Francesco Salvarani. Edith Stein: Hija de Israel y de la Iglesia

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Francesco Salvarani. Edith Stein: Hija de Israel y de la Iglesia. Palabra. (2012). 381 pgs.

Um livro que é, simultaneamente, uma biografia e um acompanhamento do pensamento filosófico e teológico de Edith Stein, escrito por um esperto, como fruto de 20 anos de investigação. Maneja uma ampla bibliografia que inclui os próprios escritos da filósofa, muitos outros sobre ela, e obras afins. Um belo trabalho muito bem alinhavado. Não me atrevo a dizer que seria uma biografia definitiva, porque isso sempre é uma pretensão. E, em tratando-se de personagem tão singular, com certeza uma incorreção, porque basta adentrar-se um pouco na sua vida, para saber que as surpresas continuarão a surgir. Haja visto aquele ensaio sobre a trajetória filosófica de Edith Stein, que já é uma avalanche de informações, dada a densidade do seu pensamento.

Edith nasce no dia 12 de Outubro que, naquele ano de 1891, coincidia com a festa da expiação no calendário judeu. A mãe dela, dona Augusta, sempre considerou essa festa como o verdadeiro aniversário de Edith, sua filha caçula. Perde o pai com menos de dois anos, e Augusta assume o comando do negócio. “O único centro de gravidade da família era agora esta mulher bíblica, com sua coragem e energia. A situação era dramática (com 7 filhos vivos, três outros já falecidos), mas não desesperada para alguém que sempre tinha confiado em Deus”.

Muitos dos dados biográficos são tirados das memórias que Edith escreve. De lá sabemos que com 6 anos diz quer sair do jardim da infância para entrar na escola de gente grande: esse era o presente de aniversário que pediu. E anota, “com 7 anos a razão predominou sobre o meu temperamento rebelde e convenci-me que minha mãe e minha irmã Frieda sabiam melhor do que eu aquilo que me convinha”. Gostava de escrever redações, pois conseguia exprimir o que sentia por dentro. “Não me preocupava entregá-las aos professores, mas não gostava que as lessem em casa, ou mostrassem para as visitas. Nos dias de festa, que não íamos à escola, minha maior alegria era poder ler um livro sem limite de tempo”. Era, desde criança, uma leitora voraz. Sem tirar o mérito, isso também explica como conseguiu devorar numa noite o Livro da Vida, de Teresa de Jesus, quando chegou a ocasião.

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Paterson: A poesia no quotidiano

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Paterson. (2016). Diretor: Jim Jarmusch. Adam Driver, Golshifteh Farahani, Kara Hayward, Sterling Jerins, William Jackson Harper. 112 min.

Paterson - coverTinha lido a crítica no jornal e chamou-me a atenção o motorista poeta. Depois chegou um desafio desses que, como sem querer, te lançam no grupo de colegas da faculdade, por ter criado uma fama imerecida de crítico de cinema. Dizia mais ou menos assim: “Assisti a um filme minimalista do Jim Jarmusch “Paterson” que indico. Curiosamente, pelo site de cinema ImDb acessei uma crítica do filme em espanhol cujo resenhista se chama Pablo Blasco…embora sei que não é você”. Recolhi a luva, e a guardei para ver a melhor ocasião para o duelo. Pouco depois outro amigo me espetou: “Tenho o filme para você. Paterson. Veja e me diga o que lhe parece”. Não havia mais o que esperar, agora com duas luvas no bolso. O duelo -um modo de dizer- estava lançado, quase que em simultânea, como aquele primeiro onde D’Artagnan enfrenta os três mosqueteiros, chegam os guardas de Richelieu e acaba conquistando a confiança de Athos, Porthos e Aramis.

Sentei para ver o filme e respondi a estocada da segunda luva, de bate pronto. “Assisti Paterson. Impactante. Mas para público seleto. A poesia do quotidiano. A rotina que vira verso. Desprendimento e simplicidade contundente. E a força da vocação e da arte que nunca morre. Páginas em branco são sempre excelentes oportunidades”. Depois continuei pensando sobre o filme, e os pensamentos cristalizam nestas linhas, atrasadas, mas decantadas na serenidade rodeada da poesia que nos cuida e nos cura.

