Filmes fantásticos: Destilando valores dos fotogramas de ficção.

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Filmes fantásticos: Destilando valores dos fotogramas de ficção.

Aquaman. (Aquaman) Diretor: James Wan. Jason Momoa, Amber Heard, Nicole Kidman, Patrick Wilson, Dolph Lundgren, Willem Dafoe, Graham McTavish, 143 min. 2018.

Máquinas Mortais (Mortal Engines). Diretor: Christian Rivers. Roteiro: Peter Jackson. Hera Hilmar, Robert Sheehan, Hugo Weaving, Jihae, Ronan Raftery, Leila George, Patrick Malahide, Stephen Lang. Duración: 128 min. 2018.

Pantera Negra  (Black Panther). Diretor: Ryan Coogler.  Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Angela Bassett, Forest Whitaker, Andy Serkis, Florence Kasumba. 144 min. 2018.

Ao longo das últimas semanas, foram entrando no meu radar alguns filmes diferentes daqueles que costumo comentar. Nem saberia dizer por quê: fantasias na tela, comics que viram filmes (comics com os quais não estou familiarizado, diga-se de passagem), super-heróis. Não posso dizer que nada sabia deles pois alguma dica tinha me chegado: uma candidatura ao Oscar acompanhada de alta bilheteria, a realização bem conseguida de um Comic clássico….e um diretor que está sempre na minha lista de gente séria no comando de mais uma das suas ficções.

O fato é que, entre um filme “oficial” e outro, acabei assistindo estes três….e gostei. Não somente gostei, mas senti o impulso de filosofar em cima deles, de dar corda ao pensamento vital, de tirar conclusões para a vida. Parei, e refleti: não tem como fugir, meu caro. Você pensava que estava assistindo alguma coisa para relaxar…..e eis que estás aqui escrevendo, espremendo as cenas e os diálogos, enfim, destilando valores desses fotogramas de ficção. E todos juntos, ao mesmo tempo, porque a imaginação que é obrigada a voar durante a projeção, atua como batedeira que mistura em saborosa combinação, este mousse de pensamentos, uma mélange de considerações que se traduzem em atitudes perante os desafios que nos cercam. Para isso servem as histórias, e os heróis: para educar-nos na pedagogia do exemplo. Os gregos que o digam.

Uma saga mitológica leva-nos até Aquaman, o herói entre dois mundos, com dupla cidadania oficial, produzido por conta do amor -essa força que une os mundos, e que agora novamente estão separados. Enfrentados, em obstinado antagonismo. Não é fácil ser herói, o ônus é  tremendo,  os superpoderes estão sempre   no limite, entre o possível e a missão a cumprir. Parece que a conta não fecha. E o herói, que não gostaria de sê-lo, quer viver a sua vida, tirar férias, mas não consegue. Lembrei dos comentários que fiz num dos enormes filmes de Batman a este respeito: o herói sem direito a férias.

E também veio à mente uma instigante consideração que li recentemente num magnífico livro de Julián Marías, filósofo espanhol, discípulo de Ortega falando da missão de cada um: “A vida se move entre dois elementos que não se escolhem: um deles é a circunstância que nos é imposta, com a qual nos deparamos, querendo ou não; o outro é a vocação, que não nos é imposta, porque frente a ela somos livres, mas nos é proposta, e se somos infiéis a ela, uma vez que a descobrimos, a consequência é a inautenticidade, a falsidade da nossa vida”. Um belo corolário do postulado Orteguiano “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. Frase muito citada, mas a maior parte das vezes de modo incompleto, pois a frase continua “…. e se não salvo ela (a circunstância) eu também não me salvo”.  Coloca-se frequentemente a circunstância como uma desculpa, e não como um desafio que é preciso salvar, redimir. Por isso acrescenta Ortega: “Temos que buscar para nossa circunstância o que tem de peculiaridade, o lugar acertado na imensa perspectiva do mundo. Não nos deter diante dos valores fixos, mas conquistar na nossa vida individual o local oportuno entre eles. Em resumo: a reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem”.Leia mais

Dante Gallian: “A literatura como remédio. Os clássicos e a saúde da alma”.

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Dante Gallian: “A literatura como remédio. Os clássicos e a saúde da alma”. Martin Claret . São Paulo. 2017. 212 págs.

