Alfred Sonnenfeld: “Liderazgo Ético”
Alfred Sonnenfeld: “Liderazgo Ético”. Encuentro. Madrid. 2011. 233 pgs.
Livros sobre liderança são quase epidemia nas prateleiras. A qualidade do conteúdo já requer um exame mais minucioso. Se à liderança, se junta a ética –aquela variante global da qual todos falam, e poucos vivem- o resultado é, no mínimo, convidativo. Apesar de todo o marketing que o título encerra, não é este livro um produto de consumo. É mais: pode ser um verdadeiro problema, pois a proposta é mergulhar na intimidade do líder, ou melhor, daquele que, mesmo apesar dele, sente-se chamado a liderar, a conduzir outros, porque a vida o colocou nessas circunstâncias. Não contém normas, nem dicas, nem guidelines, nem check-list para tornar efetivos os desejos de liderança. É, se cabe, um roteiro de exame de consciência para quem se encontra nessas circunstâncias.
Conhecimento próprio, descoberta da missão, curriculum baseado em virtudes, tornar-se bom para poder fazer o bem, são elementos da análise fatorial que o autor proporciona sobre o corpo da ética e da liderança. “Tudo começa por conhecer-se bem, algo essencial. Quem não leva surpresas quando ouve a própria voz gravada ou contempla uma fotografia tirada inadvertidamente, onde aparecemos de lado, ou de costas? Se neste nível físico surge a surpresa, quanto mais em níveis mais profundos da personalidade”.
Conhecer-se, saber o que queremos e o que, de fato, fazemos. “Um dos mistérios mais desconcertantes da psicologia humana é que o fato de ter um ideal de vida excelente não é suficiente para vivê-lo, para colocá-lo em prática. Quantas empresas proclamam seus valores e missão e depois aquilo não acontece. Não basta com proporem-se altos ideais, mesmo com grande convicção: é preciso chegar aos fatos.” Lendo isto lembrei as desistências nos regimes de emagrecimento: “Eu já tentei mil vezes, mas não consigo”. Na verdade, a pessoa decidiu mil vezes tentar emagrecer, mas a decisão nunca chegou a atingir a contagem de calorias nas refeições imediatas. No fundo, a desistência foi da decisão, e não da estratégia, porque esta nunca chegou a ocorrer.
A liderança ética não é processo apenas racional, mas implica liderança afetiva. “Precisamos dos sentimentos para captar emotivamente a beleza, o sublime. A pretensão de ser estritamente realistas, e afogar os sentimentos como se fossem evasões subjetivas de caráter hedonista supõe um ataque frontal ao mundo dos valores”. Para guiar pessoas é preciso chegar ao coração – são os corações as verdadeiras cabeças de ponte entre duas pessoas, dizia V. Frankl- e não apenas à cabeça, nem ao bolso, aos resultados financeiros. “Se queres construir um barco não comeces buscando madeira, cortando tábuas, distribuindo o trabalho. Evoca primeiro nos homens e mulheres o desejo do mar livre e infinito”. Esta cita de Saint Exupéry é uma das muitas referências clássicas com que o autor ilustra suas teses.
Naturalmente, o amor pela verdade, é substrato necessário em todas as reflexões do livro. “A capacidade de conhecer valores cresce se estamos dispostos a submeter-nos e eles, e diminui quando não se possui essa disposição.” Conforme passeamos pelas páginas do livro, e refletimos, outros autores acodem à memória; não é somente o autor quem invoca pensadores, mas o leitor assume essa função também. Neste momento, as palavras de Gilson batem na minha memória e pedem licença para amplificar a reflexão: “Conhecer a verdade não é difícil; o realmente difícil e submeter-se a ela quando a encontramos”.
O amor pela verdade nos configura e, consequentemente, atinge também o relacionamento com os outros: “A todos nós é mais fácil dizer sempre que sim a tudo; mas contribuir eficazmente a que as pessoas sujeitas à nossa influência deem o melhor do si mesmas, implica uma exigência que não pactua com a mediocridade”. Promover os outros, extrair deles o que de melhor possuem, sem contentar-se com uma crítica que, além de fácil, é sempre um modo de fugir do compromisso pessoal: “Quando alguém se acostuma a criticar os defeitos de quem aparenta ser bom e não o é, corre o perigo de pensar que com essa crítica já contribui suficientemente a melhorar as coisas, e pode descuidar o exame dos seus próprios defeitos. Criticar a hipocrisia é sempre muito arriscado, porque dificilmente se consegue julgar as intenções dos outros”.
Liderar é cuidar, dar exemplo, esbanjar otimismo, ser um promotor de soluções. Dimensões variadas que um conhecido professor de filosofia descreve no prefácio do livro para situar-nos no contexto: “Hoje presenciamos sinais de decadência por faltar, nos executivos que detêm responsabilidades, esta grandeza de ânimo. São precisos lideres com generosidade e nobreza de espírito que evitem a vaidade e as posturas tortas. Lideres com forte e inquebrantável esperança, com uma confiança quase provocativa, e a serenidade de um coração palpitante”.
Um panorama convidativo e exigente que o autor resume, invocando pensadores clássicos, em disponibilidade: “Não estar disponível, significa estar muito ocupado consigo mesmo” (G. Marcel). E também em compreensão: “CS Lewis escreve que sempre lhe pareceu horrível aquilo de que é necessário odiar o pecado, mas não o pecador; até que um dia descobriu que havia uma pessoa na terra com a qual tinha praticado sempre essa regra: com ele mesmo!”
O recado principal do livro é claro: a integridade moral, a honestidade ética, é o cerne de toda liderança. “O que fazemos repercute em nós mesmos, na nossa maneira de ser, nos converte em pessoas boas ou más. Transformamo-nos em aquilo ao que tendem nossas ações. De nada serviria ao homem fazer melhor o mundo inteiro, se ele mesmo não se fizesse uma pessoa boa”.
A condição para viver essa probidade é uma sinceridade completa na análise das próprias ações. Uma cita de Nietzsche, que me impressionou profundamente, é o broche de ouro para estes comentários: “Fiz isto, diz a minha memória. Não, eu nunca pude ter feito isto, diz o meu orgulho, e permanece inflexível. Finalmente, é a memória a que acaba cedendo.” Assustador, tremendo, mas real. E de uma fonte nada suspeita.
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