Alejandro Llano: “Cultura y pasión”. Eunsa, Astrolabio. Pamplona. 2007
Coleção de ensaios deliciosos sobre temas atuais delineados com instigante perspectiva filosófica. Aborda-se o que seja a cultura, o tema da globalização, a sociedade da informação versus a sociedade do conhecimento, a técnica da informação versus a educação fecunda. O papel da universidade nos dias de hoje, a necessidade de fomentar as humanidades como foco do verdadeiro saber, o urgente que nos impede ocupar-nos do que é realmente importante, e o papel social da empresa que consiste em cuidar das pessoas, em promover a iniciativa, para ser de fato inovadora. Um livro necessário, para ler em pequenas doses, meditando os aprendizados de cada capítulo. Anotamos a seguir, alguns exemplos que, certamente, provocarão o leitor:
O que é cultura, pergunta-se o autor. Algo que tem a ver com a espessura do homem, com sua densidade. Não é ornato, enfeite, como aqueles que dizem ter a cabeça “muito bem mobiliada”, de modo que são como trastes que acabam ocupando espaço inútil. Citando Ortega, comenta: “a vida é um caos, uma selva, uma confusão. O homem perde-se nela, Mas sua mente reage perante a sensação de naufrágio, e trabalha por encontrar na selva caminhos: idéias claras e firmes sobre o universo, convicções positivas sobre o que são as coisas e o mundo. O conjunto, o sistema dessas coisas é a cultura. O que nos salva do naufrágio vital”.
Citando Pascal: “todos os conflitos provem de que o homem não saber permanecer tranqüilo no seu aposento”, lendo, dedicando-se ao conhecimento. Este tema, o da sociedade da informação versus sociedade do saber é amplamente abordado em outro capítulo. A informação é externa, tecnicamente articulada, encontra-se à nossa disposição. O conhecimento é uma atividade vital, um crescimento interno, um enriquecimento. A informação somente tem valor para quem sabe o que deve fazer com ela, como utilizá-la. O conhecimento é um fim em si mesmo. Não é “útil”, mas confere a sabedoria para bem utilizar a informação. São duas dimensões não opostas, mas sim atitudes antropológicas diferentes e complementares. E para tudo isso é necessário a filosofia, “que não semeia nem recolhe, apenas remexe a terra” (Kolakowski). (penso eu que a reflexão é um modo de remexer a terra também..)
A instrução responde ao paradigma da eficácia, a educação se insere no paradigma da fecundidade. A eficácia vem dada pelas tecnologias modernas de informação, mas estas são humanamente relevantes se colocadas ao serviço da fecundidade. Daí a importância dos conteúdos e não apenas da comunicação.
As grandes transformações sociais e políticas quase sempre se basearam em movimentos estruturados em volta de pequenos grupos que reúnem simultaneamente propósitos de pensamento e ação: são os Rate ou Conselhos. (Hannah Arendt).
Comentando o conceito de virtude em Alasdair MacIntyre. A divergência que se da entre o mundo exterior –objetivo, científico, mensurável pela evidência científica- e o subjetivo, que é individual, onde não há possibilidade de evidência, mas tudo está por conta das arbitrariedades de cada um. A virtude seria como uma ponta entre ambas, que leva o subjetivismo interior até o mundo real exterior. Orienta a vida para a verdade. Essa é o fundamento da ética das virtudes.
A verdade é esplendor, não apenas brilho. O brilho é relativo, luz refletida, claridade emprestada. O esplendor é absoluto, luminosidade interna que serenamente se difunde. O esplendor é a verdade do real. O paradigma do brilho é a televisão, santuário doméstico da religião niilista.
“Em qualquer caso, e com as necessárias matizações, cabe afirmar que a presença dos sentimentos é sinal de autenticidade da ação livre, de um modo que não se registra em nenhum outro comportamento humano. Por exemplo, se alguém diz que quer a uma pessoa, mas não possui nenhuma paixão por ela, concluímos simplesmente que não a quer; se, por outro lado, os seus sentimentos amorosos são manifestos, não precisará insistir em sua inclinação a ela (pg 45). Diferente do emotivismo, como explica a seguir. O que uma pessoa faz, porque faz o que quer aqui e agora, -impulsionada por um prazer ou uma dor quase irresistível- não é precisamente o que essa pessoa “gostaria de querer”. Nestes casos de emotivismo desbocado se distorce a realidade, coloca-se como essencial o que muitas vezes não é mais do que acidental, e torna-se cada vez mais difícil saber o que são as coisas e quem sou eu. (pg. 53)
A conquista da própria identidade, podemos dizer com Charles Taylor, somente se consegue por meio de valorações fortes – strong evaluations. Para ser livre em sentido moderno, não basta com carecer de obstáculos externos. É preciso também estar livres de obstáculos interiores. E para conseguir isto é preciso cultivar um fundo habitual de capacidades de avaliação estável e enérgica, às quais se pode recorrer em caso de conflitos éticos pessoais dos que ninguém está livre (pg 53-54).
