Juan Antonio Vallejo-Nágera: “Perfiles Humanos”

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Juan Antonio Vallejo-Nágera: “Perfiles Humanos”. Planeta. Barcelona. 1992. 196 pgs.

Perfiles HumanosComo o autor deixa claro no prefácio, esta obra não tem pretensões biográficas. São páginas que se leem com gosto, em cômodas prestações, como pinceladas vitais, que misturam o anedótico com momentos de relevo, de meia dúzia de  personagens históricos. Uma espécie de divertimento, a modo de variações Mozartianas, por seguir o gosto do autor, médico psiquiatra, homem de inegável cultura.

Assim, encontramos na ouverture a Lucrecia Borgia,-a filha de Rodrigo que passou a historia como o Papa Alexandre VI- e sua beleza impar pela que disputavam reis, nobres e até cardeais. A seguir, o rei Felipe III que sendo honesto e fiel, tinha como imenso lastro e desafio da sua existência, ser o sucessor de Felipe II e do Imperador Carlos V , seu avô: o peso tremendo de honrar o sobrenome familiar dos Áustrias, e manter o império onde o sol nunca se ocultava. As páginas dedicadas a Mozart –de quem o autor se confessa devoto absoluto- discorrem nos dias finais do gênio da música que rodeiam a sua precoce e misteriosa morte; a lenda do envenenamento, e da humilhante realidade: até hoje não sabemos onde estão os restos mortais de Mozart. Também os venenos mortais saem a tona nas páginas dedicadas a Napoleão, embora o protagonismo dessas notas o ocupem as extravagâncias do Imperador e as brigas com o seu carcereiro inglês, Hudson Lowe no desterro final na ilha de Santa Elena. Sem omitir várias dos muitos espasmos temperamentais de Bonaparte: pisotear chapéus ou quebrar relógios após as derrotas, e um mau humor insuportável. Lá está a exclamação de Tayllerand após sofrer uma das muitas humilhações em público, especialidade do Imperador francês: que pena que um homem tão grande esteja tão mal educado.

Beethoven nos é apresentado como gênio intratável, misantropo, desajeitado –parece que não tinha nenhuma habilidade manual, salvo na hora de sentar-se ao piano. Um ser único, que sobrevive a um pai alcoólatra que pretendia fazer do seu filho um músico (talvez para aproveitar-se dos benefícios que lhe podia trazer) mas que não tolera que improvise, toque sem partitura, ou faça acordes com a mão direita. “Que bobagem é essa? Toca de acordo com as notas na partitura. Chega de brincadeiras, ou te arranco as orelhas”.  Um homem que consegue criar música celestial, no meio da miséria e da sujeira. As notas das suas sinfonias desfilam no meio de pratos sujos de vários dias, ou da banheira no centro da sala, junto do piano.  “O Beethoven quarentão, do ponto de vista do asseio, irrelevante para a produção de um gênio mas importante para sua vida e relações pessoais, chegava a ser repulsivo”. Esse homem tão desagradável, chegou a dizer Goethe.

Rossini, o fecundo compositor de óperas italiano fecha estas simpáticas páginas com outras peculiaridades de gênio: sai de cenário musical com 39 anos, e dedica os 37 restantes a uma das suas paixões: a gastronomia (o autor lembra de como o sobrenome Rossini, um tremendo gourmand,  está presente em pratos de haute cuisine). Nesse interim culinário vai compondo alguma coisa aqui, outra lá, para os amigos e para Deus. Um fenômeno que a lenda não poupa com episódios que se não reais, não carecem de fundamento: Cai uma folha da cama onde Rossini compunha. Lá estava escrita uma ária de opera. E o músico, para não levantar-se no dia frio, prefere escrever de novo, melhorando-a. Tal era a sua facilidade. Por que se retirou? Parece que comentou em carta ocasião, justificando a sua saída precoce, o pendurar as chuteiras no auge da carreira. “Depois do Guilherme Tell um sucesso a mais na minha carreira não acrescentaria nada ao meu nome; mas um fracasso sim poderia afetá-lo”. De fato, quem não conhece a ouverture de Guilherme Tell? Vale a pena escutar, prestando atenção aos 4 minutos finais e ver como Karajan dirige sem dirigir: mostrando apenas o que sente ouvindo os compassos de Rossini. É outra versão da cultura, um belo fecho de ouro a estas agradáveis páginas que aumentam a cultura em crescimento fisiológico.  Em doses precisas, densas, como a boa musica dos autores aqui evocados.

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