O Patriota
(The Patriot) 2000. Diretor: Roland Emmerich. Mel Gibson, Heath Ledger, Joely Richardson. 160 min. http://www.imdb.com/title/tt0187393/
Lembro muito bem do lançamento do filme. Foi na virada do milênio, na real e não na fictícia comemorada um ano antes. Isso por aquilo de que o ano zero nunca existiu, e o milênio virou no final de 2000. Um aluno –hoje médico e colaborador nas empreitadas educacionais, que muito tem de aventura e de sonho- comentou-me: “precisamos ver esse filme, todos juntos”. Á minha cara de interrogação, seguiu-se a explicação imediata: “Sim, é para que as pessoas aprendam como se carrega uma bandeira”. Confesso que fui assistir ao filme com esse comentário girando na minha cabeça e querendo descobrir o que seria esse “carregar a bandeira”.
São quase três horas de aventuras bélicas, dúvidas e decisões, batalhas e gritos rasgados de independência que se misturam com o sangue, as tragédias familiares, os apelos ao heroísmo, enfim, um verdadeiro épico, como os de antigamente. “Onde está a bandeira, a que temos que aprender a carregar?” – perguntava-me eu enquanto desfrutava do filme.
O protagonista –o patriota, que o é muito apesar dele- acaba de perder o segundo filho, numa guerra na qual não queria entrar, e foi obrigado a envolver-se. Já deu a sua contribuição, incluídos dois dos sete filhos que tinha. Quer desistir, sente que não é mais necessário, pede espaço para apreciar sua dor, enorme. O apelo vem do amigo, oficial, que lhe suplica: “Fica conosco. Tuas vitórias e tuas derrotas não são somente tuas. São de todos. Mantenha o rumo. Stay the course!”. O olhar cansado do patriota, contemplando o filho morto, não tem fôlego para mais nada. Desiste e quer partir. De repente, nas algibeiras do cavalo tropeça com a bandeira que o filho morto, foi costurando pedaço por pedaço. Para, reflete, entende sua missão da qual não pode fugir.
Um conjunto de mutilados de guerra caminha desanimado para enfrentar uma batalha que está perdida de antemão. Silêncio, e entre os arbustos, de repente, eis que surge em cena, a almejada bandeira. O patriota a carrega com orgulho, sem dizer nada, apenas galopando e fazendo-a tremular ao vento, passa à frente da turma que, como por milagre é transformada num exército. Faltava-lhes guia, norte, ideal, bandeira. Sobram palavras, e de fato não há nenhuma. Apenas atitude: como carregar uma bandeira e fazer a diferença. O comentário daquele aluno resumia perfeitamente o miolo do filme.
A fita avança, chega-se aos enfrentamentos finais. Os que lutam pela independência recuam, perdem terreno, assustam-se e começam a fugir. Um novo apelo ao patriota, que é o líder. “Os nossos homens batem-se em retirada”. E, de novo, com o peso da responsabilidade, o general que é patriota, pai de família, viúvo, e, antes de tudo um carregador de bandeiras –e por isso é o líder- joga fora a arma que empunhava, arranca a bandeira de um soldado que fugia em pânico, e avança, na frente dos seus homens. Levanta a bandeira, arremete contra o inimigo de peito aberto, sem armas –que os outros já carregam, e qualquer um podem empunhar- mas com a bandeira, ferramenta que somente o líder pode levar no alto. Não olha para trás, não avalia quanto o seu exemplo de coragem está funcionando e quantos são os homens que consegue convencer com a atitude. Apenas corre, bandeira ao alto, e grita, e estimula. Uma cena antológica de liderança, que abre mão de medir até o impacto do próprio exemplo. Doação total, ideal no alto – a bandeira não é ele, mas a metáfora da liberdade, que é muito maior do que qualquer líder. Vira o jogo, ganha a batalha e a guerra.
A lógica de desprender-se da arma – que é também cinto de segurança para defender a própria vida- para empunhar a bandeira é algo aparentemente contraditório. Afinal, numa guerra o que conta é o poder de fogo. Mas o líder enxerga mais longe e sabe que armas e canhões, sem orientação, sem sonho, órfãs de ideal, de nada servem e estão destinadas ao fracasso. A bandeira é a que faz a diferença. O líder, capaz de carregá-la é o elemento que decide a batalha.
Houve quem, vendo estas cenas, deixou-se levar pela crítica fácil “ao imperialismo americano”, tão politicamente correta nos dias de hoje. “Por que a bandeira americana?” –perguntam- “é sempre o mesmo triunfalismo ianque”. Na verdade, a bandeira tem de ser essa, porque afinal o filme é feito pelos ianques. Outra seria a bandeira se fosse outro o país de origem da produção. O comentário não é inútil, porque infelizmente não são poucos os que usam essa desculpa para eximir-se daquilo que o filme quer transmitir: a necessidade que o mundo tem de líderes, revolucionários comprometidos com um ideal, carregadores de bandeiras.
Bem advertia Ortega, nas suas permanentes condenas da mediocridade, que o homem vitalmente fracassado, acaba cegando-se para tudo o valioso que tem à sua volta, e já que não pode estimar-se a si mesmo, procurar razões para desprestigiar a excelência alheia. Apenas saberá ver os defeitos e insuficiências dos outros que, sendo melhores do que ele, são como uma constante humilhação para sua pessoa. Mais valeria aos “críticos xenófobos de plantão” pensar se são capazes de carregar alguma bandeira na sua vida, ou toda ela se consome em criticar as atitudes dos outros, para esconder sua própria mediocridade.