A necessidade da reflexão para o aprendizado e motivação

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Nos aprendizados da vida muitas das coisas mais importantes não se transmitem por argumentação, através do raciocínio lógico especulativo, mas através de outros caminhos que tem a ver com o amor que se coloque no processo de educar, e com a conseqüente educação da afetividade. Nas culturas antigas é fato que o meio principal da educação moral era contar histórias, como o substitutivo lógico para a impossibilidade de que todos os homens se possam submeter às experiências intensas de situações humanas. Assim, as artes que contam histórias –teatro, literatura, ópera, cinema- teriam um papel de suprir as experiências que nem todos podem vivenciar. É deste modo como se pode produzir o que Aristóteles denominava Catarse – purificação-, caminho obrigatório no pensamento grego para chegar ao reconhecimento do belo, e do bom. Sem dúvida, o mais catártico é a realidade vivida, mas as histórias de vida , quando bem colocadas, têm um importante papel. Quer dizer: não é função da arte “contadora de histórias” o simples divertir, ou passatempo; mas sim provocar sentimentos -alegria, entusiasmo, aprovação, rechaço, condena- que configuram o “coração das gentes”. Este era o papel da tragédia grega. Estas histórias, as tragédias, provocavam a catarse , que pode entender-se num duplo sentido. O primeiro, imediato, é a liberação dos sentimentos, como uma limpeza orgânica, como um purgante. O segundo, muito importante, é que mediante a catarse “colocam-se no seu lugar” todos estes sentimentos acumulados –emoções- que não poucas vezes se armazenam de modo desordenado. As emoções devem ser contempladas no processo educacional, sendo insensatez ignorá-las. E não basta apenas contempla-las passivamente, mas é preciso dar vazão a elas, para que deste modo possam ir colocando-se no seu lugar. Não é sábio também temer as emoções como elemento que pode sabotar o processo formativo. Torna-se necessário utilizá-las, mesmo como uma vacina sábia, que garanta a saúde do aprendizado. Deve-se chegar a uma postura conciliadora, permitindo que seja a emoção a que cumpra o papel que lhe cabe: ativar o desejo de aprender, motivar o estudante. Somente depois é possível, através de a racionalidade colocar os fundamentos conceituais. O educador tem, pois, de assumir uma postura que incorpore a emoção no processo educacional. Permitir no espaço formativo o fluir das emoções –através da discussão, de partilhar os sentimentos- abre caminhos para uma verdadeira reconstrução da afetividade. Este processo requer tato, habilidade, evitar precipitações, promovendo um aprendizado que respeite, de alguma maneira, o ritmo quase fisiológico da emotividade. Não se pode obrigar a ninguém a sentir o que não sente. Pode-se simplesmente mostrar, e o tempo –e a reflexão sobre as emoções- se encarregarão de aprimorar o paladar afetivo. Um processo que foi denominado, com sabor clássico, “educação sentimental”. Esta seria a função do educador, afinal um promotor da cultura que deve despertar o desejo por aprender, contagiar o entusiasmo por conhecer e conseguir que o estudante invista o melhor dos seus impulsos para procurar, também por meios próprios, o conhecimento que lhe será de utilidade. O cinema é também um modo de entender-se, de exprimir o aquilo que a racionalidade levaria muito tempo para explicitar, e acabaria resultando até enfadonho. Um comentário de uma conhecida, professora e mãe de família numerosa, a respeito de King Kong. “Esse é o homem que toda mulher gostaria de ter do lado!” “Mas como um homem? –exclamo eu- estamos falando de um gorila”. E ela continua sorrindo; “Engano seu, meu caro; ele luta por ela, a defende, se bate, se deixa ferir…e aprende dela a delicadeza, os modos, a poesia. E quer somente ela. As outras mulheres que lhe apresentam ele as descarta.” Surpreso pelo comentário, lembrei-me do pensamento do filósofo que diz: “Nada imuniza tanto um homem do universo das mulheres, como a amor apaixonado por uma delas.” E , em outra ocasião, quando comenta “A mulher muda o ambiente e o homem, como o clima trabalha os vegetais, sem fazer aparentemente nada, formando-o à sua imagem e semelhança”. Surge a dúvida –que certamente acomete a muitos educadores – do possível risco que supõe educar apenas a sensibilidade, ancorar-se na estética e nas emoções, sendo que os outros valores –o bom, o verdadeiro- permanecem como conceitos estranhos, pouco definidos para os jovens. Não seria esta uma educação fictícia, superficial, epidérmica, que não atingiria o núcleo do educando para promover atitudes duradouras e maduras? Vale esclarecer que a educação através da estética, que atinge as emoções e a sensibilidade não é uma tentativa de apoiar na emotividade os valores e atitudes que o jovem em formação deve incorporar. Trata-se de suscitar uma reflexão sobre estes mesmos valores e atitudes. É possível incorporar um conhecimento técnico ou mesmo treinar uma habilidade sem refletir sobre eles; mas é impossível adquirir valores, progredir em virtudes, incorporar atitudes, sem um prévio processo de reflexão. É