E.D. Hirsch. La escuela que necesitamos.
E.D. Hirsch. La escuela que necesitamos. Ediciones Encuentro. Madrid (2012). 446 págs.
Título Original: The Schools We Need. Traducción: Gema García de Celis. |
Chega o momento de resumir rapidamente, o terceiro livro que, repousando na minha estante há alguns anos, tive que desentocar por conta do curso para formação de professores que dei há alguns meses. Completo assim a trajetória de leituras sobre educação, somando a este, os
dois anteriormente comentados neste espaço.
O autor apresenta uma crítica estruturada e com fundamento sobre a educação escolar em USA. “Não podemos assumir que os jovens de hoje em dia conheçam as coisas que no passado eram conhecidas por todas as pessoas com certo nível de educação na sua cultura”. E continua: “Pretender ensinar competências gerais em detrimento de conteúdo específico nos quais aquelas se apoiam é um procedimento pedagógico ineficaz. Quando não dedicamos tempo e atenção suficiente para aprender as coisas, provavelmente não sejamos capaz de fixar esse conhecimento a longo prazo. Diz-se que o aprendizagem é um prazer, mas é mais o prazer de quem sobe uma montanha e supera as dificuldades, do que quem está sentado tranquilamente no cume contemplando”.
Diante das tendências modernas -deixar a espontaneidade do aluno reger o processo do aprendizado- Hirsch, cria a Core Knowledge Foundation, como alternativa ao progressismo educacional que, no entender dele, não funciona. Invoca a conhecida frase de John M Keynes: “São as ideias , não os interesses pessoais, os que são perigosos para o bem e para o mal”. E, como não poderia deixar de ser, apresenta uma oposição franca à pedagogia criativa de Paulo Freire, comparando-o com outro educador de esquerda, Gramsci, livre de qualquer suspeita: “Se não damos conhecimento perpetuamos a divisão de classes. Não oprimir com toneladas de conhecimento, deixar a espontaneidade do aluno fluir, não estreita esta divisão” -vem dizer Gramsci.
O autor, cuja obra teve alto impacto, também de vendas, obviamente não agradou a todos. É mais, incomodou a muitos. A crítica apresentada é, como já dito, fundamentada. Aponta que o capital Intelectual , sobre o qual se articula o resto do aprendizado durante a vida, tem que ser ensinado. Esse capital é de fato a grande ferramenta multiuso para adaptar-se ao mundo moderno. E esclarece que o fracasso escolar é consequência de não ensinar aos alunos em cada curso o que se supõe devem saber; nenhum processo suave é capaz de superar isso, depois; os fracassos se acumulam progressivamente. Invoca o denominado “efeito Mateus” (pela referência evangélica) : a quem tem lhe darão mais; quem não tem , mesmo o pouco que tem lhe será tirado. Quer dizer, quem não tem capital intelectual, repertório de conhecimento, de nada servem processos “soft” de aprendizado, porque não há matéria prima que trabalhar.
A ideologia romântica, onde os educadores continuam defendendo uma educação contrária a ensinar os fatos e aprendizagem de memória, e favoráveis a práticas não verbais, conduz a pobres resultados. Exemplifica: se o aluno entra numa biblioteca e se depara com um livro sobre as riquezas do Nilo, pega o livro se já ouviu falar do rio Nilo e tem consciência da sua importância; se nunca ouvi falar, nem conhece a trajetória, possivelmente passa batido, o ignora, como algo desconhecido. Naturalmente, a responsabilidade não é apenas do sistema “liberal” mas do corpo docente: “Um bom professor é capaz de fazer com que qualquer matéria resulte interessante, e aquele que é incompetente fará com que qualquer uma resulte tediosa (…) Ensinar a pescar é melhor do que dar peixes…sim. Mas pescar requer conhecimento, não é espontâneo E se não houver um capital inicial ninguém vai pescar, morrerá de fome”.
Hirsch esclarece que na educação atual dominam as teorias educacionais orientadas aos processos, não aos conteúdos; depois as teorias das ferramentas educacionais, do aprender a aprender. Ressalta que as investigações selecionadas obedecem à predisposição que busca potenciar os próprios interesses, a ideologia. Afinal, aponta, “o romanticismo crê que a natureza humana é boa de modo inato, que é preciso favorecer o curso natural sem imposições artificiais….Pensar que o que é natural funciona automaticamente é opinião hoje difundida e arraigada na sociedade americana”. E conclui: “Os fracassos educativos refletem a vingança da realidade contra as ideias inadequadas”
A crítica fundamentada está longamente explicada nesta obra. “Não devemos aceitar que a afirmação de saber como aprender (uma habilidade abstrata que nem sequer existe) é mais importante do que contar com uma ampla base de conhecimentos de fatos que são, os que realmente permitem aprender mais coisas”. Destaca, aqui, dois erros históricos importantes, neste descaminho educacional:
A) Formalismo, entregar aos estudantes ferramentas intelectuais (capacidade de aprender a aprender, habilidades de acesso ao conhecimento, habilidades de pensamento crítico) ao invés de conhecimentos.
