É como se todos tivéssemos um “sociómetro” nos nossos cérebros, um indicador que vai de 0 a 100, indicando-nos a nossa posição nas classificações de prestígio locais, momento a momento. momento. Quando a agulha cai, é ativado um alarme (ansiedade) que nos motiva a mudar nosso comportamento e levantar a agulha novamente (…) O cyberbullying entre meninas aumentou. Muitos suicídios de adolescentes têm sido diretamente ligados ao assédio e à vergonha facilitados pelas plataformas de mídia social. Em vários países, as taxas de depressão das meninas aumentaram rapidamente no início da década de 2010, assim como as taxas de automutilação e de hospitalização psiquiátrica”.

Obviamente existe uma explicação para tudo isto, para o ser humano que é, como ensinava Ortega no seu magnífico ensaio  Estudios sobre el amor, um ser sexuado (que é muito mais do que sexual; quer dizer que a marca do gênero se imprime em tudo: não apenas no sexo, mas no modo de sorrir, de fechar uma porta, de cumprimentar). Assim anota Haidt citando outro estudo: “Quando uma mulher fica deprimida,  aumentou as chances de depressão entre seus amigos próximos (homens e mulheres) em 142%. Quando um homem ficava deprimido, isso não tinha nenhum efeito mensurável sobre seus amigos. Os autores levantam a hipótese de que a diferença se deve ao fato de as mulheres serem mais expressivas emocionalmente e mais eficazes na comunicação de humores em pares de amizade. Pelo contrário, quando os homens se reúnem, é mais provável que façam coisas juntos em vez de falarem sobre como se sentem”.

Outros dados, nessa mesma toada: “As meninas estão mais sujeitas à predação e ao assédio. As redes sociais proporcionaram às meninas inúmeras maneiras de prejudicar os relacionamentos e a reputação de outras meninas. As garotas e as mulheres partilham emoções com mais facilidade. Quando tudo mudou online e as meninas ficaram hiper conectadas, as meninas com ansiedade ou depressão poderiam ter influenciado muitas outras meninas a desenvolver ansiedade e depressão. Elas também são mais vulneráveis ​​a doenças sociogênicas, ou seja, doenças causadas por influência social e não por uma causa biológica”.

E conclui este capitulo com uma afirmação que já e repetitiva, um leitmotiv: “Esta é a grande ironia das redes sociais: quanto mais imerso nelas você fica, mais solitário e deprimido você fica. Isto é verdade tanto a nível individual como a nível coletivo. Quando os adolescentes em geral pararam de sair e fazer coisas juntos no mundo real, a sua cultura mudou. As suas necessidades de comunhão não foram satisfeitas, mesmo para os poucos adolescentes que não estavam nas redes sociais. Estudos experimentais mostram que o uso das redes sociais é uma causa, e não apenas um correlato, de ansiedade e depressão. Quando as pessoas reduzem ou eliminam as redes sociais durante três semanas ou mais, a sua saúde mental geralmente melhora. Várias “quase-experiências” mostram que quando o Facebook chegou aos campi, ou quando a Internet de alta velocidade chegou às regiões e províncias, a saúde mental diminuiu, especialmente para as meninas e mulheres jovens”

Os meninos também têm direito a um capitulo, que mostra aspectos diferentes, que também reclamam por providências a tomar. O autor aponta para o “desligamento gradual do mundo real e imersão cada vez mais profunda no mundo virtual que atingiu um limiar crítico quando a maioria dos adolescentes adquiriu smartphones no início de 2010, conectando-os à Internet em qualquer lugar e a qualquer hora. O efeito líquido deste empurrar e puxar é que as crianças se tornaram cada vez mais desligadas do mundo real e, em vez disso, investiram o seu tempo e talentos no mundo virtual. Algumas crianças encontrarão sucesso profissional lá, porque o domínio desse mundo pode levar a empregos lucrativos na indústria de tecnologia ou como influenciadores. Mas para muitos, embora possa ser uma fuga de um mundo cada vez mais inóspito, crescer no mundo virtual torna menos provável que se tornem homens com as aptidões e competências sociais necessárias para alcançar o sucesso no mundo real. Um mundo com demasiada supervisão e poucos riscos é mau para todas as crianças, mas parece estar a ter um impacto maior nos meninos”

