Leonardo Lourenço: “A síndrome do gênio da lâmpada”
Leonardo Lourenço: “A síndrome do gênio da lâmpada”. Labrador. São Paulo, 2021. 211 págs.
Recebo o livro de mãos do autor, colega e amigo. Com dedicatória que me fala do amor que constrói. Já conhecia os pensamentos recolhidos neste livro, porque várias vezes vi o Leonardo em ação, falando sobre eles em reuniões e aulas. E, com a confiança que tenho com ele, posso dizer que é um livro que dá recados profundos e importantes, em linguagem accessível. Ciência, ou melhor, neurociência….em linguagem de boteco, para que ninguém diga que não entendeu.
O autor fala da saia justa na qual nos coloca o gênio da lâmpada, para manter-nos no politicamente correto, para elaborar uma segurança, que é tão fictícia como inútil. Anota: “O gênio da lâmpada é um cara que tem todos os poderes do mundo para atender aos pedidos dos outros. Ele devota a própria vida a atender os desejos alheios . Mas talvez justamente por isso ele seja um infeliz prisioneiro de sua própria missão (…) Passamos a acreditar, com o passar do tempo, que somos a nossa própria máscara protetora. O benefício dos escudos de defesa é enorme quando surge, mas vai decaindo progressivamente ao longo do tempo, ao passo que o custo vai paulatinamente crescendo”
Como já disse, todos estes raciocínios, evidentes de per si, tem uma base científica, que Lourenço faz questão de sublinhar: “Não são as ocorrências em si que sensibilizam o maquinário neuronal, mas os sentimentos e as emoções guardadas junto a cada uma. O que em verdade esculpe visceralmente o encéfalo são as roupas, não os manequins (emoções amealhadas na infância, etc.)”.
O golpe -que muitos sentirão ao desfilar pelas páginas do livro- resume-se assim: “Mas, doutor, o que faço então com os meus últimos 40 anos de vida?”. E a seguir, o conselho que cada um deve incorporar: “Vou continuar a comprar brigas que não são minhas? Vou permanecer fiel a valores que nunca escolhi? Vou insistir em chegar lá, sendo que o tal “lá” não fui eu que sonhei? Quanto tempo vou perseverar em atender às expectativas de todo mundo, menos as minhas?”
A condição humana revela-se com nitidez: “Temos uma imensa tendência a buscar o reconhecimento alheio. Parece ser como um passaporte para entrar no círculo do relacionamento. Será? (..) Muitas vezes projetamos nos outros um amo interior que nos escraviza. O problema não são os outros, mas estarmos presos a um ego construído e preso na lâmpada. Colocar-se em posição de sofrimento como impulso para tentar salvar o outro é uma das armadilhas mais perigosas em que podemos nos enjaular. Nossa lâmpada é esfregada para que entreguemos o novo pedido. E ficamos assustados com o que virá, com o próximo”.
Nem tudo são golpes no livro. Obviamente, como bom médico, Leonardo aponta saídas e soluções, que, obviamente dependem do interessado. Cada um tem que reconhecer, e querer tomar estas decisões: “Humildade, admitir nossa restrição quanto ao poder que temos sobre nosso cérebro. Somos muito menos livres do que pensamos. Admitir humildemente essa limitação é o primeiro passo para superá-la (…) A cura da síndrome do gênio da lâmpada implica a transformação de entrega compulsória em livre, ou seja, a mudança de um mindset de benevolência obrigatória e restrita, para outro de compaixão ampla, livre e consciente”
E a seguir, lista uma série de recursos. Não são uma ferramenta de autoajuda, se por tal se entende, um caminho fácil, um atalho para resolver o problema. Não tem atalhos, mas subidas custosas. Vale conferir a lista:
- Sete dias seguidos sem reclamar. Buscar o positivo e elogiar. Reclamar tira do foco.
- Cartas a personagens da infância que nos marcaram. Dizer a eles (por carta) o que nunca dizemos.
- O perdão, recurso fantástico. Não é esquecer, nem concordar, nem ser cúmplice. É sair do papel de julgador justiceiro, permitir-se amar e ser amado. Serve para nos libertar, não para mudar o outro.
Buscar sentido -onde se evoca a V. Frankl- a importância da gratidão, ilumina o que deveria ser o relacionamento saudável. “Quando olhamos mais para a utilidade de alguém do que para a sua dimensão humana inestimável, estamos tentando suprir uma carência nossa e não procurando amar essa pessoa”.
Deixo para o final dois epígrafes que o autor coloca no começo. Parece-me o melhor modo de encerrar esta pequena sinopse de um livro que, para aproveitar, deve ser lido, meditado, em ritmo lento, deixando-se golpear. O primeiro é de uma autoria discutida (tem quem atribui a Dostoievsky, outros a um autor nosso nacional). Seja como for, faz pensar: “Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”. Curar-se da síndrome do gênio da lâmpada, implica assumir o risco.
O segundo epígrafe, do nosso Guimarães Rosa, fala por boca do jagunço, mostrando a vida como ela é. Pura aventura, sem neuroses de segurança, perspectiva cada vez mais distante da juventude que está assumindo o protagonismo social e profissional, onde a estabilidade é a joia da coroa! Diz assim: “Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Com essa atitude que traz ecos do sertão -aquele que está dentro de nós, como dizia G. Rosa- não há gênio da lâmpada que se resista.
Comments 3
Interessante discussão sobre um tema que nos traz questionamentos sobre nossas decisões e escolhas de vida. Realmente, é muito difícil distinguir entre o que seria uma necessidade interior de cada um e o que provém dos apelativos sociais de sucesso ou das prioridades de outras pessoas com quem convivemos.
E, mesmo reconhecendo a origem, a decisão precisa ser muito bem pensada e analisada em seus valores e consequências. Nem tudo que se deseja pode ser adaptado aos valores e prioridades da época.
Gostei muito da escolha do livro e dos comentários. Parabéns e obrigada!
Muito obrigado pelas brilhantes reflexões e pensamentos. Sinto-me honrado! Grande abraço, professor!
Lembro-me de um colega de Universidade que escreveu assim em uma prova de Física e o professor leu para toda classe; “Não vou tomar seu tempo professor. Estou fazendo este curso por imposição de meus pais. Meu querer é outro. Estou deixando o curso de engenharia. Decidi enfrentá-los. Desculpe mais uma vez.” É o que a vida nos pede: “Coragem “.