O autor -grande amigo de muitos anos, parceiro em empreitadas humanistas na área da saúde- fez-me chegar um exemplar desta sua obra recente. “Veja se consegues comentar alguma coisa….”. O desafio não é comentar, mas tentar resumir uma experiência humanizadora -que chega em formato de livro- em algumas linhas.

Não é o primeiro amigo que me envia um livro da sua autoria esperando minha opinião. Entendo que é muito mais pela amizade do que por um possível oráculo para validar seu trabalho. Mesmo com essa consciência, obrigo-me a ler com atenção, tomando notas, por uma questão de justiça para corresponder à confiança depositada. E me vem á mente um comentário que Gregorio Marañón aponta no primeiro volume das suas Obras Completas, dedicado integralmente aos Prefácios que ele escreveu para livros de diversos autores. “Chega um momento na vida em que a gente somente consegue ler os livros que vai prefaciar”. Não é o meu caso, mas reconheço que os livros dos amigos e conhecidos vão tomando espaço nos meus escritos, o que muito me honra, ao tempo que também decide as prioridades do que podemos ler e escrever.

A apresentação do livro do Professor Dante, por conta de Leandro Karnal, é um aperitivo necessário antes de mergulhar na obra. Lá se adverte que o intuito do livro é mostrar como o uso da leitura dos clássicos serve para refletir socraticamente, conhecer-se e transformar o todo. “Literatura é remédio e resistência. Remédio porque nos restitui a saúde da reflexão; resistência porque é um bastião contra o senso comum, um ato revolucionário, um transformador”.

O autor nos centra no tema, logo no início do livro: A leitura é de fato um remédio antigo, inventado na aurora da humanidade, por vezes esquecido, sempre possível de se resgatar. Esquecido, porque as demandas da vida -o que parece importante, sendo talvez apenas urgente ou nem isso- nos afasta deste fortificante da alma. A literatura dota o homem moderno de uma visão que o leva para além das restrições da vida cotidiana.  Nos liberta de nossas maneiras convencionais de pensar a vida -a nossa e a dos outros….nos conduzirá a querer mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará mais sensíveis e mais sábios, em uma palavra, melhores.Leia mais

De olho no Oscar 2019: Pinceladas de um quadro impressionista.

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De olho no Oscar 2019:

Pinceladas de um quadro impressionista

faz quase 30 anos, ganhei de um paciente que sabia dos meus gostos cinematográficos, um livro sobre a história dos Oscar. “And the winner is…..Os Bastidores do Oscar”. Aqui está do meu lado, na biblioteca do consultório.

Na época, debrucei-me sobre ele, rememorei grandes filmes, fui atrás de outros que não conhecia mas que tinham sido marcados com o que, naquele tempo, era um aval de qualidade, uma espécie de ISO do Cinema. Mesmo assim, circulavam as histórias daqueles que nunca ligaram muito para o Oscar. Humphrey Bogart que dizia ser o Oscar uma palhaçada, Marlon Brando que mandou uma índia recolher o dele, Woody Allen que tinha compromisso para tocar clarinete na banda de jazz as segundas feiras e nunca comparecia na festa do Oscar (que antigamente era na segunda à noite).

Os tempos mudaram e o Oscar hoje cada vez quer dizer menos, ou quase nada. Qualidade e valores são algo periférico, diante das pressões por conta de ideologias, quotas, designs politicamente corretos, e outros conchavos que desconhecemos. Mas existem. A academia, The Academy, não é o Olimpo dos Deuses, nem muito menos. São muitos os interesses criados, a força das produtoras que são quem corta o bacalhau. Mais está para um sindicato; e embora não se apresente com macacões ou roupa de briga, e sim com vestidos de marca, os que vivemos tempos de governos sindicais conhecemos bem o que há por trás dessa perfumaria fashion. Passadas algumas décadas, dou cada vez mais razão aos inconformados do Oscar que apareciam naquele livro.

No entanto, os holofotes continuam se voltando sobre a estatueta -parecida com um tio de Betty Davis, reza uma lenda- , as pessoas querem saber, e muitos perguntam o que eu tenho a dizer de tudo isto. Não é que a minha opinião seja avalizada -longe dos críticos de plantão, ou das artimanhas da academia- mas como estamos em atmosfera de livre opinião, diria que meu olhar sobre o Oscar é mais um. Caso sirvam as linhas rascunhadas para guiar-se nesse labirinto fílmico, não perder tempo com inutilidades, e levar algo substancial para casa, aí está o meu resumo. Nada sistemático, pinceladas de um quadro impressionista, como costumo dizer quando esboço ideias, para que cada um construa os próprios contornos.