justamente desencadear este processo de reflexão, mediante recursos próximos ao estudante, o que o se pretende com a estética, da qual o aprendizado através do cinema faz parte. Dito de outro modo: estabelecer um ponto de partida para uma atitude reflexiva, pista de decolagem para futuros aprendizados, sensibilização para ensinamentos posteriores que virão através de conteúdos específicos e, na maior parte das vezes, personalizadas em exemplo.A cultura do espetáculo privilegia uma representação do mundo concreta, dinâmica, sensitiva, e emotiva. As respostas racionais representadas pelo “estou de acordo” ou “discordo” são substituídas por respostas emotivas suscitadas pela imagem: “gosto” ou “não gosto” onde existe uma aceitação ou rejeição visceral, de impacto, sem participação do racional. Com isto não se pretende, em absoluto, dispensar a necessidade do raciocínio para a construção dos conceitos no aprendizado. Apenas se afirma que é preciso passar antes pelas emoções, porque é assim, deste modo, como os estudantes estão habituados a proceder. A emoção é porta de entrada para posteriores construções lógicas. Quem está acostumado a guiar-se pelo sentimento, pela emoção –provocada na maioria das vezes por imagens, externas ou internas- dificilmente aceitará raciocínios lógicos se a emoção não lhe facilita o caminho. A educação com o cinema arranca desejos profundos do jovem, motiva-o para grandes sonhos, para novos desafios. Lembro uma ocasião, num congresso de universitários, quando projetávamos a cena da batalha em “O Último Samurai”. Aqueles homens medievais, valentes, enfrentam as modernas metralhadoras, com a coragem e a espada. Mas a atitude de serviço –parece que esse é o motivo de ser dos Samurais, servir- e de chegar até o fim, arranca do inimigo o reconhecimento, a veneração e até a vitória moral. Esse é o modo de promover novos Samurais, mesmo com tecnologia moderna, de entre os jovens soldados que ficam atônitos vendo a valentia daqueles no combate. Quando acabou a conferência e os comentários das cenas, antes de sair, um aluno veio até a frente, me segurou pelo braço e me disse com os olhos brilhando: “Professor, eu quero ser um Samurai!!!”.Mas tudo isto não será muito perigoso? Não levantará problemas com os quais não saberemos depois lidar? Podemos responder esta pergunta relatando um fato recente acontecido num Congresso Internacional em Florença, justamente numa oficina ou workshop onde apresentamos a metodologia reflexiva que o cinema oferece ao educador. Curiosamente a platéia –mais de 100 pessoas- estava composta integralmente por outros que não latinos: finlandeses, ingleses, alemães, dinamarqueses, noruegueses, belgas, holandeses. Houve um momento de hesitação, antes de apresentar a metodologia e de testá-la com o público mediante projeção de trechos de filmes e comentários anexos. Advertimos a audiência que o método funcionava em ambientes latinos, mas desconhecíamos como seria com um público de cultura diferente onde a manifestação dos sentimentos também tinha sua própria linguagem de expressão. A sessão correu bem, em silêncio profundo, e deixavam-se ouvir –mesmo sem a estrondosa componente latina- alguns suspiros emocionados. No final, um professor britânico pediu a palavra: – “Isto que vocês fazem e muito perigoso!!!”– ????– “Sim. Este despertar emoções nos jovens pode trazer a tona graves problemas que estão lá enrustidos”.Enquanto me preparava para responder com a maior delicadeza possível, um finlandês levantou a mão e respondeu:– Meu caro amigo. Os problemas estão lá e virão a tona, conosco, sem nós ou apesar de nós. Isto funcionará perfeitamente no meu pais, e na minha universidade. Faltou tempo para que um outro assistente, um professor da Noruega, comentasse de modo contundente:– “Penso que somente pode ter medo de fazer algo assim quem tem medo das próprias emoções”. Não houve necessidade de nenhum esclarecimento da nossa parte. E, confortavelmente, a sessão prolongou-se por mais meia hora, entre comentários e sugestões com sotaque britânico, eslavo e germânico. Os medos do educador, do pai e mãe de família, são os mesmos. “E se o jovem não conclui o que eu quero que ele conclua?. Como fica tudo isto?” Na verdade é bom lembrar que “o problema está ai”e cabe ao educador levantar a lebre. Não adianta colocar uma rolha num vulcão, porque antes ou depois explodirá. O que de melhor se pode fazer é promover a reflexão, para que o jovem se vá construindo. Algo muito próximo ao que o macaco Rafiki faz com Simba, O Rei Leão. Simba está na boa vida, e não quer assumir que cresceu. O macaco lhe interroga e lhe pergunta “Quem é você?” E esta pergunta vira do avesso o confortável Hakuna Matata em que Simba vivia para trazê-lo à realidade. Não são as respostas as que devem vir prontas, fabricadas, mas sim as perguntas a modo de provocações que o professor, o pai, o formador deve continua e serenamente dirigir ao ser interlocutor. A ficha tem de cair por si só –por utilizar uma linguagem moderna. E, nesta empreitada de provocar reflexões, o Cinema é um prato cheio, uma oportunidade excelente.

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