Cry Macho, o caminho para a redenção. Maturidade para escolher as batalhas a enfrentar.

Pablo González BlascoFilmes 4 Comments

Cry Macho. Diretor: Clint Eastwood. Clint Eastwood, Dwight Yoakam, Eduardo Minett, Natalia Traven. USA 2021. 104 min.

Eu já imaginava que seria assim. Assistir um filme do Clint Eastwood, nesta altura do campeonato, decanta em reflexão e na obrigação, quase moral, de rascunhar estas linhas. Altura de um campeonato longo -91 anos para ele, 64 para mim- e uma longa parceria, um mano a mano, onde as histórias, os fotogramas, as entrelinhas que ele me proporciona são um desafio contínuo para a minha reflexão que aqui, simplesmente, traduzo em voz alta. 

Antes de sentar para escrever, andei pensando no título desta crónica que faço para mim mesmo …e compartilho com os que se atrevam a ler. Tive de pensar sim, porque os vários comentários que fiz dos filmes de Eastwood -acabo de revisar agora- têm uma tónica comum: a sabedoria que se acumula com os anos, a prudência serena da maturidade, enfim, algo a ver com o subtítulo em português que alguém estampou nesta fita: o caminho para a redenção. Parece-me que Clint reflete a golpe de câmara, enquanto eu, mais discretamente, o faço a golpe de teclado. Pode até ser um caminho para a redenção -um acertar as contas com o passado, empreitada sempre importante- mas confesso que o subtítulo que me veio à cabeça é outro: a maturidade para escolher as batalhas a enfrentar. 

Não vou me deter naquilo que é obvio. Um homem de 91 anos, que poderia estar descansando tranquilamente, e que enfrenta a direção e a interpretação de mais um filme. Veteranos que são feitos de uma matéria diferente -fabricação antiga, chapa grossa que não amassa, como dizia um velho amigo- e que por mais que tentem, não conseguem pendurar as chuteiras. Ou até as penduraram já várias vezes, para retomá-las depois. Lá está Woody Allen, embora confessa ter vergonha de interpretar as personagens, e procurar alter egos….Lá está Scorsese, que convoca septuagenários para o filme O Irlandês, e lembro de ter feito essa ligação de veteranos “chapa grossa” com ocasião da entrega dos Oscar 2020

Dito isto, vamos àquilo que não é tão obvio, e que é justamente o que me toca e me seduz. O Macho do título é um galo de briga, propriedade do garoto ianque-mexicano que o nosso protagonista deve trazer de volta. Não vejo o galo chorar ao longo do filme, e penso que o choro do título é preciso creditá-lo ao próprio Clint -no itinerário da redenção- e ao espectador que se sente atingido pela trama. Roteiro simples, sem filigranas. Plano, liso, realista porque fala das limitações da idade. Nem poderia fugir delas, com um sujeito que arrasta os 91 anos com classe…, mas é quase um século de aventuras. 

Mike-Clint nos presenteia com a maturidade de saber escolher as batalhas que devemos enfrentar quando se possui esse curriculum quase centenário. Nunca foi tão apropriado aquele conselho que escutei há muitos anos e que, repetidamente, medito e tento me aplicar, o que não é fácil. Saber calar, rezar, trabalhar e sorrir. Uma empreitada e tanto. 

É preciso poupar palavras, não se desgastar em explicações inúteis. Não se assustar com o que já sabemos e Clint deixa claro: ninguém presta no filme, todos tem rabo preso e mentem descaradamente. Não há surpresas para um veterano que conhece de longa data a condição humana. Mas é também preciso trabalhar, quer dizer, não assumir o ceticismo cômodo de que visto que ninguém se salva, vou cuidar da minha vida e que se explodam todos. Não. Vamos fazer o que é possível, atender à missão confiada, não buscar desculpas -que, aliás, sobrariam nesse mundo podre- para tirar o braço da seringa. Ceticismos de velho ranzinza não resolvem, mas a experiência enriquece e nos adverte que não vale a pena tentar que todos entendam este raciocínio. Perda de tempo, desgaste, motivo para irritar-se inutilmente. 