B) Naturalismo: pensar que a educação é um processo natural com formas e ritmos inerentes, que varia de um para outro, e que se potencializa quando enfrentado com a vida real.
Após esta síntese rápida -excessivamente fugaz, é preciso ler o livro para entender a densidade de pensamento do autor, que apoia a crítica- cabe um par de linhas para colocar minha opinião, o que eu aprendi e pensei. Como professor universitário, entendo que a crítica de Hirsch tem fundamento quando se contempla a educação escolar básica (para mim, um pouco distante). Uma coisa é educar crianças e adolescentes, e outra a educação de adultos, onde essas teorias modernas (mais ou menos, românticas) talvez funcionem melhor. Requer pensar na educação de adultos, onde os processos podem e, de fato, funcionam. O método do caso, PBL, aprendizado de adultos.
Mas mesmo assim, o descompasso de conhecimento é grande. É preciso ver como chega o adulto hoje às tuas mãos na universidade, e quase sou obrigado a concordar com Hirsch. Há duas décadas, lembro de ter atendido uma paciente, uma empregada doméstica trazida pela patroa até o ambulatório didático onde atendíamos gente de poucos recursos. Olhei para ela, vista cansada, sofrida, e lembrei na hora de Violeta Valéry, a soprano protagonista de La Traviata. Comentei com os alunos e, para surpresa nossa, a paciente tinha tuberculose. A doença que mata Violeta na ópera de Verdi. Também nessa época, quando falávamos em aula dos temperamentos, tirei partido da cultura. Lembramos Tess, o romance de Thomas Hardy, e da protagonista que era um vaso de emoções sem o conteúdo da experiência. E os sonhos variados de D. Quixote, da Natasha (em Guerra e Paz) do príncipe Míchkin, a personagem de O Idiota de Dostoievsky. Também quando abordávamos os modos femininos e masculinos seguindo a pauta de Ortega em “Estudios sobre el amor”, projetava as árias magníficas onde os homens enganam as mulheres no meio de uma estética impecável. Lá estava o Duque de Mantova, em Rigoletto, seduzindo Gilda e muitas outras. E Pinkerton, o oficial da marinha americana, enganando a japonesa adolescente, Butterfly. Os alunos acompanhavam, gostavam, e quando não entendiam, perguntavam abertamente. Hoje, mais de 20 anos depois, as tentativas de seduzir com a cultura que tentei, tiveram como resposta silêncio, perplexidade, nada.
Uma última lembrança vem confirmar que o adulto de hoje tem muito menos cultura do que anos atrás. Não vamos entrar nos motivos, mas o fato é inegável. Durante um curso de pós graduação na faculdade de Medicina da USP que ministrei alguns anos atrás (Recursos Pedagógicos para a Formação Humanística do Médico) um aluno, patologista de formação, faltou na segunda aula. Na terceira confessou, que a falta foi deliberada: estava assustado, e entendeu que precisava aumentar muito a sua cultura para ser um bom professor ….de Patologia. Teve a coragem de voltar atrás, apareceu na terceira aula, cursou a disciplina de modo admirável, e nos surpreendeu a todos no final, quando apresentou seu trabalho de conclusão: “decidi mudar a reunião de autopsia: vou chamar, daqui em diante, a última visita”. Impactante. Foi atrás do conteúdo que reconheceu lhe faltava, mergulho na cultura, recuperou-se.
Necessário é lembrar da frase de Ortega que afirma ser a cultura o que nos salva do naufrágio vital. Conteúdo ou processos? Como chega o aluno até nós? Algo a ser avaliado. Também na educação de adultos, para não naufragar na docência, na profissão, na vida.
Comments 1
Concordo
Estou no grupo dos que precisam cultura , tendo como atenuante meu trabalho como marido e pai além de médico mediano que ainda busca o conhecimento acadêmico e geral.
Mas ótimas reflexões meu amigo .
Sem dúvida contribuirão parâmetros crescimento afetivo espiritual e cultural nesta ordem .