Gostei muito de Green Book: O guia. Uma história bem contada pelo filho do motorista italiano Vallelonga, por tanto inspirada em fatos reais.  Atores com presença, óleo e água, não há como misturá-los, mas um aprende do outro. O tempo todo. E se enriquecem. Lembrou-me, em alguma maneira, aquele agradável filme francês, Intouchables, onde se recrutam os recursos humanos não pelo curriculum do já realizado, mas pelas possibilidades que a pessoa encerra, pelo que é capaz de fazer. Toda uma arte e um imenso recado para os departamentos de RH: aprender a descer do pedestal de quem julga baseado em parâmetros (muitas vezes inúteis, seja dito de passagem) para adivinhar as possibilidades do ser humano que bate à sua porta. E arriscar, e aprender com as surpresas.

Vice, outra história real, os bastidores do poder republicano na Casablanca em tempos de Bush Filho. Um Christian Bale enorme -como ator, e por conta dos 30 kg a mais- incarnando Dick Cheney. O melhor resumo do filme está no epígrafe de autor anônimo que surge nos primeiros fotogramas: “Cuidado com o homem tranquilo que observa enquanto os outros falam, e planeja enquanto os demais agem. Quando todos descansam, ele da o golpe”. Impossível não lembrar de Fouché, aquela figura cinza da revolução francesa, magistralmente biografada por Stefan Zweig. Personagens muito bem construídos, uma sinfonia de articulações políticas, e o duo principal Bale- Amy Adams roubando a cena, enchendo a tela. Temática complicada, politicamente incorreta, mas uma aula de interpretação. Um filme necessário.

Spike Lee chega com mais um filme da sua marca: Infiltrado na Klan.  Carregado de ironia -nada menos que um negro e um judeu articulando-se com a lendária organização racista. Toques de comédia, boas doses de suspense, e ótimas interpretações com destaque para Adam Driver, ator em clara ascensão profissional e de enorme versatilidade: transita desde Star Wars até o motorista poeta de Paterson.

 

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Gail Honeyman: “Eleanor Oliphant está muito bem”.

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Gail Honeyman: “Eleanor Oliphant está muito bem”. Fábrica 231. Rio de Janeiro, 2017. 350 págs.

Chega a nossa tertúlia literária esta obra debut da escritora escocesa. Algo tinha lido acerca deste romance que apontava ser um ensaio sobre relacionamento, e os mundos diferentes em que todos andamos mergulhados e nem sempre conseguimos enxergar.

A protagonista é uma mulher culta, formada em filologia, que trabalha no departamento de contabilidade de uma empresa, atrelada a uma rotina pessoal que ela mesma se impõe. Lembrou-me aquela personagem singular do filme Gênio Indomável, onde o brilhante garoto (Matt Damon) trabalha de faxineiro numa escola,  e resolve complicadas equações nos intervalos das aulas… sem ninguém ver. Talento guardado, sem riscos de se expor.

Eleanor é uma versão feminina do gênio indomável. “Ninguém esteve em meu apartamento este ano além de profissionais de serviço; não convidei voluntariamente outro ser humano a atravessar a porta , exceto para ler os medidores.  Você acha que isso é impossível, não é? Mas é verdade. Eu existo, não existo? Frequentemente parece que não estou aqui, que sou um produto e minha própria imaginação. Há dias em que me sinto conectada de modo tão leve à Terra que os fios que me prendem ao planeta são filamentos delgados fiados de açúcar. Uma forte lufada e vento poderia me desalojar completamente”.

Eleanor está confortável com a solidão ou, ao menos, sabe que não envolve o risco de relacionar-se com universos desconhecidos. “Algumas pessoas fracas temem a solidão. O que elas não conseguiam entender é que há algo realmente liberador nela; quando você percebe que não precisa de ninguém, pode cuidar de si mesmo. A questão é essa: é melhor cuidar apenas de si mesmo. Você não pode proteger outras pessoas, por mais que se esforce. Você tenta  não consegue, e seu mundo desmorona ao seu redor, queima e vira cinzas”.Leia mais

Todos já sabem: Luzes e Sombras na Família

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Todos lo saben. Diretor: Asghar Farhadi. Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darín, Eduard Fernández, Inma Cuesta, Bárbara Lennie, Elvira Mínguez, Ramón Barea, Carla Campra.