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Kazuo Ishiguro: “O Desconsolado”

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Kazuo Ishiguro: “O Desconsolado”. Ed Rocco. 1996. 489 pgs.

o-desconsolado-kazuo-ishiguroA notícia do prêmio Nobel concedida a Ishiguro foi o gatilho para aventurar-me nesta leitura. Habitualmente não tenho tropismo pela notícia literária de última hora -nunca pelos best-sellers, que não são garantia de qualidade em absoluto- a não ser que tenha me informado convenientemente. Lembrei de um livro (e o correspondente filme) deste autor, Não me abandones jamais, que li anos atrás, intrigante e questionador. Recordei também o filme superior de James Ivory, “Os Vestígios do Dia”, com a soberba atuação de Anthony Hopkins e Emma Thompson. Tropecei com uma crítica séria sobre a obra de Ishiguro recomendando a leitura completa da sua produção. E, finalmente, chegou no meu correio o comentário de um amigo e colega médico, esbanjando louvores ao Nobel. Um click na Estante virtual e tinha este livro nas minhas mãos um par de dias depois. Mergulhei na leitura com vontade…..e descobri que a piscina tinha pouca água porque senti o golpe.

Kazuo Ishiguro constrói muito bem a narrativa -deve ser melhor apreciado no idioma original, inglês, mas a tradução não deixa a desejar- cria expectativa, mas algo não funciona. Cadê o argumento? Na contracapa adverte tratar-se da visita de um músico famoso, Ryder, a uma cidade onde dará um concerto. E a seguir avisa que é um romance sobre a falta de comunicação entre pessoas que se amam, mas não se escutam. Não prestei atenção, como disse, e pulei na piscina de quase 500 páginas.

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Hannah Arendt. “Verdad y mentira en la política”

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Hannah Arendt. “Verdad y mentira en la política”. Página Indómita. Barcelona (2017). 160 págs.

Hannah Arendt. Verdad y mentira en la políticaMinha admiração por Hannah Arendt arranca do magnífico filme, previamente alavancado por um estudo, a modo de tese doutoral, sobre a vida e obra da filósofa. No filme, os 4 minutos de discurso onde expõe sua tese sobra banalidade do mal é um momento de epifania na clareza de pensamento. Já rendeu comentários, conferencias, workshops, enfim, que os royalties que tenho de pagar para a pensadora alemã não são pequenos. Por isso faço questão de comentá-lo aqui de modo explícito: é o reconhecimento formal da fonte dos meus comentários, o que entre os acadêmicos salda os direitos autorais.

Este pequeno livro, reúne dois ensaios curtos publicados na década de 60 em Estados Unidos, onde a autora vivia desde o começo dos anos 40. O primeiro a raiz da controvérsia causada pela publicação de Eichmann em Jerusalém (justamente onde aborda o tema da banalidade do mal); o segundo, com ocasião da publicação de documentos classificados do Pentágono, relativos à guerra do Vietnam. Os motivos, no entanto, são apenas um detalhe casual: o importante é o núcleo do seu raciocínio sobre a verdade e a mentira em política.

Arendt é uma pensadora -não gostava de chamar-se filósofa- que sendo positiva e apaixonada pela verdade (a paixão por compreender as coisas é uma tónica sempre presente) não se ilude. Por isso, logo de cara invoca o velho adágio:  Fiat veritas, et pereat mundus. Isto é, se dizemos as verdades o mundo se afundará. E com este realismo nos adverte que a verdade e o poder são elementos que não se misturam, como água e óleo. “A possibilidades de que a verdade fatual sobreviva ao ataque do poder é de fato muito reduzida; a verdade corre o risco de ser expulsada do mundo, não apenas por uma temporada, mas definitivamente”. Não há porque decepcionar-se, visto que essa é a realidade. Ignorar isto seria ingenuidade.

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Boris Pasternak: “O Doutor Jivago”

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Boris Pasternak: “O Doutor Jivago”. Ed. Itatiaia Ltda. Belo Horizonte. 1984. 461 pgs. 

O doutor JivagoUma viagem a Rússia por conta de um Congresso, e a recente leitura do livro de Todorov onde se fala amplamente de Pasternak, contribuíram para bater o martelo e optar por este livro para a nossa tertúlia literária mensal. Embora eu tinha, lá com os meus botões -aquele senado que, no dizer de Machado de Assis, sempre vota ao teu favor- minhas reservas. Explico.

