Hannah Arendt: “A Condição Humana”.

StaffLivros Leave a Comment

Hannah Arendt: “A Condição Humana”. Forense Universitária. Rio de Janeiro. 2017. 400pgs.

 Ganhei este livro de um amigo que, certamente, já me ouviu falar de Hannah Arendt e conhece a minha sintonia com o pensamento da autora alemã. A Condição Humana não é um livro de fácil leitura, e reconheço que me permiti a liberdade de ler -por vezes quase de o folhear- de modo desordenado. Um mergulho enorme na cultura clássica, desde os gregos e romanos, até a atualidade, para basear seu pensamento. Erudição talvez necessária, mas que nos escapa aos mortais correntes, resultando uma fundamentação quase monolítica.

O livro propõe-se apresentar uma reflexão sobre a condição humana. Anota a autora na introdução: “Se comprovamos o divórcio entre o conhecimento (no sentido de conhecimento técnico) e o pensamento, passaríamos a ser escravos indefesos desse mesmo conhecimento, e até das máquinas que criamos. O que proponho nestas páginas e uma reconsideração da condição humana. A ausência de pensamento é uma das características mais notáveis do nosso tempo. Proponho algo muito simples: pensar o que estamos fazendo”.Leia mais

Alphonse Daudet: “Tartarín de Tarascon”

StaffLivros Leave a Comment

Alphonse Daudet: “Tartarín de Tarascon”. Saraiva. Editores. 1959. 165 pgs.

A tertúlia literária mensal levou-nos desta vez até um clássico francês: as aventuras de uma personagem singular, Tartarín de Tarascon. E para minha surpresa, o livro agradou muitíssimo. Digo surpresa porque quando li -já conhecendo a história-  tive a impressão de cândida ingenuidade, de um relato sem pretensões onde os recados são dados de modo simples, sem requintes. Depois, ouvindo os comentários que circularam na tertúlia, lembrei que os clássicos têm essa prerrogativa: fazer-se claros, ou melhor, tornar a vida transparente. A da personagem da história e, com ela, a própria vida do leitor que é compelido a refletir.

O corte clássico que Daudet imprime a sua personagem é advertido logo no início: “Havia em nosso herói duas naturezas muito distintas uma da outra. Tartarín levava em si a alma de D. Quixote, os mesmos ímpetos cavalheirescos, o mesmo ideal heroico, a mesma loucura do romanesco e do grandioso, mas que infelizmente, não tinha o corpo de célebre fidalgo, ossudo e magro, aquele corpo que era um simples pretexto, e sobre o qual a vida material não possuía domínio….O corpo de Tartarín era um corpo bonachão, muito gordo, muito pesado, muito choramingas…..o corpo barrigudo e curto sobre patas, do imortal Sancho Pança”. Uma curiosa mistura que, de algum modo, é também a nossa, a dos simples mortais: com capacidade de entusiasmar-nos por ideais grandes, e apalpando as limitações físicas, os percalços da idade que avança, as misérias que arrasta nossa condição mortal. Parece que a verdadeira ciência é saber adaptar os projetos ao realismo do dia a dia, sem deixar que aqueles esmoreçam por conta dos entraves do quotidiano. Como fazer isso, é a questão que presidiu nossos comentários.Leia mais

Um Homem entre gigantes: Lições de Profissionalismo.

StaffFilmes 1 Comments

(Concussion). Diretor: Peter Landesman. Will Smith, Alec Baldwin, Albert Brooks, Gugu Mbatha-Raw.  USA 2015. 123 min

 

   Assisti este filme há algum tempo, e gostei.  Mas na ocasião, não escrevi nada. Talvez por isso não lembro porque gostei tanto. Quando a gente fica nas sensações -agradáveis ou não- e não reflete sobre elas, o tempo se encarrega de eliminá-las. Escrever é uma reflexão forçada, ou se queremos, facilitada. É como um fazer um fatorial do impacto que, das emoções em bruto, é fatiado, evidenciando os valores que costumam ser a herança deixada por um bom filme.

 

Assim, sentindo essa pendência comigo mesmo, escalamos o filme para o Cinema para Todos, uma atividade mensal no nosso espaço educacional de humanismo médico. E vale esclarecer: o fato de ter um médico no filme é pura coincidência. Como já é sabido -e comentado inúmeras vezes neste ambiente- educar no humanismo os profissionais de saúde, raramente implica cenários médicos. Construir-se como ser humano -afinal, isso é humanismo-  tem um espectro pedagógico muito mais amplo: o da vida e suas gentes. Quer dizer, o nosso Cinema para Todos, trabalha com os valores dos filmes, e com isso refletimos e nos educamos. Serve, como o próprio nome indica, para todos. Até para os médicos.