O conhecido triste exemplo no Japão, jovens enclausurados nos seus quartos plugados aos telefones,  é também citado: “ Esses jovens são chamados de hikikomori, termo japonês que significa puxar para dentro. Vivem como eremitas, saindo de suas cavernas principalmente em horários estranhos, quando é menos provável que vejam alguém, incluindo seus parentes. Em algumas famílias, os pais deixam comida na porta. Eles acalmam suas ansiedades ficando dentro de casa, mas quanto mais tempo ficam dentro de casa, menos competentes se tornam no mundo exterior, alimentando sua ansiedade em relação ao mundo exterior. Estão presos”.

O tema da pornografia, ao alcance de um click, é outro dos grandes desafios para a educação dos meninos. Mais dados sublinhados por Haidt: “Depois de ver pornografia, os homens heterossexuais consideram as mulheres reais, incluindo as suas próprias parceiras, menos atraentes. Os usuários compulsivos de pornografia, que são predominantemente homens, têm maior probabilidade de evitar interações sexuais com seus parceiros e tendem a sentir menor satisfação sexual. Numa meta-análise de 2017 de mais de 50 estudos que incluíram coletivamente mais de 50.000 participantes de 10 países, o consumo de pornografia foi “associado a resultados mais baixos de satisfação interpessoal em pesquisas transversais, pesquisas longitudinais e experimentos”. É importante notar que a relação só foi significativa entre os homens. A pornografia separa o apelo evoluído (prazer sexual) da sua recompensa no mundo real (uma relação sexual), potencialmente fazendo com que os rapazes que são consumidores habituais se tornem homens menos capazes de encontrar sexo, amor, intimidade e casamento no mundo real. E se tornam tímidos, incapazes de correr o risco social de abordar uma menina ou mulher na vida real e convidá-la para sair. Esses são os tipos de riscos saudáveis ​​que os jovens deveriam correr para se tornarem mais competentes e bem-sucedidos romanticamente”. Lendo isto, lembrei-me do mito de D. Juan, um mulherengo conquistador, que diante da mulher que realmente o atrai, torna-se tímido, desajeitado, incapaz.

E a seguir, desenha um panorama nada otimista para os garotos desta geração, caso não consigam escapar -ou serem tirados- desta ameaça virtual que os torna aleijados sociais. “Não ensinam os meninos a julgarem e gerir os riscos por si mesmos no mundo real. Quando os videogames substituem a exploração e a aventura do mundo real por amigos, como acontece com os usuários regulares, geralmente produzem jovens que sentem que estão perdendo. Os meninos prosperam quando têm um grupo estável de amigos de confiança e criam as suas amizades mais fortes e duradouras estando no mesmo time ou num grupo estável, enfrentando riscos ou times rivais. As comunidades virtuais criam laços mais fracos, embora os meninos  de hoje, cada vez mais solitários, se agarrem a elas e as valorizem porque é a única coisa que têm. É onde estão seus amigos (…) São menos capazes do que qualquer geração na história de criar raízes em comunidades do mundo real habitadas por indivíduos familiares que ainda lá estarão um ano depois. As comunidades são os ambientes sociais nos quais os humanos e a infância humana evoluíram. Em contraste, as crianças que crescem após a grande conexão saltam através de múltiplas redes cujos nós são uma mistura de pessoas conhecidas e desconhecidas, algumas usando pseudónimos e avatares, muitos dos quais já terão desaparecido no próximo ano, ou talvez amanhã. A vida nessas redes costuma ser um tornado diário de memes, modismos e microdramas efêmeros, representados por um elenco rotativo de milhões de pequenos atores. Eles não têm raízes para ancorá-los ou alimentá-los; eles não têm um conjunto claro de regras que os limitem e orientem no caminho para a idade adulta”. E cita um dos muitos entrevistados: “Eu realmente gostaria de ter conhecido melhor meu avô antes de ele morrer, em vez de ficar sempre jogando videogame quando ele me visitava”.