O eu moderno se dissolve, se dispersa, entre as infinitas possibilidades combinatórias que nos oferecem os jogos informáticos. E a realidade mesma não é mais a velha senhora cuja amizade procuram os filósofos. Não há mais realidade do que a seqüência vertiginosa das representações televisivas ou transmitidas por internet. Estamos na sociedade como espetáculo, na qual parece foi conseguido o ideal sofista da identidade entre o parecer e o ser (pg 58).
O cultivo das humanidades consiste num processo educativo que conduz precisamente à consciência de que no homem se interpenetram um chamado maravilhoso e uma profunda debilidade. As dificuldades desta educação humanística foram apontadas pelo Cardeal Ratzinger com a sua habitual precisão: ‘Vem se impondo no nosso tempo uma visão do ensino puramente informativo. Qualquer iniciativa no sentido de educar sobre verdades relativas ao que seja o ser humano é olhada com desconfiança como um atentado contra a liberdade e contra a autodeterminação do indivíduo. Isto seria razoável se não houvesse verdades anteriores ao nosso próprio existir; mas se esse fosse o caso, careceria de sentido, e acabaria no vazio qualquer tentativa de autonomia. O certo é o contrário: sim há uma verdade sobre o que é o ser humano e o nosso existir não é outra coisa que tender a realizar uma idéia eterna de verdade. Difundir essa verdade e viver conforme a ela constituem a chave para fazer com que o homem livre seja livre; para que se liberando do absurdo e do nada, decida sobre si mesmo plenamente’. (pg 61)
Sem humanidades, as colocações éticas convertem-se em enfoques puramente pragmáticos ou funcionalistas. E a vida intelectual encolhe-se, carente de inspiração e de incentivos. Prescindir daquilo que não tem aplicação imediata é sintoma de espírito estreito. Porém, fomentar o importante que não é urgente manifesta generosidade e grandeza de alma. O mais importante para o homem é o mesmo homem. Dele, de nós mesmos, da condição humana é do que se ocupam as humanidades. (pg 78).
Falando das vantagens eletrônicas de comunicação, adverte: “As pessoas somente o são, quando são pessoas mutuamente: somente se é pessoa para outra pessoa. Se esse contato empático se esfuma, a pessoa converte-se num agente, num operador unido a uma máquina. (..)As relações eletrônicas tem uma índole fundamentalmente técnica, enquanto que as relações comunitárias ou familiares são basicamente humanas. E as relações humanas são necessárias, por muito que avance a técnica. O crescimento da comunicação eletrônica globalizada deve ser acompanhado por um desenvolvimento equivalente na comunicação pessoal, por um cultivo das humanidades.
Guido Stein diz que a técnica (o esforço por poupar esforço, definição de técnica de Ortega) precisa de alguém que saiba o que vamos fazer com os esforços poupados. Isto cabe à pessoa.
Quem recebe uma informação abundante e imediata, com velocidade e urgência, é quem mais precisa do critério para selecionar qual a informação relevante e qual a supérflua. Por isso, o executivo precisa muito, ao invés de passar horas no celular ou ligado nos emails, ler os clássicos para construir esse critério. Um contraponto necessário. (pg 133-135).