Quando tropecei com este filme, por conta de um desses breves avisos que chegam em forma de newsletter, tive de parar e pensar. Um filme de espanhóis, dirigido por um Iraniano? O chamado dizia algo assim como “tragédia familiar: mais do que resolver o mistério, o núcleo é o drama e sofrimento da uma família”. E, para aumentar minha surpresa, algo se comentava sobre a abertura do festival de Cannes, o que é fato raríssimo para uma produção falada em espanhol. Busquei recursos informativos -ao alcance de um click- e lá estava. Acontecimento inusual, abrir o clássico festival, com produção que não seja francesa ou inglesa. E o detalhe: segundo filme em espanhol a abrir Cannes, desde 2004 que o debut correu por conta de uma fita de Almodóvar.

A surpresa, já transformada em curiosidade, foi em aumento. Almodóvar e Cannes combinam bem com os atores deste filme que são, além de completamente espanhóis, totalmente almodovarianos, e de grande categoria. Mas….onde entra aqui o diretor Iraniano? O mesmo que dirige “O Passado”, “ O Apartamento”, “A Separação”, temáticas centradas na família? Atores fetiche de Almodóvar, nas mãos de um diretor que gosta de ser um homem de família? E a cereja do bolo:  Ricardo Darin, um ator enorme, para dar o contraste argentino, em genuíno sabor de tragédia, quase de tango portenho…..

Fiz-me com o filme, e esperei alguns dias até entrar de férias, para ver com calma. Um grande filme, um peliculón, que diríamos em espanhol para sintonizar com o ambiente. Desfrutei com a atuação impecável de cada um dos atores, com os gestos que, como é sabido, são recurso imprescindível na comunicação entre os hispanos. Mais ainda, quando se trata de gente do interior, das aldeias,….de pueblo , porque não há melhor termo para exprimi-lo. Um concerto esteticamente combinado, sem nenhuma nota dissonante; notável a fidelidade impressionante do diretor “alienígena” trabalhando com formas e modos hispânicos, sentindo-se absolutamente confortável, como na sala de estar da sua casa. Um talento digno de elogio que deixa os atores serem eles mesmos, na suas raízes, telúricos, e entrega um filme de alta classe.Leia mais

Robert Spaemann: “Personas. Acerca de la distinción entre algo y alguien”.

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Robert Spaemann: “Personas. Acerca de la distinción entre algo y alguien”.   EUNSA. Pamplona. 2000. 236 págs.

O recente falecimento do filósofo alemão, com 91 anos, foi o impulso que me levou a tirar da prateleira este livro que lá repousava há quase 20 anos. Um tributo necessário -pensei- para um intelectual contemporâneo, homem de muitos saberes, de quem já tinha lido algum escrito relacionado com questões éticas. Aproveitei algum tempo das férias para mergulhar nesta obra…..mas logo percebi que não era tarefa simples -nem de entretenimento, muito longe disso- mas um ensaio robusto, de fundo filosófico-metafísico, enfim, uma obra para especialistas. Aliás, lembrei, foi um professor de metafísica com quem me reencontrei depois de muitos anos, quem me recomendou.

Fiz algumas anotações das ideias que me resultaram mais sugestivas, e tive de atravessar muitas outras páginas com leitura superficial, ao tempo que comprovava estar fora de forma para estas questões que, sem dúvida importantíssimas, distam muito do meu dia a dia. E, sem querer ofender, devem estar a anos luz da maioria dos que se aventurem a ler estas linhas.

A filosofia é sempre complexa, quando profunda? Spaemann cita os filósofos com a naturalidade de quem conversa com eles, ou toma café da manhã com este e aquele. Conhece o tema a fundo, é um interlocutor do Professor Ratzinger, mas é alemão. E aqui vem uma consideração muito pessoal que estava arquivada na minha memória, fruto de leituras filosóficas de muitos anos atrás. Lembrei de Etienne Gilson, e daquele livro encantador A Unidade de Experiência Filosófica, onde também nos vai apresentando a gama de filósofos em trajetória histórica, de modo familiar -também como quem almoça com eles- mas o faz de modo claro. E a convicção que eu já tinha se confirmou: os franceses são muito mais claros do que os alemães, quando se trata de expor filosofia. Talvez porque  temperaram seus escritos com aulas o que lhes fez ganhar em clareza, fruto das dúvidas surgidas na docência, e transportadas em respostas claras ao papel. Por tudo isso, minhas suspeitas quando alguém diz que leu um filósofo alemão na fonte, e entendeu tudo, aumentaram. Será que entendeu mesmo?Leia mais

E.C. Bentley “O  último caso de Trent”

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E.C. Bentley “O  último caso de Trent”. Círculo do Livro. Ed Globo. São Paulo. 1981. 201 págs.