Dizer que de nada lembrava quando assisti por primeira vez não seria correto. Um médico, com vários doutorados e prêmios, que trabalha como legista. Um cientista forense que fala com os mortos. “Você tem que me ajudar a entender o que te aconteceu” -diz o médico antes de iniciar as autopsias. O médico em questão é Will Smith, que imita um sotaque nigeriano, de onde supostamente procede. Lembro de ter comentado isso com uma amiga, professora de medicina em Chicago, faz um par de anos quando lá estive por conta de um congresso, estando o filme recente na minha memória. “Tem mérito, sim, porque ele é de Philadelphia” -disse-me a colega. E acrescentou: “esse filme enfrentou muita resistência aqui, porque as mães queriam tirar os filhos do futebol americano; foi um desafio”. Fiquei com o comentário na cabeça, e com a decisão de que teria de vê-lo de novo. Essa é a origem do evento conjunto que nos decidiu a trazer Will Smith com sotaque africano até o palco do Cinema para Todos.Leia mais

Friedrich Durrenmatt: “A Visita da Velha Senhora”

StaffLivros 2 Comments

Friedrich Durrenmatt: “A Visita da Velha Senhora”. Abril Cultural. São Paulo 1976. 180 pgs.

 Uma obra clássica de teatro preside este mês nossa tertúlia literária. O dilema ético, elegantemente colocado pelo autor Suíço, cujo argumento é amplamente conhecido e discutido. A velha senhora é  Claire Zachanassian, uma dama milionária que regressa à sua cidade de origem, Gullen. Foi de lá que saiu quando jovem, grávida e expatriada, após um juízo onde uma suposta moralidade pública decidiu limpar a escória do escândalo. A vida deu suas voltas, a coitada herdou uma imensa fortuna do seu primeiro marido, e volta agora decidida a pôr as contas em limpo. Gullen é uma vila decadente e necessitada, e para a velha dama o dinheiro não é problema. Sim, voltou para ajudar a sua cidade natal, mas com uma condição: quer a cabeça de Alfred, o sujeito que após engravidá-la, abandonou-a à sua sorte, negando a paternidade da criança que Claire estava gestando.

A recepção calorosa e interesseira oferecida pela cidade, comandada pelos elementos de destaque social (prefeito, chefe da polícia, professor, sacerdote e o próprio Alfred) é rapidamente turbada quando Claire coloca suas condições com gélida naturalidade. “O mundo fez de mim uma mulher da vida e eu quero fazer dele um bordel”. O choque escandaliza a população, Claire diz que não tem pressa, e acena com os milhões de recompensa. O dilema ético está montado. Aí arranca a peça teatral, o desenrolar da mesma, e as nossas discussões.Leia mais

Daniel Pennac: “Como um Romance”

StaffLivros Leave a Comment

Daniel Pennac: “Como um Romance”.  Rocco editora. Rio de Janeiro. 1993. 165 pgs.

Um livro fascinante e instigador. Descobrir o prazer de ler; contagiá-lo aos outros, resgatar os que tem medo de ler, e desconhecem seu potencial. De tudo isso nos fala Pennac, o educador francês que foi estudante rebelde e, resgatado por professores, transformou-se num paradigma docente. Mas continua sendo l’ enfant terrible, aproveitando suas origens e usando uma linguagem coloquial para seus propósitos educativos.

Logo no início nos adverte como se formam os anticorpos contra a leitura. Quando, por motivos académicos (o que se deve ler no colégio), ou por prescrição de alguém (familiar, vamos aproveitar o tempo), simplesmente se impõe: “O verbo ler não suporta imperativos. ‘Tem que ler’. Aversão que partilha com alguns outros: amar, sonhar. Me-ame, sonhe, leia, logo!”.