O filme de David Lean (diretor britânico idolatrado – A Ponte sobre o Rio Kwai, Lawrence de Arábia, Desencanto) foi o meu primeiro encontro -e único até o momento-  com Jivago. Em circunstâncias curiosas: assisti ao filme com alguns amigos, sendo ainda adolescente, e saltando as regras, pois não tínhamos idade suficiente para entrar. Foi durante umas férias, num cinema ao ar livre, como aquele que aparece em Cinema Paradiso, na praça de uma pequena vila.

Não entendi grande coisa -a revolução russa era assunto muito distante para um garoto de 14 anos-, mas fiquei um pouco indignado com Omar Sharif, o eterno Jivago nas telas. Lembrava vagamente de que estava casado com uma mulher linda (Geraldine Chaplin) e que por algum motivo acaba parando na cama de uma loira (Julie Christi) sem maiores explicações. E vai, de uma para outra, meio confuso. Guardei na memória, e nunca mais me interessei pela personagem… até que agora surgiu a ocasião.  Sempre pensei que não tinha entendido direito aquelas idas e vindas, talvez por conta da minha idade ingênua.

Logo nas primeiras páginas do livro, agora passados os anos, é fácil entender a desorientação de Jivago, uma sina que o acompanha durante toda a vida… como já tinha suspeitado quando vi o filme. Escreve Pasternak: “Iuri tivera uma infância desordenada e repleta de enigmas perpétuos; estava sempre em casa de estranhos, que nunca eram os mesmos. Acostumara-se a essas mudanças e, em meio a tão permanente confusão, já não se admirava da ausência do pai”. O pai ausente e o enterro da mãe, são a abertura do livro. O tio, um clérigo secularizado, toma conta dele; até certo ponto, porque é um filósofo reacionário que também não se entende com os revolucionários, já que “refletia sobre os mesmos problemas que eles (os agitadores), mas que, além da terminologia, nada tinha com eles em comum”.

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Tzvetan Todorov. Insumisos

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Tzvetan Todorov. Insumisos. Galaxia Gutemberg. Barcelona (2016). 220 pgs.

Tzvetan Todorov. InsumisosEis um interessantíssimo ensaio, ou melhor, uma reflexão articulada em cima de personagens da história, que têm um denominador comum: figuras que entenderam sua vida como um compromisso com a verdade, e por tanto resistiram sem curvar-se aos ventos politicamente corretos.  Leio a tradução espanhola do original em francês, mas anoto estas considerações em português, em tradução livre por minha conta. Todorov foi um intelectual búlgaro que se mudou para a França quando ele mesmo descobriu que o comunismo que tomava conta do seu pais, não era o paraíso prometido. E continuou trabalhando, estudando, escrevendo. Ele era, ao seu modo, também um contestador, um insubmisso.

Atitude esta que não é negativa nem destruidora, mas uma afirmação, como anota textualmente: “A insubmissão é positiva. É ao mesmo tempo, resistência e afirmação. As pessoas cujo itinerário se descreve aqui mostram como a sua virtude moral se transforma em instrumento político. Apoiam-se nas qualidades individuais para intervir no âmbito público. Não é uma política dominada pela moral, nem uma moral submetida a objetivos políticos; são, sim, atos morais individuais que se convertem em elementos da vida política”.  Eis uma questão essencial da qual parecem fugir os homens públicos, ao insistirem no divórcio entre a vida pessoal e a sua atuação em funções. A explicação é clara: “O ser humano não termina nos limites do seu corpo, mas inclui a relação com os demais (…) A ação moral somente funciona em primeira pessoa do singular. Moralmente, somente posso me exigir a mim mesmo. Quem faz moral para os outros sem submeter-se a ela, é duplamente imoral, consigo mesmo e com os outros”. Um postulado que, caso fosse utilizado como paradigma de seleção dos homens públicos, poucos candidatos sobrariam.

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Jonathan Swift: Viagens de Gulliver

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Jonathan Swift:  Viagens de Gulliver. Globo. Rio de Janeiro, 1987. 350 pgs.

Jonathan Swift - As Viagens de GulliverA clássica obra de Jonathan Swift, protagonizou outra das nossas tertúlias literárias. As viagens e a ficção que rodeia as peripécias de Gulliver, surgiram, ao que tudo indica, como uma crítica social na prosa do escritor inglês. Que na verdade era irlandês, como muitas outras personagens famosas -desde Oscar Wilde até o Duque de Wellington- que nascidos na Ilha do trevo de S. Patrick, acabam creditando a fama para Inglaterra. Afinal, tudo seja pelo Reino Unido, pela Commonwealth.