Chegou-me a referência como um clássico do romance policial. Bentley era amigo de Chesterton, e a ele dedica este livro. Pareceu-me entender que era uma velha promessa, mas em se tratando de figuras como estas, é necessário ler as entrelinhas, e o que vai além dos parágrafos. Subtileza e filigranas britânicas em alto grau.

O livro em questão é um suspense narrativo mas, nunca é demais insistir,  em tradição inglesa: exercitando a mente, salpicado, até inundado,  de ironia. Por exemplo: “Miss Morgan permitiu-se uma fração do que teria sido um sorriso encantador”. Por isso é preciso escolher o momento certo para ler. Não é um romance para relaxar, até porque os diálogos são sutis, exigem atenção. A tradução destes escritores aguçados sempre é um desafio, e não sei até que ponto a versão popular que caiu nas minhas mãos é fidedigna ao original: certamente será no fundo, no conteúdo; mas é a forma, o modus dicendi,que é o prato forte destes autores, o que requer uma perícia especial para manter o tônus narrativo.Leia mais

Roberto Minadeo: “Sonhos Fulgurantes. Revelações de uma realidade enigmática”

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Roberto Minadeo: “Sonhos Fulgurantes. Revelações de uma realidade enigmática”. Ed Iluminare. RS. 2018. 147 págs.

Já comentei neste espaço que os contos não são leitura da minha devoção. É como se me faltasse o chão que proporciona a trama em forma de argumento, ou as ideias, quando se trata de literatura de pensamento. É claro que existem exceções, sobre tudo quando a escrita é elegante, sugestiva, e a forma -o embrulho- assume o protagonismo diante de um fundo-conteúdo, que passa a ser secundário. Um exercício elegante da escrita, um modo sedutor e verossímil de contar uma ocorrência. Um arte que encontramos em Cervantes, em Eça de Queiroz, em Drummond….porque em se tratando de forma, é preciso, na minha opinião, ler na linguagem original.

Os contos que me chegam agora vem de um amigo de muitos anos. Com dedicatória. Quer dizer, não há como não ler: um dever de justiça. E assim faço nos últimos dias do ano que acaba, a toque de caixa, buscando a forma -sempre difícil- que me agarre. Não era esse o propósito do autor, e lembro que me tinha advertido “alguns ficaram bem, outros não me convenceram”.

Descreve de corrido, sem alinhavar um argumento. Não são histórias fechadas: assemelham-se a janelas na vida de alguns personagens, bem descritos, que de repente se cerram. Tem riqueza de vocabulário, gírias da moda, que se acoplam ao gosto de hoje. Algum pensamento de fundo mas não gasta tinta com isso: “Por que tais reações de ciúme, de rejeição? Simples:  o que é inatingível precisa ser esmagado, detestado e descartado -sob pena de confissão de culpa, pois, se alguém deseja algo e sabe que jamais o conseguirá, viverá desconfortavelmente (…)  Relutou em abrir a ela qualquer espaço em seus sentimentos, por temor a criar expectativas: afinal seu estilo de vida era troglodita, em meio a máquinas e já vivendo no acampamento de trabalho da estrada”.Leia mais

Uma razão para viver: O carinho criativo.

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(Breathe) Diretor: Andy Serkis. Andrew Garfield, Claire Foy, Ed Speleers, Miranda Raison, Hugh Bonneville, Dean-Charles Chapman, Roger Ashton-Griffiths, James Wilby, Camilla Rutherford. UK. 2017. 117 min.

