Ao Mestre com Carinho: Um clássico inovador dos paradigmas educacionais
To Sir, with Love. Diretor: James Clavell. Roteiristas. E.R. Braithwaite. James Clavell. Artistas. Sidney Poitier. Judy Geeson. Christian Roberts. Suzy Kendall. 1967 h 45 min

Voltei várias vezes sobre este filme clássico, que assisti por primeira vez há mais de 50 anos. O rosto, sério e amável, de Sidney Poitier acompanhou-me sempre na minha trajetória educacional. E, sempre, assistindo com público variado -alunos, professores, colegas- perguntei-me o porquê do sucesso. Afinal, um filme simples, de baixo orçamento, embrulhado numa canção doce e quase melosa, que transpira agradecimento a um professor que teve a coragem de encontrar soluções a novos desafios. Dos muitos filmes de professores que tive oportunidade de ver e comentar, não posso dizer que este foi o melhor, nem com mais glamour. Mas certamente, foi o primeiro. Penso que ai está o mérito, o sucesso, e o motivo que nos faz lembrar com carinho a todos os que militamos na cenário da educação.
São os anos revoltos no final da década de 60, alunos que fazem questão de não aprender nada -porque talvez nada esperam da sala de aula-, ariscos, incômodos, mal educados. Do outro lado a elegância britânica do professor, um engenheiro chegado da Guiana.
Sim, foi o primeiro a quebrar os paradigmas educacionais, para encontrar soluções. “Tentei de tudo, mas não funciona. São demônios” -comenta o professor Thackeray, com a colega de trabalho. De repente, uma luz: joga os livros de texto no lixo, e olha para os alunos. Agora sim, novas perspectivas: Sem livros. “O que vamos estudar, do que vamos falar?” -perguntam os jovens perplexos. “Da vida, da sobrevivência, da morte, do sexo, do amor”.

Os livros no lixo, a saída aos museus, as conversas sobre a vida, foi a ruptura com a que Thackeray inaugura essa inovação em educação -a criatividade que se exige de qualquer professor de categoria, para se conectar com o ambiente dos alunos- da qual veremos muitos desdobramentos em produções posteriores. Rasgar a explicação para entender a poesia, da Sociedade dos Poetas Mortos; tocar o pôr de sol, de Adorável Professor; escrever sobre a própria vida, em Escritores da Liberdade; mergulhar numa banheira para explicar as leis da física, em Radical; conseguir que um recruta tosco interprete Ofélia e declame a discurso de Henrique V de Shakespeare em Um novo homem. E muitos outros.
Afinal, os filmes de professores que marcam são os que implicam ruptura com o piloto automático da educação. Piloto, este, que vai mudando com o passar dos anos, mas sempre amputando a criatividade de um jeito ou de outro. Pode chamar-se ementa, conteúdo programático, avaliação 360 graus, e mais uma dezena de variedades de corte moderno que não conectam com o aluno. Porque é disso que se trata: estabelecer uma conexão vital com o educando, fazer com que se sinta cuidado, guiado, estimulado a crescer.
Inúmeras vezes, nas minhas palestras para formadores, insisto numa ideia recorrente: Educação é mais do que simples treino. Implica promover uma atitude reflexiva na pessoa, e um desejo contínuo de aprendizado ao longo da sua carreira profissional e da sua vida. Quando se fala de treinamento -seja no mercado corporativo, ou no mundo educacional- sinto arrepios. Treinam-se cavalos, animais; mas as pessoas se educam. E o motivo é simples: treinar alguém (ou algo) implica esperar que chegue na meta que o treinador se propõe. Mas, pensemos, e se o cavalo, além de saltar decide cantar uma ária de ópera? Impossível, não esta no script. Mas com o educando a surpresa acontece e, quando bem conduzido, chega a superar as expectativas do educador.