De modo sugestivo, o autor descreve como a criança aprende a ler. Enquanto isso, se encanta escutando histórias que lhe contam, talvez na hora de dormir. Capta as primeiras letras, junta-as, e se transforma “no substituto incansável das grandes epístolas publicitárias…. Renault, Mesbla, Minalba, Minerva……as palavras lhe caem do céu. Marca nenhuma de sabão resiste à sua paixão de decifrar”. Mas isso não quer dizer que esteja pronto para enfrentar a leitura por si só. Quer, ainda, escutar as histórias, mesmo sabendo juntar as palavras. O esforço de ler e relaxar, no começo, ainda é grande.

Esse parece ser mesmo o ponto de inflexão. Quando a criança está ainda taxiando na pista sem decolar, e a insistência dos adultos -dos pedagogos- impõe a leitura. É o momento, diz Pennac, onde “a televisão é elevada à dignidade de recompensa, e a leitura reduzida ao nível de obrigação.”. Passar daí a alergia pela leitura é simplesmente um passo. E se combate a situação de modo equivocado. A leitura assume então um ar de punição: “Nada de TV durante o ano escolar. Vamos ver se assim o garoto lê. Porque tem de ler, não?”.Leia mais

Chega de Saudade – “A história e as histórias da Bossa Nova”

StaffColaboradores 1 Comments

Chega de Saudade

A história e as histórias da Bossa Nova

Por Dr. Marco Aurelio Janaudis

Recentemente minha irmã levou meus sobrinhos para conhecerem uma fábrica de chocolates e sua história, e todos acharam interessante a trajetória do idealizador até onde chegou. Comentei: “parece que quando conhecemos a história até o chocolate fica mais gostoso”! De certa forma nos envolvemos, nos aproximamos da pessoa. De modo semelhante, o mesmo acontece quando conhecemos, por exemplo, uma vinícola. Parece que passamos até a gostar mais daquele vinho!

Mais do que o produto em si, a história das pessoas envolvidas em sua criação e sua elaboração costuma ser apaixonante e nos traz empatia, ensinamentos, aprendizados.

Foi assim com a leitura de “Chega de Saudade, a História e as histórias da Bossa Nova”. Ganhei o livro há mais de dois anos, mas ainda não havia sentido vontade de lê-lo. Mas enfim chegou o momento. A começar pela dedicatória da minha ex-aluna e hoje amiga de profissão, Rosana Irie. Ela escreveu que eu aprenderia “até a gostar mais de João Gilberto”! Pensei, “vai ser difícil”, mas vamos tentar…! rsrsrsrs!!

E a leitura do livro começou a me surpreender basicamente em alguns detalhes, que explicarei:

– pelo empreendedorismo e persistência dos artistas da época

– pelas histórias apaixonantes das pessoas envolvidas com a Bossa Nova

– pela riqueza de detalhes que o autor, Ruy Castro, só conseguiu colocar na obra, por conta de uma gigantesca pesquisa que realizou com outras obras e principalmente com as pessoas envolvidas no movimento.Leia mais

The Crown: Um aprendizado de atitudes embrulhado em bom gosto.

StaffSerie 1 Comments

The Crown: Um aprendizado de atitudes embrulhado em bom gosto.

Creador: Peter Morgan. Claire FoyMatt SmithVictoria Hamilton, Vanessa Kirby,Pip Torrens, John Lithgow, Jared Harris, Alex Jennings, Eileen Atkins, Harriet Walter, Jeremy Northam, Harry Hadden-Paton.

 

Não sou de assistir séries. Assusta-me o risco de quase assumir um compromisso que envolve tempo, o que nem sempre tenho. Aliás, nunca tenho; a menos que haja uma rotina saudável que te proteja da adição incontrolada. Mas fiz uma exceção nas férias, e encontrei uma rotina. Foram vinte episódios, cobrindo as duas temporadas. Um capítulo por dia; resistindo a avançar no seguinte, aprendendo a ficar com o gostinho de quem quer mais. E degustando cada um deles, digerindo os ensinamentos embutidos em cada episódio, como se de um curso de férias se tratasse.

Fascinou-me, fez-me pensar, e aprendi. Muito. Por isso escrevo estas linhas: um tributo justo, o reconhecimento necessário a um aprendizado com o cinema, em formato de série, que é quase teatro. Enfim, uma homenagem ao aprendizado humanista, através das artes. Porque isto é arte, bom gosto, clareza e, antes de mais nada, reflexão. Um mês após finalizado o meu “curso de férias” as cenas, sobretudo os diálogos, acodem à memória ilustrando as situações que me cercam no quotidiano. Porque humanismo é isso: a luz que as humanidades e as artes trazem para o nosso dia a dia; não é uma fuga, um oásis para escapar por alguns momentos do deserto ou da selva da rotina diária, mas perspectiva luminosa que acende o nosso caminhar humano.