Os capítulos finais do livro, estão repletos de sugestões práticas para pais e professores, que são os que deverão tomar providências como educadores. Vale a pena ler com vagar e pensar naquilo que pode ser aplicável em cada caso. A modo de resumo pode se citar: Ações coletivas, para que ninguém se sinta isolado, nem tenha medo de se aventurar nessa necessária contramão. Dar exemplo, desligar-se pessoalmente do telefone quando está em família. Conversar e articular estratégias com os professores. Fomentar escolas sem telefone.

Pinçamos alguns parágrafos para ilustrar: “A lição mais importante aqui é falar. Se você acha que a infância baseada no telefone é ruim para as crianças e deseja ver um retorno à infância baseada na brincadeira, diga-o. A maioria das pessoas compartilha de suas suspeitas, mas não tem certeza do que fazer a respeito. Converse com seus amigos, vizinhos, colegas de trabalho, seguidores nas redes sociais e representantes políticos. É difícil impor limites se você é a única família que os estabelece, então tente coordenar com os pais dos amigos do seu filho. Quando muitas famílias impõem limites semelhantes, saem da armadilha da ação coletiva e todos ganham (…) Posso assegurar-lhe que a maioria dos diretores, administradores e professores odeiam telefones, mas precisam de muito apoio dos pais antes de poderem fazer tal mudança. Se os professores falarem com uma voz unificada e pedirem ajuda aos pais na educação dos seus filhos, as probabilidades de sucesso serão elevadas (…) Mas o que você faz geralmente é muito mais importante do que o que você diz, portanto, observe seus próprios hábitos ao usar o telefone. Seja um bom modelo e não dê atenção parcial e contínua ao telefone e à criança”.

Concluo estes comentários -mais longos do que pretendia, mas o tema é tão fascinante como necessário- com os apelos que o autor faz para a senso comum, incluindo exemplos muito gráficos: “Qualquer pessoa que tenha participado de um casamento, funeral ou serviço religioso baseado em Zoom durante a pandemia de COVID sabe o quanto se perde quando os rituais se tornam virtuais. Os humanos evoluíram para serem religiosos por estarem juntos e se moverem juntos. A vida baseada no telefone torna difícil para as pessoas estarem totalmente presentes quando estão com outras pessoas e ficarem quietas consigo mesmas quando estão sozinhas. Uma plataforma de mídia social é, quase por definição, um lugar que gira em torno de você. Você fica na plataforma e publica conteúdo para influenciar a forma como os outros o veem.  É quase perfeitamente projetada para aumentar o seu ego ao máximo e mantê-lo lá. Isso não é saudável para nenhum de nós e é ainda pior para os adolescentes”.

Um apelo à contemplação, que é o início de qualquer atitude humanista: “Quando as novas gerações encontram algo bonito, como a luz do sol refletida na água ou flores de cerejeira flutuando na suave brisa da primavera, seu primeiro instinto é tirar uma foto ou gravar um vídeo, talvez publicá-lo em algum lugar. Poucos estão dispostos a se perder no momento” E ao tempo e a paciência -o amor que se faz tempo, em palavras de um pensador- quando Haidt aponta: “A maioria das religiões exorta-nos a sermos menos críticos, mas as redes sociais encorajam-nos a oferecer avaliações dos outros a um ritmo nunca antes possível na história da humanidade. As religiões nos aconselham a ser mais lentos para ficarmos com raiva e mais rápidos para perdoar, mas as redes sociais incentivam o contrário”.

E a conclusão, direta e definitiva, para encerrar estas linhas: “Deixámos que os jovens crescessem em redes sociais digitais, em vez de em comunidades onde pudessem criar raízes. Então nos surpreende que nossos filhos se sintam sozinhos e famintos por conexões humanas reais…..Após o naufrágio do Titanic em 1912, seus dois navios irmãos foram retirados de serviço e modificados para torná-los mais seguros. Quando novos produtos de consumo são considerados perigosos, especialmente para as crianças, nós os retiramos do mercado e os mantemos fora do mercado até que o fabricante corrija o design”. Eu penso que o fabricante não vai corrigir nada, porque é o seu modelo de negócio. Cabe a cada um tomar as providências possíveis. Por isso, convém não contentar-se com este resumo, e ler com vagar o livro. Tomar notas. Pensar. E agir em consequência.

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