E.C. Bentley “O último caso de Trent”
E.C. Bentley “O último caso de Trent”. Círculo do Livro. Ed Globo. São Paulo. 1981. 201 págs.
Chegou-me a referência como um clássico do romance policial. Bentley era amigo de Chesterton, e a ele dedica este livro. Pareceu-me entender que era uma velha promessa, mas em se tratando de figuras como estas, é necessário ler as entrelinhas, e o que vai além dos parágrafos. Subtileza e filigranas britânicas em alto grau.
O livro em questão é um suspense narrativo mas, nunca é demais insistir, em tradição inglesa: exercitando a mente, salpicado, até inundado, de ironia. Por exemplo: “Miss Morgan permitiu-se uma fração do que teria sido um sorriso encantador”. Por isso é preciso escolher o momento certo para ler. Não é um romance para relaxar, até porque os diálogos são sutis, exigem atenção. A tradução destes escritores aguçados sempre é um desafio, e não sei até que ponto a versão popular que caiu nas minhas mãos é fidedigna ao original: certamente será no fundo, no conteúdo; mas é a forma, o modus dicendi,que é o prato forte destes autores, o que requer uma perícia especial para manter o tônus narrativo.
Trent, o protagonista detetive, nos é apresentado em traços precisos: “Pintor e filho de pintor, havia conquistado ainda na casa dos vinte anos uma certa reputação no mundo da arte inglesa. Uma inconsciente capacidade de fazer-se estimado. Juntava a isso um genuíno interesse pelos outros, o que lhe granjeava algo de mais profundo do que a popularidade. O seu juízo a respeito das pessoas era penetrante, mas o processo desenvolvia-se intimamente; ninguém cuidava em proceder diante de um homem que dava a impressão de estar sempre se divertindo. A imaginação começava a trabalhar os fatos, e se apoderava dele um entusiasmo diante dos enigmas publicados no jornal, que era equivalente aos momentos em que sofria arroubos de inspiração artística. Um observador pertinaz e insaciável”.
O resto da história somente lendo e acompanhando; com muita calma, em pequenas doses, com medida e ritmo, saboreando as comparações (uma mulher que lhe pareceu -fruto da conhecimento artístico que educou seus olhos- o mais belo quadro que jamais vira). E as ironias (acreditava compreender a esquisita moralidade superficial do homem em questão). Tudo comedido, tradicional, enfim, muito britânico.