Já o disse, aprendi muito; desde o primeiro momento, em cada um dos episódios. Aprendi a importância de estabelecer as prioridades verdadeiras; quer dizer, o que se espera de cada um de nós, qual é a missão concreta que nos cabe. Logo no início, uma jornada de caça. O rei Jorge VI, já doente e sabendo que lhe resta pouco tempo, conversa com o genro, Philip. “Os títulos, o ducado de Edimburgo, todas essas coisas…. Isso não é teu trabalho…. O teu trabalho é ela! She is the job! Cuida dela, apoia-a, e não te percas com outras coisas. Essa é a tua missão”. Clareza imensa que qualquer um agradeceria para manter o foco no que deve fazer na vida, sem perder-se em quimeras inúteis.Leia mais

Luz Gabás: “Palmeras en la Nieve”.

StaffLivros Leave a Comment

Luz Gabás: “Palmeras en la Nieve”. Temas de Hoy. Madrid. (2012). 736 pgs.

Tenía este libro en mi estante hace ya algún tiempo, esperando la ocasión oportuna. Tapas duras, voluminoso, en fin, de esos que no puedes andar llevando por ahí, y mucho menos en estos tiempos donde los que todavía disfrutamos leyendo en papel somos vistos como antediluvianos. La ocasión la brinda un corto periodo de vacaciones, donde puedes leer en tu cuarto, sin necesidad de grúas para cargar el libro, sin que nadie te mire como un genuino representante del anacronismo.

Las palmeras son de la Guinea Española, de la Isla de Fernando Poo -aquella que se convirtió en expresión para designar lo lejos que algo estaba. Así me llega el recuerdo de la infancia -ni que te fueras a ¡Fernando Poo! – junto con la otra provincia, Rio Muni, que aprendíamos en el colegio, en los años 60 cuando no se respiraban aires de independencia.

Leia mais

Rafael Gómez Perez- “El Secreto del Silencio”

StaffLivros Leave a Comment

Rafael Gómez Perez. El Secreto del Silencio. Rialp. 2016. 96 pgs.

Um ensaio, ou melhor, um passeio pelos cenários do silêncio, porque não sustenta nenhuma tese concreta; ou talvez porque sustenta muitas, num amplo panorama do que representa o silêncio. Transforma-se num grito -de silencio- um apelo contra o ruído das palavras inúteis ou dos mutismos estéreis. Uma excursão que decantará pelo gosto ao silencio, uma aventura que cada um deve trilhar por sua conta

O autor diz tratar-se de um breviário do silêncio, e logo de cara adverte que o grande inimigo do silêncio é o ruído, não o som. Um ruído que com frequência vem representado pelas redes sócias, onde qualquer um pode dizer o que quer sobre o humano e o divino, amparado na palavra escrita e em condições de possível anonimato. A ignorância tem um caminho amplo para se manifestar. Eis uma importante advertência: estar na internet não é garantia de verdade. São apenas opiniões e como adverte Hannah Arendt numa obra interessantíssima reduzir a verdade à opinião é a melhor estratégia para esvaziá-la.

Leia mais

Maria Gudin. “Mar Abierta”

StaffLivros Leave a Comment

Maria Gudin. “Mar Abierta” De Bolsillo. Penguin Random House Group. 2016. 538  pgs

Conocía a la autora de otros registros académicos. Su libro, Cerebro y Afectividad, supuso una buena ayuda cuando elaboraba mi tesis doctoral, e investigaba -un modo de decir elegante para describir algo que divertía y nos hacía aprender a todos- cómo el cine puede ayudar en la educación afectiva de los futuros médicos. Después me enteré que mi colega había derivado para la novela histórica y se había zambullido en el mundo de la España Visigótica. Aunque compré algún libro suyo de ese periodo, esta es la primera novela suya que leo. Me gustó.

Mis sobrinas adolescentes son del fan club de María Gudín, y me lo han comentado varias veces. Me preguntaba por qué, pero la lectura de Mar Abierta me lo ha explicado todo perfectamente. Un modo sencillo de narrar, explícito, sin muchas filigranas;  podría ser una película pues el guion está montado. Película de aventuras y de acción. Mucha acción.  Como les gusta a los adolescentes.

Leia mais