Para além do Oscar 2025: Os filmes ocultos… que não desfilam na passarela

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Todos os anos, nestas datas, sei que vai chegar a pergunta inevitável…..por vários caminhos: E do Oscar, o que você recomenda? É o imposto a pagar quando, de modo imerecido, você cria fama de crítico de cinema. Eu não me considero um crítico de filmes, mas apenas um amante do cinema, que utilizo como recurso pedagógico, nas minhas empreitadas docentes. Principalmente na educação médica, para mostrar aos médicos o que é o ser humano -um detalhe que, com muita frequência, acabam esquecendo. Nesse registro situam-se a maioria dos meus livros, incluído o último que publiquei.

Não posso dizer que vi todos os filmes elencados para o Oscar 2025. Mas dos que assisti até agora, que foram bastantes, a pergunta que surge é: o que sobra de tudo isto?  Coloca no liquidificador, bate com parcimônia, para obter um suco… medíocre, com sabor inidentificável. Alguma surpresa agradável ao paladar, como Setembro 5, magnífico roteiro para contar a tragédia das Olimpiadas de Munique, 1972, desde a perspectiva jornalística. Um festival tutti-frutti, com um elenco de luxo em Conclave, e um argumento que não consegue abranger o tamanho imenso dos atores (Fiennes, Tucci, Lithgow, Castellitto) -e da atriz, Isabella Rosselini que tem o mesmo olhar da mãe, Ingrid Bergman, já madura. Um musical muito feminino, com bruxa verde e  garota arrogante, em Wicked.  E, no meio do suco, quase engasgo com um pedaço de filme que dá um recado poderoso sobre as paixões humanas -egoísmo insaciável, vaidade doentia- mas….embrulhado em papel de jornal indigesto: A substância.

Isso resume o cinema de 2024? Não, certamente não foi isso. Tem os filmes ocultos, que não fazem barulho -sem nenhuma pretensão do Oscar- alguns de imensa categoria. Revendo minha lista de filmes assistidos -que é material de trabalho, não de diversão- encontro vários dos quais não tive oportunidade de falar. Por isso, agora, vendo o que sobrou do Oscar 2025, sinto-me na obrigação moral de comentá-los brevemente. Um dever para comigo mesmo, e para com o bom cinema, que sempre admirei. É possível que alguns dos filmes que listo a seguir, sejam de produção anterior, de 2023, embora assisti no ano passado. Mas não vou me ater a esses detalhes. São filmes que merecem ser elencados para que o suco anódino do Oscar não atrofie nosso paladar cinematográfico. É desses que quero falar.

Filmes com destaque em 2024. De alguns já falei neste espaço. Desde o encantador Dias perfeitos de Wim Wenders, até o estremecedor Jurado n. 2 do nonagenário Clint Eastwood. Passando por ótimos filmes de professores, como o mexicano Radical, Os Rejeitados e Sala dos Professores, para chegar a um filme tocante, retrato de uma mulher notável, Cabrini.

Começando pelo final da minha lista, deparo-me com Reagan, um agradável passeio pela vida do presidente americano, com lembranças para os que viveram a década dos 80 de perto. Uma magnífica interpretação de Dennis Quaid (o mesmo de A substância, o que lembrou-me da versatilidade dos atores do Actors Studio na década dos 50, interpretando papeis antagónicos, de padre até assassino como Montgomery Clift). Depois, Maria, um biopic dos últimos dias de Maria Callas, tocante, embrulhado em ópera, um prato cheio para os apreciadores. Angelina Jolie, em plenitude interpretativa.

Os franceses continuam resgatando para o seu quintal as obras de Dumas -que Hollywood já trabalhou de modo muito americano. Após a sequência dos 3 Mosqueteiros, agora chega O Conde de Monte Cristo, totalmente francês, com atores magníficos, para contar uma história clássica que prende a atenção e agrada. Filmes aparentemente menores, mas de grande aceitação, como A jovem e o mar, para relatar a história real, da primeira mulher a cruzar nadando o canal da Mancha. Inspiradora para  todos. E uma comédia de época -com base histórica, muito bem ambientada, música incluída- em Como vender a Lua. Protagonismo absoluto de Scarlett Johansson, em papel magnífico.

