Downton Abbey: A elegante cordialidade que nos aproxima dos semelhantes

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Criador: Julian Fellowes. Hugh Bonneville, Laura Carmichael, Jim Carter, Brendan Coyle, Michelle Dockery, Joanne Froggatt, Robert James-Collier, Phyllis Logan, Elizabeth McGovern, Sophie McShera, Lesley NicolMaggie Smith, Penelope Wilton, Kevin Doyle, Allen Leech, David Robb, Siobhan Finneran, Dan Stevens, Raquel Cassidy, Lily James, Jessica Brown Findlay, Samantha Bond, Matt Milne, Ed Speleers, Amy Nuttall, Jeremy Swift, Douglas Reith

Não me lembro quem foi -na verdade, parece-me recordar que foram várias pessoas- que me recomendou assistir esta série. “Muito boa, você vai gostar demais”. Como sempre, a sugestão veio nua de guarnição: ninguém me disse porque eu iria gostar, nenhuma dica de onde colocar o zoom da apreciação. Guardei a indicação, e coloquei-a na lista de espera, sempre crescente, porque o tempo é desproporcional às pendências.

Passaram-se meses, até anos pelo que pude comprovar nas datas da produção.  Enfrentei os primeiros capítulos, fui assistindo em pequenas doses, degustando as histórias. E logo percebi que a série desmembrada em várias temporadas, poderia nunca acabar. Porque afinal, o que lá se relata e que tem como pano de fundo o quotidiano de um lar da aristocracia britânica, é a vida mesma, o viver diário de cada uma das personagens que enriquece esta produção cuidadíssima, de imenso bom gosto.

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Alessandro D’Avenia: “O que o inferno não é”.

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Alessandro D’Avenia: “O que o inferno não é”. Ed Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 2017. 382 págs.

A tertúlia literária é o resultado desta viagem a Sicília através das páginas de um livro, e da mão do seu autor, natural de Palermo. Por isso, nos fala da máfia, das injustiças, do crime e da vingança numa cidade “em que o caos é apenas um tipo diferente de ordem:  Neste mundo, há quem nasce presa e quem nasce caçador. É a natureza que decide onde você tem de se colocar, o resto é coerência”.

Mas fala-nos, sobretudo, de que na vida o importante são as opções e as escolhas que cada um faz. É, pois, natural, que o escritor se auto represente no protagonista, Frederico, um jovem rapaz que percebe uma inquietude diferente na alma.  “Por que todo aquele nascer todas as manhãs? Não tem resposta o rapaz para o qual as pétalas caídas de uma rosa doem mais do que os espinhos e que todas as manhas se olha no espelho como um náufrago. O rapaz tem 17 anos e a vida para inventar. 17 não promete boa ventura, até mesmo os atores são feios e não acreditam que vão ficar bonitos. O sangue é quente e, quando aperta o coração com força, obriga-nos a decidir o que fazer com ele”

Frederico -ou Alessandro, porque parece-me que são a mesma personagem, o livro se revela inevitavelmente auto biográfico- é sensível, artista, poeta. “Graças à minha paixão por Dostoievski, ganhei o apelido de idiota: meus amigos passaram a me chamar assim no dia em que falei do livro com o entusiasmo de um cdf durante a prova oral de italiano, porque nele está escrito que a beleza salva o mundo”. Sua defesa da literatura e dos clássicos é contundente, o que corresponde à formação do próprio autor. Eis um diálogo com um companheiro da escola:

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SERENATA PRATEADA

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Penny Serenade. Diretor: George Stevens. Cary Grant. Irene Dunne.    USA,  l94l. l25 min.