Há que levar em consideração os riscos da “morte da distância”. Porque o imediato é próprio dos sentidos, enquanto a distância é privativa da inteligência. A eficácia humana não deriva da proximidade física ao objeto nem da rapidez em reagir perante ele. O específico do homem nasce onde há tranqüilidade, lentidão, sossego, distância perspectiva de prazo, panorama de espaço. ‘Pensar é parar para pensar’, diz Polo. Pensar não é a resposta imediata a um estímulo, mas a visão global do que ocorre numa seqüência ampla, num horizonte aberto. Onde o animal tem instintos, esquemas desencadeantes, o homem tem história. Recuperemos o sentido da distância. (pg 136-7)
Da Universidade:
A força de uma Universidade não procede dos seus recursos econômicos nem dos seus apoios políticos. A origem da sua potência está na capacidade que os seus membros têm de pensar com originalidade, com liberdade, com energia criadora. O que importa é que as pessoas que lá trabalham ponham em jogo sua capacidade de reflexão. (..) Um perigo muito freqüente em todas as organizações é a falta de capacidade de reflexão a pobreza que supõe fazer coisas, sem saber exatamente o quê se faz, ou por quê se faz desse modo, sem avaliar sua fecundidade, sem analisar conseqüências e modos de melhorar.
Encontro universidades onde o panorama está encolhido, deixou de ser universal para ser localista, ou na melhor das hipóteses cosmopolita. Não se acredita na procura da verdade nem na educação dos jovens estudiosos. Ao invés destes ideais clássicos encontramos ativismo e banalidade de pessoas insignificantes, preocupadas exclusivamente com seus afãs de poder, seus interesses econômicos, suas prepotências e seu patético prestígio. São escolas sem livros e sem leitores, que não montaram bibliotecas com a falsa desculpa de que agora “tudo está na rede”. (..) São dependências da administração pública ou de multinacionais privadas onde a árvore da ciência não passa de ser uma metáfora vazia. Estamos diante da ignorância organizada eficientemente, tecnocraticamente orquestrada e, naturalmente, bilíngüe ou trilingue. (pg 163-164)
D. Quixote, que é um prolongado diálogo entre cavalheiro e escudeiro desperta em nós a esperança do poder da comunicação, em vista da pouca atenção que, na prática, damos aos outros. D. Quixote e Sancho partem de posições superficialmente antitéticas, representam condições sociais diferentes e ideais de vida contrapostos. Encontram-se, porém, muito mais próximos do que pudesse parecer. Escutam-se mutuamente e mudam a través de sua receptividade. O livro de Cervantes mostra que a educação permanente não é uma ilusão e confirma que toda pessoa, a qualquer idade, precisa de um interlocutor. Suas personagens são adultos capazes de retificar, de temperar suas posturas de vida. A maior virtude de D. Quixote e de Sancho é que se levam a sério mutuamente, como demonstra o interesse com que colocam suas perguntas, a atenção com que recebem as correspondentes respostas, mais ou menos afortunadas, mas sempre pertinentes. (pg. 197-98).
O capítulo intitulado “Empresa e responsabilidade social” (pg 201-224) é essencial para qualquer diretivo. Difícil resumir o que lá se escreve, em poucas palavras. A linha mestra é a inovação: isso é a principal responsabilidade social da empresa, capacidade de adaptar-se ao novo – não às novas técnicas, mas à novidade que procede dos seres humanos que integram a empresa, a novidade decorrente do comportamento humano. O novo na conduta do homem nunca se esgota no uso das regras, mas se estende ao descobrimento de novas normas, e ao terreno aonde o acerto vem dado pelo exercício ativo da inteligência, capacidade de decisão, o que requer estudo, reflexão, diálogo, imaginação, espontaneidade, iniciativa, prudência, agilidade de decisão, juventude interior. Isso em todos os níveis; cada um no nível que lhe corresponde. Por isso, o ponto chave na empresa são as pessoas: não as tecnologias, nem os processos, nem mesmo as normas éticas. Tudo isso é acidental.
Citando Ratzinger: “Diz-se que os dinossauros se extinguiram porque se desenvolveram na direção errada. Muita carcaça, pouco cérebro; abundantes músculos, escasso entendimento. Não terá acontecido algo similar conosco? Não teremos desenvolvido uma técnica vazia de alma? Espessa carcaça e um coração vazio? Não terá diminuído a nossa capacidade de reconhecer e aceitar a bondade, a verdade, a beleza?”. (pg 206).
A criatividade é o modo de organização das instituições que serve de caminho para a iniciativa e o sentido de responsabilidade dos seus membros. Este sistema é a liderança. Liderança não é o líder, mas o sistema da organização através do qual todos os membros da instituição atuam melhor do que em qualquer outra. A criatividade é um sistema de organização. (pg 213-citando L. Polo).
A vitalidade de uma instituição depende, em boa parte, de fazer-se cargo da complexidade do seu entorno, e da sua habilidade para comunicar-se com outras instancias sociais. (pg. 213).
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