Wallace Steigner: “Ângulo de Repouso”
Wallace Steigner: “Ângulo de Repouso”. Ed Nova Fronteira. 1971. Rio de Janeiro. 520 pgs.
Temos aqui mais um exemplo de uma verdadeira saga americana, centrada como é usual em volta de uma família. Um professor de historia, aposentado e mutilado, dedica-se com afinco a investigar suas raízes familiares. E o faz profissionalmente, não apenas por curiosidade, trabalhando horas a fio. É no trabalho onde o professore Lyman Ward encontra o sentido para sua velhice sofrida. “Trabalho de rotina, o melhor de todos os analgésicos que o século vinte tentou ao máximo eliminar”. Cartas, fotos e lembranças lhe conduzem a mergulhar num passado de cem anos. As aventuras –e desventuras- dos avôs, emigrantes do Leste que abandonam uma situação confortável para estabelecer-se no Oeste selvagem, misturam-se com a historia dos Estados Unidos, e com os dramas da própria vida do professor Ward.
Conforme avança o relato, notamos crescer a admiração pela avó, mulher culta e aristocrática, escritora e pintora, mãe e esposa que luta sem trégua por adaptar-se a um mundo com o qual não sintoniza. É dela, sem dúvida, que lhe advém o modo elegante de ver a vida, a classe que se deve ter para assumir as posturas adequadas em cada situação desafiante: “O refinamento é herdado pela linha feminina, como a hemofilia, e praticamente incurável”. Um refinamento que não lhe impede combinar as histórias dos avós com críticas mordazes à sociedade liberal e pós-moderna, carente de valores e limites, que ridiculariza com aguda ironia.
A imersão no passado toma conta do professor. Vê-se obrigado a dar vida aos documentos que examina, construindo diálogos entre as personagens, que se tornam mais reais do que a limitada existência que a ele, Ward, lhe cabe viver. “Parte da minha inquietude resulta diretamente de eu viver a vida da minha avó por ela.” Sim, é ela, Susan Burling Ward a verdadeira protagonista desta saga, e suas virtudes e misérias o principal recado do livro. Mas, invertendo o ditado popular, por trás desta grande mulher há também um grande homem, Oliver Ward, seu avô, que curto de palavras, tem como norma a honestidade integral e cultiva uma devoção pela esposa que reconhece como superior, como um bem do qual não é digno. Um reconhecimento que chega no parágrafo final do livro: “Recosto-me imaginando se sou homem o bastante para ser maior do que o meu avô”.
Wallace Stegner, professor de Harvard e Berkeley, foi considerado um mestre de escritores nos Estados Unidos. Com “Ângulo de Repouso” conquista o Prêmio Pulitzer em 1972. É, sem dúvida, um narrador formidável, mas é preciso reconhecer que um livro de mais de 500 páginas tem seus momentos altos e baixos. Muito provavelmente esta inconveniência se deva à tradução, pois nem sempre se conseguem verter os sentimentos e a energia narrativa em outro idioma. É como uma bala onde não se retirou a última camada de papel antes de introduzi-la na boca. Tem algo que falta, e algo que sobra. O gosto não é pleno. Bom seria poder ler os escritores na sua língua materna. Especialmente tratando-se de um professor que dirigiu cursos de redação em Stanford por mais de 20 anos. Valha a sugestão na hora de enfrentar uma próxima obra dele.