Quando um filme toca o coração remexendo com os sentimentos, o espectador -atingido na sua emoção- olha discretamente à sua volta para certificar-se que ninguém notou esta fraqueza. A crítica superficial qualifica o filme de lacrimogêneo. Cataloga-se e inclui-se a fita no rol “água com açúcar”. É destinado à sessão da tarde, e recomenda-se “aos amantes do gênero” para, naturalmente, assistirem com um lenço na mão. São os tempos que vivemos, onde as pessoas se envergonham de ter sentimentos. Nada mas ilógico, sendo o sentimento algo profundamente humano, a cuja volta circulam valores densos, genuinamente humanos também. Certamente os animais não se emocionam, mesmo que, paradoxalmente, os que se envergonham dos próprios sentimentos, procuram afoitos sentimentos nos irracionais.

         De um filme dos anos 40, com Irene Dunne no elenco podemos esperar, como realmente acontece, enxurrada de emoções. “Serenata Prateada” é narrado em “flash-back” sucessivos, com mergulhos no passado, guiados por discos e temas musicais, como se de as páginas de um livro se tratasse. A ideia é original, embora se torne repetitiva. Mas o filme tem no seu conjunto, momentos memoráveis.

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DUMBO- Celebrando a diversidade e tirando o melhor das pessoas.

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Dumbo. Diretor: Tim Burton. Colin Farrell, Michael Keaton, Danny DeVito, Eva Green, Alan Arkin, Nico Parker, Finley Hobbins, Deobia Oparei. 111 min. USA, 2019.

Como já comentei neste espaço, descobri em mim mesmo uma peculiar sintonia com Tim Burton. Demoraram alguns anos, salpicados de surpresas por vezes bizarras, mas -é preciso reconhecer- também de momentos inesquecíveis: As histórias do Peixe Grande, com um Albert Finney em estado de graça; o visual pictórico sedutor de Big Eyes, e finalmente O Lar das Crianças Peculiares ensinaram-me a olhar para este diretor singular com especial respeito. Burton chega agora com um filme que, conforme li em algum lugar, sempre quis fazer: Dumbo. Parece que também ele, como o elefante voador, sente-se de algum modo “carta fora do baralho”.

O tema é conhecido graças à história que Disney contou-nos há muitas décadas. Naquela época, as crianças chegávamos facilmente às lágrimas vendo as desventuras do pequeno elefante rejeitado, e saíamos do cinema com um impagável bom sabor de boca, vendo ele remontar às alturas, triunfando em final feliz. Mas, nem as crianças -nem os adultos pelo que me recordo- tiravam outras consequências dessa amável fábula, vertida em desenhos animados.

No contexto burtoniano, a história reveste-se de recados profundos, de alto impacto. Não são mais desenhos, mas pessoas reais,  um elenco escolhido a dedo, atores que se encaixam no papel sob medida. Desde o dono do circo (Danny DeVito) até o malvado (Michael Keaton), passando pela trapezista recolhida nas ruas de Paris que é uma garota de coração doce (Eva Green, quem diria). E Colin Farrell, herói e aleijado da primeira guerra, pai das crianças que, como Dumbo, também perderam a mãe. E toda uma trupe de sonhadores sem rumo, gente díspar, aberrações circenses, para fazer a corte ao elefante que, turbinado por efeitos especiais, não deixa em nenhum momento de parecer real. É o olhar de Dumbo, cuidado e magnificamente desenhado, o que o torna real. Como acontecia com King Kong -os olhos do gorila que injetam humanidade no primata!- o filme fetiche daquele diretor (Peter Jackson) que desde os sete anos sonhou com refazer a versão própria dos amores de King Kong.

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Magdi Allan: “Vencer el Miedo”.

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Magdi Allan: “Vencer el Miedo”. Encuentro. Madrid (2008). 224 págs.

Importante testemunho deste periodista, hoje vice diretor del Corriere della Sera. Egito de nascimento, e muçulmano, fala do processo de integração radical do Islam, que deixou de ser um sistema laico para se transformar em fanatismo religioso mal entendido.

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Svetlana Aleksiévitch.  “Vozes de  Tchernóbil. A história oral do desastre nuclear”.

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Svetlana Aleksiévitch.  “Vozes de  Tchernóbil. A história oral do desastre nuclear”. Companhia das Letras. São Paulo. 2016. 384 págs.