Nestes tempos que vivemos de crítica a políticos e homens públicos, não deixa de ser divertido repassar as considerações que Swift coloca em boca dos seus personagens, que instruem a um Gulliver ingênuo sobre as surpresas que encerram, não as viagens e os povos, mas o ser humano. Valham algumas amostras de uma atualidade gritante: “A fraude é maior crime que o roubo, porque o cuidado e a vigilância podem preservar dos ladrões, mas a honestidade não tem defesa contra uma astúcia maior… Os processos sempre terminavam de acordo com a vontade dos juízes, de modo que não me confiei mais contra tão poderosos inimigos”.

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Dorothy Canfield Fisher: “Dulce Hogar”

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Dorothy Canfield Fisher; “Dulce Hogar”. Palabra. Madrid. 2016. 302 pgs.

Publicada em 1924

Dorothy Canfield Fisher - Dulce HogarChega às minhas mãos este livro, na sua versão espanhola, com um pedido. “Da uma olhada e veja se te parece interessante traduzi-lo ao português”. O pedido vinha de um amigo que trabalha numa editora, e a resposta são estas linhas, escritas em português, dando o crédito necessário à obra que nos ocupa.

Escrita por uma autora da qual nunca tinha ouvido falar, e publicada em 1924, “The Home Maker” (título original em inglês) é a história de uma família. Não uma saga -isso acontece com as grandes famílias, as renomadas- mas uma simples história, porque as personagens são de condição muito modesta, beirando a pobreza. Bem adverte a autora, os riscos da pobreza: “A condição de ser pobre era horrível. Conseguia tirar o pior de cada um. Quando te preocupa o dinheiro, deixas de ser tu mesmo! ”

O pior de cada um, mas também pode extrair o melhor, ou potenciais desconhecidos. O casal Knapp protagoniza este romance e as suas variações. De um lado, Evangeline, uma mãe e esposa dedicada, tão dedicada que se consome nas tarefas domésticas, com feitios quase de mártir. “Um profundo abatimento a invadiu. Aqueles eram os momentos na vida de uma mãe que ninguém notava, que todos silenciavam, algo que nunca era mencionado nos bons livros nem pelos oradores eloquentes que tinham tanto a dizer sobre o caráter sagrado da maternidade. Nunca te diziam que chegaria um momento em que te sentirias impotente, que os teus filhos não estariam nunca ao teu nível, que nem se aproximariam dele, porque não eram o mesmo tipo de ser humano que você, não eram propriamente os teus filhos, mas, simplesmente, outros seres humanos dos quais você é a responsável”.

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Um breve Report da visita ao Hermitage

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O Hermitage é um museu peculiar. Era também o palácio de inverno dos Czares da Rússia, e combina as obras de arte com os decorados e as instalações da nobreza russa da época. Quer dizer, um Museu que era habitado. Talvez por isso, a diferença de outros museus, o percurso tornasse leve, há muitos lugares onde sentar-se para descansar, e escutar a áudioguia que é absolutamente indispensável para ir direto ao que mais interessa, o que não pode deixar de ser visto. É bom lembrar que são 3 milhões de obras de arte. A objetividade é imprescindível, sob o risco de que as árvores não te deixem comtemplar o bosque.

Para ler o report completo clique aqui.

Frantz: Uma experiência estética de amor e perdão

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Frantz. Diretor: François Ozon. Paula Beer, Pierre Niney, Ernst Stötzner, Marie Gruber, Cyrielle Clair, Johann von Bülow, Anton von Lucke. 113 minutos. Alemanha- França.2016.

Frantz - coverBastam as primeiras cenas para entender que estamos diante de um grande filme. Dificilmente me engano -e penso que isso acontece com todos os que amam o cinema: o diagnóstico da qualidade é questão de minutos. É possível que uma grande produção se afunde lá na frente, mas nunca é um naufrágio; são escolhos que atrapalham e que muitas vezes seriam dispensáveis. O contrário também é verdade: se o filme não decola a te apanha nos primeiros fotogramas, provavelmente o resto é uma perda de tempo.

Frantz é um filme que te prende nas primeiras tomadas. Um branco e preto elegante, comovedor, que te golpeia e te faz esquecer que a vida é colorida, mesmo nas histórias dramáticas como a que o diretor francês -que supera aqui toda sua produção anterior- nos conta. Uma história que, na verdade, são muitas; são as histórias das personagens, magnificamente desenhadas, que se unem no nome que consta no título: Frantz.

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