Pode ser um preconceito, talvez experiência, ou muitas horas de voo; mas confesso que é algo do qual dificilmente consigo prescindir: bastam os primeiros dez minutos de um filme para saber se vale a pena investir o resto de tempo assistindo, ou melhor mudar de opção. Este é claramente um dos filmes de diagnóstico válido em dez minutos, ou talvez menos. Embora -tudo deve ser dito- quando sentei para assistir a fita logo percebi que é preciso despojar-se de um viés, em forma de lembranças cinematográficas. É necessário convencer-se de que o protagonista, Andrew Garfield, não é o soldado objetor de consciência de Até o Último Homem. E, mais difícil ainda, abrir mão da Rainha Elizabeth II em   The Crown, quando Claire Foy aparece enchendo a tela. A dupla toma conta do celuloide e deixam o resto dos atores em posição de coadjuvantes: não apenas pela história, que é um fabuloso mano-a-mano de ambos, mas pela presença contundente. Expressividade, medida precisa, uma naturalidade tão enorme como convincente; enfim, um filme de envergadura.

O argumento se atém a uma história real, como também acontecia nas produções citadas, de cujos fantasmas -enormes!- temos de nos livrar para prestar atenção ao que aqui se relata. Longe da II Guerra Mundial, e dos protocolos de Buckingham, desenha-se a história de Robin Cavendish: um aristocrata britânico que casa com uma encantadora Diana Blacker. Viajam para África, Diana engravida, e Robin sofre um surto de poliomielite que o paralisa, impedindo-o de respirar espontaneamente. Ele quer morrer, não ser uma carga para a família. Mas o amor é criativo, e aqui está o nervo do filme, uma história de amor e superação.

A história se arrasta por quase quatro décadas, entre respiradores convencionais de hospitais, inovações domésticas, e inventos originais que permitem autonomia para um ser humano que tem de viver atrelado a uma máquina. Seria uma avançada notável do que hoje chamaríamos home care e cuidados de pacientes crônicos, sem a sofisticação dos dias atuais, mas com a dedicação exemplar da família, quer dizer, da esposa que surge como um monumento no meio desta belíssima história. Não apenas de dedicação de tempo e de cuidados de saúde mas de um manancial de continuo bom humor, apoio à iniciativa, e vontade de viver. Diana é, mais que nada, a verdadeira razão para viver, o respirador da alma de Robin que adoeceu com 28 anos, e vem falecer com 64.Leia mais

Paulo Rezzutti: “D. Leopoldina”. A História não contada. A Mulher que arquitetou a Independência do Brasil”

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Paulo Rezzutti: “D. Leopoldina”. A História não contada. A Mulher que arquitetou a Independência do Brasil”. Ed Casa da Palavra. LeYa. RJ. 2017. 430 págs.

Minha admiração pela Imperatriz Leopoldina despertou quando li O Império é você, vencedor do Prêmio Planeta na Espanha em 2011. Agora, a presente leitura, confirma minhas percepções dessa figura ímpar da história brasileira,  agigantando-a consideravelmente. Trata-se de uma excelente investigação histórica, com referências continuas às cartas da Imperatriz, além de muitas outras fontes. Um trabalho sério e de leitura agradável, sem rebuscamentos acadêmicos, claro para o grande público, pois esse parece ser o objetivo do autor que, desconfio, também se junta a mim no fã-clube de Leopoldina.

Uma narrativa que expõe a trajetória da princesa austríaca, e das suas origens nos situam no contexto de quem era esta jovem mulher que deixa sua estirpe aristocrática europeia para unir-se aos destinos da que viria a ser uma futura nação americana. Casar-se com uma princesa da casa de Áustria, uma Habsburgo, não era para qualquer um: afinal, tê-la como esposa era como possuir um artigo de luxo: uma mulher com instrução suficiente para ser uma estadista. A educação fazia delas o que havia de melhor, que um príncipe poderia ter do lado na hora de governar. Como disse o pai de Leopoldina: “herdar um trono não se trata de uma propriedade como outrora, mas é preciso reinar, tanto quanto possível, de acordo com os desejos dos seus súditos”.

Ser uma arquiduquesa austríaca requeria, além de ser bem educada, ter sangue frio acima de qualquer limite tido como normal. Valha o exemplo da irmã de Leopoldina, Maria Luisa, dada em casamento a Napoleão que tinha se separado de Josefina. Bonaparte, com essa aliança, em vez de tornar-se senhor do novo mundo representado pela Revolução Francesa, acabou tornando-se genro do velho. Leopoldina conheceu Goethe, com quem alternava, por conta da sua mãe que convidava o escritor e com quem chegou a escrever alguma peça. Foi o caminho para Leopoldina iniciar a imersão no ideal romântico, com sua melancolia e paixões idealizadas.Leia mais