A narrativa poderosa e impactante da escritora prêmio Nobel da Bielorrússia, protagoniza a leitura mensal e as reflexões da Tertúlia Literária . Escreve o livro em 2005, 20 anos depois da catástrofe, após recolher testemunhos multivariados dos envolvidos no desastre nuclear, que alinhava de modo magnífico -um exemplo notável de história oral- dando voz aos que não têm, imprimindo relevo e colorido humano sobre um evento cinza. Svetlana é de fato uma escritora que humaniza a história,  e nos faz chegar até a alma das personagens.

Assim descreve seu trabalho de garimpo recolhido nesta obra. “Passaram-se mais de 20 anos da catástrofe, mas até hoje persegue-me a mesma pergunta: do que tenho de dar testemunho? Do passado, ou do futuro? É tão fácil cair na banalidade, na banalidade do horror”.

E explica que o foco são, como sempre nas suas obras, as pessoas e não apenas os fatos: “Este livro não trata de Tchernóbil, mas do mundo de Tchernóbil. Sobre o tema escreveram-se milhares de páginas. Eu dedico-me à história omitida, às pegadas do nosso passo pela terra e pelo tempo. Escrevo recolhendo o quotidiano dos sentimentos, das palavras, da vida diária da alma. A vida quotidiana de gente corrente. Aqui tudo é extraordinário: as pessoas e as circunstâncias elevaram esse povo a uma nova condição. Tchernóbil para eles não é uma metáfora, mas sua casa. O nome do meu pais, um pequeno território perdido na Europa, do qual o mundo nunca tinha ouvido falar, começou a ressoar em todas as línguas, converteu-se no laboratório diabólico de Tchernóbil, e nós, os bielorrussos, nos convertemos no povo de Tchernóbil. Escrevi durante muitos anos este livro. Quase vinte. Encontrei-me com trabalhadores, científicos, médicos, soldados, evacuados, residentes ilegais em zonas proibidas. Com as pessoas para as que Tchernóbil representa o principal conteúdo da suas vidas. Reflexionávamos juntos, tinham pressa, temiam não chegar a tempo, e ainda não sabiam que o preço do seu testemunho era a vida”.

Mas os fatos e os números não estão ausentes: “Antes de Tchernóbil por cada 100 mil habitantes de Bielorrússia se produziam cerca de 82 doenças oncológicas. Hoje chegam a 6 mil. Quer dizer, multiplicaram-se por 74” . Embora o que de fato a seduz são as personagens, seus entrevistados: “Tropecei com muita gente boa: uma auxiliar de idade foi me preparando: algumas doenças não se curam. Tens de sentar e acariciar a mão. As mucosas caiam em capas. Chagas que foram crescendo. Mas tudo nele era tão meu, tão querido”.

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Caminhos para a Criatividade

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Kevin Ashton: “How to fly a horse. The secret history of creation, invention and discovery”.  Anchor Books Edition. Penguin Random House. N York. 2015. 314 pgs.

Um amigo me emprestou este livro há alguns meses, mas teve de sofrer a quarentena necessária na estante, em função das pendências -sempre muitas, mais das que o tempo comporta. Coloquei-o  na mala de mão na hora de pegar um voo para Itália, onde tinha agendado compromissos acadêmicos, conferências e congressos, que os anfitriões denominaram “Il Giro Umanístico”. Acabei lendo aos trancos e barrancos durante o itinerário,  entre multidão de imprevistos e deslocamentos em trens,  onde a criatividade teve de ser necessariamente exercitada.

O contexto ajudou-me a perceber o grande recado deste livro: criatividade não é mágica, mas trabalho mesmo. Pegar no batente. O autor desmitifica o gênio criativo, e credita os resultados ao trabalho. Criação não é algo extraordinário, embora as vezes o sejam as consequências. Criar é humano e todos podemos fazê-lo. Pensar que somente os gênios criam, é falácia. O trabalho é mesmo a alma da criação. Levantar-se cedo, chegar tarde à casa, sacrificando lazer e por vezes férias , revisando e revendo, as rotinas diárias, sentar na frente do papel sem saber o que vamos escrever.

