O FEITIÇO DO TEMPO
Groundahog Day. Diretor: Harold Ramis. Bill Murray, Andie MacDowell. USA 1990. 97 min.
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Eis um filme agradável, de bom gosto. Uma amostra de que com um pouco de imaginação, um argumento bem tratado, e atores “ad hoc” pode se fazer um cinema sob medida para a família. O feitiço do tempo é um típico filme-família, para assistir todos juntos, já que para todos tem seus recados.
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Uma sequência contínua de situações engraçadas, onde o pitoresco protagonista se encaixa maravilhosamente, fazem deste filme uma comédia atrativa e elegante. Mas não é apenas uma comédia. Por trás da ficção e do absurdo existe encerrado todo um realismo que cativa o público. O filme não demora em estabelecer um diálogo com o espectador. Conforme a fita avança bastam algumas indiretas para que os assistentes captem o sentido.
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É difícil não lembrar, assistindo o filme, do cinema de Frank Capra (“A felicidade não se compra”) ou de René Clair (“O tempo é uma ilusão”), onde também por trás de situações cômicas e imaginativas, estes grandes mestres davam suas mensagens para a vida. São filmes de duplo efeito, ou, se preferirmos, “filmes em camadas”: conforme aprofundamos é possível extrair materiais diferentes e, não raramente, nos deparamos com uma jazida de pedras preciosas.
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Os artistas sempre reclamam de que os críticos acabam encontrando nas suas obras de arte, significados que eles mesmos nunca quiseram embutir nelas. Temos de lhes dar a razão, mas ninguém pode nos impedir de que, com motivo da sua produção, tiremos nossas conclusões pessoais. Afinal, isto não lesa os direitos autorais e pode ser de grande utilidade por fazer-nos pensar na vida, da qual a arte sempre nos aproxima. O cinema é, dentre as artes, uma das mais sugestivas e muito se presta a ser ponto de partida para que cada um vá capitalizando ensinamentos.
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O tempo, tema do filme, que preenche tantas conversas pobres em assunto e sobre o qual todos se entendem nos bate-papos caseiros, é conceito que escorrega entre as mãos quando tentamos defini-lo com rigor científico. Tal vez por isso é uma das realidades mais controvertidas para os filósofos. Tempo objetivo, tempo subjetivo, medida do movimento, duração real; enfim, matéria na qual é difícil pôr-se de acordo. Felizmente não é preciso chegar a uma definição filosófica para o objetivo que nos ocupa; trata-se de aproveitar o filme como pista de decolagem para algumas considerações. Não precisamos definições porque não é isto que o filme pretende. Basta a intuição para nos guiar com proveito.
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Voltemos ao filme. O protagonista – que para maior ironia é meteorologista televisivo, “homem do tempo”- encontra-se preso no tempo. As sequências se repetem, e o dia é “reeditado” uma vez e outra. Variações sobre o mesmo tema, ficando estas, as variações, por conta da iniciativa do simpático personagem. Apesar do absurdo, o espectador sente-se solidário, de certo porque acusa o recado de que a novidade depende muito mais de nós do que das circunstâncias que nos vêm dadas. Já dizia alguém que rotina não é fazer as coisas de sempre, mas fazê-las como sempre. A novidade é necessariamente versatilidade interior, arranca de dentro, do coração, do amor. A partitura é sempre a mesma; a arte está na interpretação, no que o artista consegue arrancar da letra escrita colocando sua alma de per meio.
O nosso meteorologista, restabelecido da perplexidade inicial, começa a desconfiar que o seu tempo seja eterno, e vai construindo as variações ao compasso da condição humana. E por isso despontam variações egoístas, de levar vantagem, de aproveitar a vida. As tentativas de enriquecer, iniciativas amorosas, conquista de sucesso concluem sempre num engasgamento; do tempo, primeiramente, e anímico depois, pois o protagonista vai se entediando com sua eternidade. Não assim o espectador que desfruta com cenas francamente divertidas, leves, muito bem conduzidas.
Conclusões podem ser tiradas muitas. Mas, como em qualquer caso já estamos de acordo que é difícil adivinhar quais são as intenções do diretor – por aquilo das “camadas”- de modo que nos contentaremos com achar nosso filão de ideias.
Qual é o ensinamento apaixonante que surge por entre os fotogramas de O Feitiço do tempo? Algo próximo de uma lição de administração de capital. O tempo é o capital, do qual somos donos. Podemos fazer com ele o que bem entendermos, empregá-lo de um modo ou outro visando o maior lucro, o melhor rendimento em satisfação e realização pessoal. Mas na hora dos dividendos, acabam se colhendo surpresas desagradáveis. E com elas, não raramente, tristeza, desânimo, fastio, perda do sentido vital.
A solução emerge nos compassos finais do filme. Paradoxalmente, um investimento para os outros, uma dedicação altruísta do tempo -no fundo, tornar-se útil- é a melhor aplicação do tempo. Neste momento, o tempo resulta elástico, maleável, multiplicador. E como rendimentos altíssimos, chegam por tabela, a alegria, a felicidade, a consciência do homem realizado porque se sente útil aos demais, e de fato é proveitoso.
Recado profundo para um filme comedia. Mas na vida as coisas são assim; o mais importante, os valores autênticos sempre vêm envolvidos numa atmosfera de simplicidade. E deste modo, sem prefácios nem prolegômenos, este fita faz decantar no coração gotas de sabedoria. Com destaque para uma das grandes descobertas à qual o homem tem de chegar se quer ser feliz: vale a pena ser útil!