Alexandre Dumas: Os Três Mosqueteiros

Pablo González Blasco Livros Leave a Comment

Alexandre Dumas: Os Três Mosqueteiros. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2018. 732 págs.

Comentaram as críticas que, finalmente, os franceses decidiram reclamar para si o famoso romance de Alexandre Dumas e colocá-lo na tela . É verdade: não são poucas as versões cinematográficas de Os 3 Mosqueteiros, mas sempre com o sabor de Hollywood, e até com as variações musicais por conta de Gene Kelly. Afinal, Kelly era um atleta dançando -a diferença de Fred Astaire, mais gentleman do que performer- e a personagem de D’Artagnan lhe encaixava bem. O jovem gascão que se bate e duela com todo aquele que se cruza com ele, se alinhava bem com o acrobata, agora com espada em mão.

Os franceses resgatam o romance, e produzem duas fitas que são fieis ao original de Dumas: Os 3 Mosqueteiros- D’Artagnan, Os 3 Mosqueteiros- Milady.  É possível que venha uma terceira, porque a saga não acabou. E paro por aqui, para não correr o risco de ser spoiler.

Confesso que quando assisti os dois filmes, tive vontade de retomar o romance de Dumas. Na verdade, já o tinha lido há muitos anos, em versão de literatura juvenil: aqueles romances “facilitados”, que colocávamos nas prateleiras do quarto, uma coleção que se intitulava, clássicos juvenis. Guardei perfeitamente tudo o que interessava: os Mosqueteiros, D’Artagnan, o cardeal Richelieu, e, a personagem sinistra cujo nome nunca mais esqueci: Milady de Winter.

Obviamente, os filmes -e agora o romance original- avançam muito mais, o argumento se enrosca, mas o essencial estava contado na versão simplificada que li na infância. Consta-me que os ortodoxos desprezavam aqueles clássicos juvenis, por simplificar em excesso o argumento, mas o fato é que cumpriam o seu cometido. Hoje, as pessoas não leem nada, e também ninguém lhes facilita a aventura de ler. Penso que pioramos no quesito de estimular a cultura dos clássicos, entre adolescentes e jovens que gastam horas nas redes sociais, e nada fica a não ser fotos bizarras que logo se esquecem.  

Conforme viro as páginas, vou resgatando as lembranças da adolescência. Os conselhos do pai a D’Artagnan que se dirige a Paris, para servir como Mosqueteiro do Rei, às ordens do Sr. de Tréville, conterrâneo e amigo do pai do jovem gascão. “Não temas as ocasiões e procura as aventuras.  Mandei que te ensinassem a manejar a espada; tens um jarrete de ferro, um punho de aço; briga por qualquer coisa; briga, tanto mais que os duelos estão proibidos e, por consequência, há duas vezes mais coragem em se brigar”.

Dito e feito, o jovem dá a largada: “Dom Quixote tomava moinhos de vento por gigantes e carneiros por exércitos, d’Artagnan julgava cada sorriso um insulto e cada olhar uma provocação”. E chega até o capitão dos Mosqueteiros: “Tréville entendia admiravelmente bem a guerra dessa época, na qual, quando não se vivia à custa do inimigo, se vivia à custa dos compatriotas”.

O Rei -sempre espicaçado por Richelieu, que não gosta do corpo de mosqueteiros-,  quer colocar limites a Tréville. “O sr. de Tréville já esperava por essa restrição do rei. Conhecia o soberano de longa data; compreendera que todas as suas queixas não passavam de um pretexto, uma espécie de excitação para que ele mesmo ganhasse coragem, e que agora chegara ao ponto que desejava atingir”. E assim o faz saber ao Rei: “Que quer! Um capitão é apenas um pai de família encarregado de uma responsabilidade maior que a de um verdadeiro pai. Os soldados são crianças grandes”.

Vão aparecendo aqueles que, inicialmente citados para um duelo com D’Artagnan, converter-se-ão nos seus amigos inseparáveis. Assim os descreve Dumas: “Estamos falando de Athos, é claro. Já fazia cinco ou seis anos que vivia na maior intimidade com os companheiros Porthos e Aramis, e estes se lembravam de o ter visto sorrir frequentemente, mas nunca o tinham ouvido rir. Suas palavras eram breves e expressivas, dizendo sempre o que queriam dizer e nada mais; nada de enfeites, nada de adornos, nada de arabescos. Sua conversação era um fato sem nenhum episódio”.

Cada mosqueteiro carrega o criado correspondente, sabendo colocar ele no seu lugar. Algo que na cultura de hoje seria inadmissível, pela mistura de desprezo e de tom misógino: “Os criados são como as mulheres: é preciso pô-los imediatamente debaixo dos pés, onde se deseja que fiquem. Reflita, portanto”. Mas  o próprio escritor nos adverte que “estaríamos errados em julgar as ações de uma época do ponto de vista de outra época. O que hoje seria encarado como uma vergonha para um homem galante era naquele tempo uma coisa bem simples e natural, e os caçulas das melhores famílias em geral se faziam sustentar por suas amantes”. Obviamente, não apenas a atitude autoritária, mas a folga do homem abastado que se faz sustentar por amantes carentes de afeto.

