MADAME SOUSATZKA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

(Madame Sousatzka) Diretor: John Schlesinger. Shirley MacLaine, Peggy
Ashcroft, Shabana Azmi. Inglaterra, 1988. 120 min.

Disciplina é algo pouco na moda nos dias que correm. A educação metódica e a exigência dos educadores com os adolescentes -aqui entram também os pais- , nunca foi motivo de elogio por parte destes últimos. Quem não se queixa do professor exigente, do pai quadrado, da mãe possessiva; enfim, daqueles que exercem suas funções a sério?  A queixa e a rebeldia não são novidade. O problema existe desde que o homem se tornou animal social, há muitos séculos. 

Sendo tarefa destinada ao fracasso, a de tentar sensibilizar a parte afetada – o filho, o aluno, o “educando”- para o problema, pois faz parte do processo normal de amadurecimento, não é inútil deter-se em algo que, aparentemente, vai caindo no esquecimento. E isto é: lembrar aos que educam que os protestos e rebeldias são episódicos. Que sim vale a pena gastar-se no trabalho de educar os filhos e alunos; empenhar-se a fundo, em consciência, dedicando tempo, suportando com paciência as queixas do beneficiário, que sempre -lei de vida- continuarão existindo. 

Tudo isto vem à cabeça assistindo Madame Sousatzka. Um filme delicioso, sem pretensões aparentes. Direção segura do veterano John Schlesinger, e interpretação magnífica -não poderia esperar-se menos- de Shirley MacLaine. Não é preciso argumento forte -que não tem- para transmitir o recado. 

Madame Sousatzka é uma velha professora de piano, inglesa, de origem russa. Passa a vida ensinando os alunos -crianças ainda- e perdendo-os quando se tornam já adultos e optam pelo caminho do sucesso. Dedica-se ao aluno que adota afetivamente como filho. Cuida da roupa, da comida, das muitas horas de estudo ao piano. Ensina com vibração, exige o melhor do aluno; não poupa críticas, economiza elogios. Enfim, uma figura possessiva que qualquer aluno detestaria. Parece ser este o destino do educador, do professor, do pai. Exigir enquanto é tempo, educar contra o relógio, contra o relógio da vida. E no fim o desprendimento, difícil virtude para quem se entrega com paixão nesta empresa: deixar partir os que já cresceram, começando tudo de novo com aqueles que chegam. 

Para tratar-se de um filme sem pretensões poderia parecer que estamos explorando-o demais. Negativo. Torna-se necessário destacar os valores que se encontram aderidos ao celuloide. E mais hoje, quando de valores andamos tão carentes. É preciso tirar ponta dos filmes, entender o recado, digerir a substância, pois é o que alimenta a mente e o coração – sementeira de ideais!- tornando certos filmes cheios de vida. 

E o recado aqui é simples. Simples de entender, urgente de praticar. Um excelente lembrete para os que, na família ou na profissão, devem dar o melhor de si para formar os que têm sob a sua custódia. Exigir sem medo, com consciência do dever; e também sem poupar-se. Não é fácil, pois a empreitada compromete, mexe com os próprios brios. Como pode um professor exigir se não prepara as aulas? E um pai, se não dedica tempo aos filhos e -tudo deve ser dito- se não dá exemplo de trabalho? De tal pai, tal filho; mesmo que doa, é assim mesmo. 

Exigir sim, sem medo e sem desânimos. Queixas sempre haverá por parte daqueles que, no momento, não alcançam a dimensão do que se lhes ensina. Por isso educar é arte, supõe criatividade, e contornar as situações e as rebeldias da adolescência, normalíssimas e saudáveis. E tudo isto, de graça. Quer dizer, sem ser reconhecido. Obterá o reconhecimento – e muito, à volta dos anos – quem se empenhe na batalha contra o relógio e a ganhe em tempo.

“Eu não te deixei – diz o velho aluno a Madame S.- você sempre estava comigo. Quando a plateia e o piano tornavam-se um monstro querendo me devorar, lembrava dos teus conselhos, do que me ensinaste, e me sentia crescer, superava o obstáculo”. As experiências de vida, o tempo, trazem o agradecimento natural daqueles que, em seu dia, sentiam-se oprimidos pela disciplina. O agradecimento e o carinho, o respeito pelos mestres e, quem sabe, o ânimo suficiente para imitá-los nesta tarefa invejável.

É a lei da vida, quando a vida é bem vivida e se ganham as batalhas contrarrelógio. Basta parar e pensar alguns instantes para, cheios de agradecimento, lembrar-nos de alguma Madame S. -na figura da mãe, do professor, do amigo- que todos tivemos na nossa vida.

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