Robert Zemeckis, diretor de Forrest Gump, traz de volta a Tom Hanks e Robin Wright, rejuvenescidos pela IA, para contar uma história em um quarto único, em plano contínuo em Aqui. Lembrei-me daquele filme de Hitchcock em plano de única sequência, Festim Diabólico, e também de A Família, o filme de E. Scola onde os anos transcorrem no corredor de um apartamento. Encontro também faroestes modernos na minha lista. Horizon: uma saga americana, dirigida e interpretada por Kevin Costner, uma produção de qualidade. E outra intervenção dupla de Viggo Mortensen -direção e ator- em Os mortos não matam, o velho oeste em corte moderno.

Lá constam também histórias que lembram as de Dickens, nas aventuras de um garoto durante o bombardeio de Londres: Blitz. E outra da liderança de um jovem, no meio das tragédias dos imigrantes: Eu Capitão. E uma história real, de um filme pouco comentado, que me impactou: Uma vida: a história de Nicholas Winton. Uma variante de um Schindler britânico, com atuação sublime de Anthony Hopkins. Hilary Swank também se faz presente em outra história real tocante, repleta de solidariedade e valores: Uma vida de esperança

Revisando a minha lista de trabalho, agrupo algumas que são de protagonismo marcadamente feminino:  começando com Donzela, uma aventura de heroína com sabor Disney; segue-se Atlas, onde a ficção é apenas um embrulho para Jennifer Lopez dar recados de fundo, o fator humano na IA. Uma Olivia Colman magnífica, em Pequenas cartas obscenas, um filme muito britânico, para relatar uma história real: aparência, realidades, e o controle patológico da moralidade. Segue-se uma produção iraniana Shayda, cinema que continua despontando com qualidade, denso, toca fundo. Perseverança feminina num universo adverso.  E, finalmente, encontro um filme que me fez evocar o melhor do neorrealismo italiano, branco e preto incluído, músicas da época, delicioso: Ainda temos o amanhã

Os franceses, além de resgatar Dumas, também contribuíram para a minha lista: O desafio de Marguerite, filme original, as matemáticas e a vida.  Estamos feitos para nos entender, uma comédia simples e simpática. E Cocorico, um filme divertido, humor francês, argumento simples que extrai bons momentos cômicos.

Não fosse o antídoto contra o suco insosso do Oscar, talvez nem citaria um par de filmes de Pierce Brosnam que compensa o tempo gasto para assistir. Uma diversão sadia: O último soldado, agradável, simpático com valores e ótima interpretação. E  Fast Charlie, repleto de ação, humor, subtilezas e diversão garantida. Sob medida para Pierce Brosnan.  Civil War é muito mais do que simples antídoto: protagonismo para os jornalistas de guerra. Filme diferente, bem construído. E também Gladiador II, nem que seja pelo esforço de um Ridley Scott com 85 anos, que está farto de heróis fictícios, e continua com a bandeira de força e honra. Bobagem, lugar comum? Do lado do Oscar, para mim sobressai com destaque.

Uma produção polonesa sobre o Cardeal Stefan Wyszynski e a condução da Igreja numa  época conturbada também consta na minha lista. E finalizo com algumas comedias ligeiras que me agradaram: Uma prova de coragem, filme simpático, com valores; O Dublê, divertido, com ação e bom humor; O Presente, familiar, positivo; e Não posso viver sem você,  uma comedia divertida, que faz pensar, e muito. Adição ao celular e suas consequências. O cinema não é, nem de longe, o Oscar. É muito mais do que um festival  desbotado, pautado pelo politicamente correto….que cada vez menos sabe-se em que consiste. O cinema é, em palavras de Peter Greenaway mais do que diversão, é linguagem e reflexão. E, Julian Marias, o filósofo espanhol que também amava os filmes, dizia que o cinema era, por excelência,  o instrumento da educação sentimental no nosso tempo. Assista bons filmes, e não ligue para o Oscar. Sairá, certamente, no lucro.

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