Um livro saturado de histórias a modo de exemplos de criação. Não histórias de gênios,  mas de gente trabalhadora e persistente. Na história da humanidade sempre houve criação, e registrou-se como algo normal. Mas apenas a partir do Renascimento é que se começou a conferir crédito aos “criadores”. Por isso, talvez, Gutemberg é mais conhecido do que o criador da roda, ou dos moinhos de vento que, convenhamos, tiveram um impacto pelo menos equivalente. Neste contexto, o autor recorda que a educação moderna enfatiza a importância que deve se dar à criatividade nas crianças, e neste ponto não perde a chance de lembrar desse grande educador –Ken Robinson– de quem já falamos neste espaço.

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Tim Harford. “El economista camuflado.”

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(The Undercover Economist). Temas de Hoy. Madrid (2007). 320 págs.

Um Best Seller de leitura relativamente fácil e amena. Trabalha com conceitos básicos da economia e mostra como podem ser úteis para construir uma sociedade melhor. Assim, a escassez que gera a oportunidade, os livres mercados –que não causam pobreza, mas provocam excelência- os custos marginais, a informação privilegiada que faz com que uns levem vantagem sobre outros, a falta de paciência dos investidores da bolsa, os caminhos para um país sair da pobreza, são temas que o autor aborda com  simplicidade, em linguagem coloquial.

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Gustave Flaubert: “Madame Bovary”

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Gustave Flaubert: “Madame Bovary”. Unidad Editorial. Madrid 1999. 320 págs. (tradução de Carmen Martín Gaite).

Image result for Gustave Flaubert: “Madame Bovary”Por algum motivo que não alcanço a lembrar -talvez a sugestão de um dos participantes da Tertúlia Literária, associado ao contraste com a última personagem feminina comentada neste cenário (Joana D’Arc)- a leitura mensal nos leva até o obra de Flaubert. Clássica e polêmica na sua época, valeu-lhe processos e proibições por conta de um argumento que hoje não destoaria de uma sessão da tarde na TV.

Leio um exemplar da versão espanhola (comprada por 1 Euro numa rua de Madrid), ciente de ser uma boa tradução do original, por conta de uma escritora destacada. Não lidamos com um simples tradutor; mas com um literato vertendo ao seu idioma a prosa de Flaubert. Eu traduzo para o português, com inegáveis perdas de efeito e de elegância semântica.

A saga de Emma, que toma o nome do seu marido Charles Bovary é, no dizer dos participantes da tertúlia, um ensaio multicolorido sobre a insatisfação humana -nunca estamos bem com o que temos, o quintal do vizinho é sempre melhor. Para outros, com palavras de um comentador afamado, é mesmo um estudo sobre a estupidez humana, aquela que se decorre de não valorizar o que temos na mão, da falta de gratidão, que  leva a sucumbir aos espasmos dos desejos sem forma nem propósito.

Eis a radiografia da protagonista na prosa de Flaubert: “Emma, habituada ao sossego da vida, sentia-se atraída por contraste pelos aspectos turbulentos. Se gostava do mar, era pelas tempestades; e apreciava o verde do campo somente quando aparecia entre as ruínas. Precisava extrair das coisas uma espécie de proveito pessoal, e rejeitava por inútil tudo quanto não contribuía ao consumo fulminante do seu coração, e sendo como era de condição mais sentimental do que artística, preferia as emoções às paisagens (…) Com as leituras acontecia-lhe o mesmo que com os labores domésticos; mal começavam, amontoavam-se com outras dentro do armário. Pegava nelas, as deixava, começava uma nova”. Enquanto lia esta descrição da veleidade total de Emma, veio à memória aquela outra de Tess, a personagem do romance de Thomas Hardy:  “um vaso de emoções sem o conteúdo da experiência”. Quer dizer uma antena parabólica que capta toda e qualquer emoção no ambiente, mas é incapaz de processá-las.

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