Sorrir já é mais difícil, quando a face esboça a rigidez quase parkinsoniana de um ancião. Mas é possível manter o bom humor -com medida- e a ironia que tira importância aos detalhes de mau gosto que os outros insistem em proporcionar. E, também, rezar; embora Clint, que se confessa principiante nesse tema, o delega em Marta, uma mulher superior, um monumento, os degraus do velho caubói para a redenção. Aliás, ocorre-me pensar, que o nome dela -Marta- não é coincidência: a mulher que acolhe, que empresta o lar, que pilota as tarefas domésticas como ninguém. Tem referência bíblica. É só checar. Clint, que diz não saber rezar, não dá ponto sem nó.

Calar, pensei, e fazer o que me cabe. Lembrava do filme enquanto dirigia pela cidade de S. Paulo, repleta de buracos, com faróis dessincronizados, e motoqueiros pandémicos cercando-te perigosamente. Contive o impulso de reclamar -para mim mesmo, estava sozinho no carro- pensando que de nada adianta aumentar a entropia do universo, vomitando queixas. Um aprendizado fruto das reflexões sobre o filme, e para o qual é preciso estar sempre atento. Parar de reclamar -da boca para fora, e também para nós mesmos- é sem dúvida uma bela estratégia para melhorar o mundo. 

Sabedores da minha admiração por Clint Eastwood -um fã de carteirinha- os amigos me convocam e desafiam com seus comentários, sempre que estreia uma nova produção. Um deles me disse: mais um filme em que o velho Clint busca o resgate da juventude. Não tinha pensado nisso, mas concordei. Lembramos de Gran Torino, de As Curvas da Vida, de Menina de Ouro, (embora aqui o resgate é muito questionável),  e de A Mula  onde busca a reconciliação com a própria filha…

Outro amigo, que fez uma Dissertação de Mestrado sobre o nosso ator-diretor (e que parece enviou ao próprio Clint, com os slides traduzidos para inglês) tinha me contado há tempo a história da produtora de Eastwood. Parece ser que Clint estava pensando em montar sua própria produtora e foi consultar os amigos, os conhecidos, a turma do ramo. Eles desaconselharam, melhor ficar no terreno conhecido, como ator…. Seria, disseram, um equívoco, um mau passo. Parece que não lhe convenceram, e aí está Malpaso Productions. O resto é história.  

Saber escolher as batalhas que devemos e podemos lutar. E deixar passar as outras, com serenidade, sem esquentar a cabeça. Sabedoria e prudência que chega com a idade, quando há reflexão sobre as experiências, quando os fotogramas produzidos por um homem de 91 anos te golpeiam e te fazem pensar. Mas nem tudo se ganha, e Clint o sabe. Quando Marta coloca a música -não qualquer música, mas aquela música- Mike-Clint sabe que a batalha está perdida. Tocam os compassos de Sabor a Mi, com uma sublime Eydie Gormé acompanhada pelo Trio Los Panchos, e o nosso caubói entrega os pontos, com felicidade, com sabor de redenção, embalado pelo bolero nos braços de Marta. 

Comments 4

  1. Sempre o bom e “velho” Pablo, das inesquecíveis circunstâncias da Maison Jardim, e dos saudosos anos de convívio em São Paulo.
    Como é fácil entender o que o Senhor diz com “o cento por um” já nesta vida!
    Abração e obrigado por tudo!

  2. Muito bom! Também sou fã do Cilint desde que fui assistir com meu tio “Por Uns Dólares a mais” e depois ” Por um Punhado de Dólares”. A partir daí, não parei mais! Valeu!

  3. Pablo, parabéns pela narrativa do seu coração e visão. Excelente ponto de vista. Deu vontade de assistir ao filme. Obrigado por compartilhar.

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