As personagens desfilam ao longo das mais de setecentas páginas do romance. Aventuras que se sobrepõem, tramas e ciúmes, que sempre deixam espaço para os duelos de capa e espada, e para a galanteria romântica. “Existe na abastança uma multidão de cuidados e caprichos aristocráticos que se casam bem com a beleza. Uma meia fina e alva, um vestido de seda, uma camisa de renda, um belo sapato no pé, uma fita nova na cabeça, nenhuma dessas coisas torna bela uma mulher feia, mas fazem linda uma mulher bonita, sem contar as mãos que ganham com tudo isso; as mãos, principalmente nas mulheres, precisam estar ociosas para permanecerem belas”

Vão surgindo as personagens que estavam guardadas na minha memória infantil. “Georges Villiers, duque de Buckingham, levava uma dessas existências fabulosas que permanecem no correr dos séculos como um assombro para a posteridade”. E o cardeal, figura temível, arquiteto de planos malévolos: “Um homem, ainda que merceeiro, depois de conversar dez minutos com o cardeal de Richelieu, já não é o mesmo homem”.

E o centro sobre o qual gira a trama é D’Artagnan, algo do qual não lembrava bem, mas os filmes recentes mostram claramente. “D’Artagnan se admirou dos fios frágeis e desconhecidos a que às vezes estão suspensos os destinos de um povo e a vida dos homens (…)Soltou um suspiro diante desse estranho destino que leva os homens a se destruírem uns aos outros pelo interesse de pessoas que lhes são estranhas e que muitas vezes nem sequer sabem que eles existem”.

A ação e as tramoias que se sucedem, deixam pouco espaço para considerações mais profundas, embora Dumas não deixa de passar a chance para colocar algumas cargas de profundidade sobre a condição humana: “Um velhaco não ri do mesmo modo que um homem honesto, um hipócrita não chora as mesmas lágrimas de um homem de boa-fé. Toda falsidade é uma máscara e, embora se trate de uma máscara, a gente sempre chega, com um pouco de atenção, a distingui-la do rosto”. E, em outro momento, estampa este pensamento: “A vida é um rosário de pequenas misérias que o filósofo desfia a rir. Sejam filósofos como eu, senhores, ponham-se à mesa e bebamos; nada faz parecer o futuro mais róseo do que enxergá-lo através de um copo de chambertin

Lá surge a condição limitada dos pobres e menos favorecidos: “Senhor, a gente pensa no que pode e não no que deseja”. A influência das personalidades marcantes: “É poderosa é a influência de um caráter verdadeiramente grande sobre tudo o que o rodeia”. E por contraste, a pusilanimidade de alguns, do Rei Luis XIII, aspecto que sim lembrava bem da leitura dos clássicos juvenis: “Como todos os corações fracos, Luís XIII era destituído de generosidade”.

As aventuras e o destino dos  Mosqueteiros, que sendo três, acabam tornando-se quatro com o gascão, é tema recorrente. Isso justificaria a frase célebre: um para todos, todos para um. Mas a verdade é que não a encontrei no texto. O que sim é bem delineado é o perfil de cada um: Porthos, sempre impulsivo e tosco; Aramis, um gentleman, metade clérigo, metade mulherengo; e Athos, um nobre que permanece na sombra. Assim escreve Dumas: “O que havia de indefinível em Athos, que sempre se fazia obscuro e pequeno, era aquele conhecimento delicado do mundo e dos costumes da sociedade mais brilhante, aquele hábito de boa casa que surgia espontaneamente em seus menores atos. Athos, que era otimista quando se tratava das coisas e pessimista quando se tratava dos homens”.

De um modo poético e cômico, o escritor mostra esta perspectiva, na hora de recrutar novos cavalos para outra aventura: “Montaram na sela junto com os companheiros, e os quatro se puseram a caminho: Athos no cavalo que devia à sua mulher, Aramis no cavalo que devia à amante, Porthos no cavalo que devia à sua procuradora e d’Artagnan no cavalo que devia à sua sorte, a melhor amante que existe. Os criados foram atrás”.

Um romance clássico, que espicaçado pelos filmes que os franceses quiseram recuperar para o seu acervo, não me arrependo de ter lido. Até para comprovar que aqueles resumos dos clássicos juvenis, estavam muito bem elaborados, cumpriam sua função: abrir as portas para a cultura ainda nos anos ternos da infância. Hoje, volto a me perguntar: que portas estamos abrindo? Se é que abrimos alguma…..

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