Talvez seja esse o motivo que engessa a educação, que castra a criatividade, e faz com que os professores nos refugiemos nos protocolos: a própria segurança, pisar no terreno que controlamos. E se o aluno começa a pensar por conta própria e nos surpreende? E se coloca assuntos que não dominamos, como fruto da sua reflexão? Não! Melhor não inventar moda, deixa como está…que sempre funcionou ou, pelo menos, funcionou de modo que podemos controlar. A recomendação do diretor do College ao professor inovador em Sociedade dos Poetas Mortos, é clara: não invente moda, sempre tem funcionado, desde tempos imemoriáveis.
Parker Palmer, naquele magnifico livro -traduzido ao português como A Coragem de Ensinar– deixa claro que os protocolos e processos são ferramentas que os professores utilizamos para nos defender dos alunos complicados, desses que ele chama, alunos “do inferno” . Uma defesa que não funciona, é como enxugar gelo. E, de quebra, nos distancia de todos os outros alunos, daqueles que poderiam crescer, mas não se sentem cuidados. É preciso ensinar do fundo do nosso coração -diz o educador americano. E exemplifica: todos os professores perguntam-se o que devo ensinar?. Alguns vão além e se questionam a quem devo ensinar e como. Mas, infelizmente, muito poucos se interrogam com a pergunta chave: afinal, quem está ensinando? Porque, queiramos ou não, ensinamos o que somos. Esse é o título de um dos últimos capítulos desse livro: divided no more, não existe uma vida dupla -a pessoal e a docente- porque na docência o professor torna-se transparente, desnudo de protocolos.
Dez anos depois, Palmer publica uma continuação deste livro, onde volta a sublinhar a mesma ideia: o professor ensina o que ele é. E exemplifica com histórias ilustrativas “Lembro-me de uma jovem estudante a quem perguntei sobre os melhores professores que ela teve. Respondeu que teve alguns muito bons, mas que não poderia descrevê-los, porque eram diferentes. Mas, a seguir, acrescentou que poderia sim falar dos professores ruins, porque esses eram todos iguais. Diante da minha perplexidade, continuou explicando que os professores ruins lembravam-lhe as personagens das histórias em quadrinhos cujas falas estavam sempre envolvidas em balões. Os balões das falas e dos conteúdos são algo exterior, que nada tem a ver com a pessoa do professor. Esses eram os professores ruins: os que ‘vomitavam’ conteúdo, da boca para fora, como algo alheio a eles. Sem paixão, nem entusiasmo. Personagens de quadrinhos”.

E outra, muito pessoal, que confirma a sua tese da vida única, não dividida: “Regressei para um evento ao College onde me formei, há 40 anos. Lá encontrei três grandes professores, já anciãos, que marcaram minha educação. Lembro que alguém me perguntou qual eram as matérias que tinha cursado com eles, e reparei que não me lembrava do título nem do programa. Eu somente recordava da admiração que me causaram e que eu queria ser como eles quando crescesse”.
A Coragem de ensinar, a aventura na qual embarcar-se, sem o cinto de segurança dos protocolos, livres para navegar e fazer os alunos crescerem. “Se queres que aqueles que guiam construam barcos, não percas tempo ensinando cortar madeira, mas faz eles sonharem com a grandeza do oceano” -dizia Saint-Exupéry. Um sonho que hoje é desafiado não apenas pelos protocolos que engessam, mas pela condição do aluno que transformou-se em cliente: o aluno paga e o cliente sempre tem razão. O professor engessado, que já tinha medo de inovar, neste cenário atual encontra-se absolutamente impotente. Refém do aluno e das famílias. Sem plano B para decolar. Como superar isso e resgatar a aventura da educação? Pergunta que martela minha cabeça diariamente. Afinal, educar não é para qualquer um. Certamente não para amargurados que sentem o emprego ameaçado. Mas para aqueles que são felizes, realizam-se promovendo os outros. Bem o sublinha Michel Barlow naquele livro encantador Diário de um professor novato: “Ser feliz é isto: Não conhecer as fronteiras entre o trabalho e a alegria”. Quem encontra essa felicidade que se confunde com o próprio trabalho, como Sidney Poitier- Thackeray, descobre sua verdadeira realização, sua vocação docente. De fato, ser professor não é para qualquer um.
Comments 1
Excelente filme, marcou minha pré-adolescência, assisti pela primeira em uma dessas reprises eternas da tv aberta, a uns 40 anos, incrível como até hoje a música tema me impacta. Obrigado Pablo, não conhecia o livro nem sua sequência.