G. K. Chesterton: “ O homem que foi Quinta Feira”. (Um pesadelo). 

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G. K. Chesterton: “ O homem que foi Quinta Feira”. (Um pesadelo). 

Círculo do Livro. São Paulo. 1973. 196 págs..

Ler Chesterton sempre traz surpresas. Foi esse o pensamento que veio à minha mente logo no início da nossa reunião mensal de pensadores na Tertúlia Literária. Surpresas porque, sendo o livro o mesmo, os comentários dos assistentes pareciam indicar terem lido livros diferentes. Como alguém apontou sabiamente, este é um livro que se pode ler em diferentes camadas, em planos diversos. Este -pensei- e muitos outros livros, não só do escritor inglês, mas da diversidade literária que temos à nossa disposição. Bem dizia Fernando Pessoa, que o que vemos não é o que vemos, mas o que somos.

Literatura infanto juvenil, disse alguém; uma novela de detectives, repleta de humor. Houve até quem deu risada sozinho, por conta da conhecida ironia do autor. “Estas mulheres modernas consentiam em regalar um homem com a inusitada cortesia jamais recebida por ele de uma mulher comum: a de escutá-lo enquanto está falando”. Ou este outro momento: “Uma praça que parece tão exótica, e nunca se saberá se é seu aspecto estrangeiro que seduz os estrangeiros ou se são os estrangeiros que lhe dão semelhante aspecto”.

Ironia e paradoxos, que é a praia de Chesterton, uma modalidade de disputa clássica entre os britânicos cultos. “Aquele rapaz de cabelos compridos e vermelhos e de feições impudentes não havia de ser necessariamente um poeta, mas era irrefutavelmente um poeta. Aquele cavalheiro idoso, de barba branca  enxovalhada e de chapéu também branco, não havia de ser obrigatoriamente um filósofo, mas, no mínimo, devia fornecer motivos à filosofia alheia. Aquele cavalheiro científico, calvo como um ovo, de pescoço pelado como o de uma ave, não fazia jus aos ares de cientista…..mas poderia, por acaso, ter descoberto um espécime biológico mais raro do que sua pessoa?”.Leia mais

ZENA HITZ 

Pablo González Blasco Colaboradores Leave a Comment


“LAS RESPUESTAS DE LA RAZÓN DEBEN SATISFACER AL CORAZÓN”.

Zena Hitz es filósofa y enseña Ciencias y Literatura en el St. John’s College de Annapolis (Maryland, Estados Unidos). Estudió Clásicas en Cambridge y se doctoró en Princeton en 2005. Es especialista en Aristóteles, las virtudes, el carácter, la ética, su política, las personas, el fondo de nuestro armario y la acción humana con repercusión social en sus 360 grados. Es conocida por su defensa pública del autoaprendizaje y la educación liberal.

Friedrich Durrenmatt: “A Suspeita”.

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Friedrich Durrenmatt: “A Suspeita”. Círculo do Livro. 1975. 157 págs.

Quando publiquei um comentário sobre a obra clássica de teatro deste mesmo autor, A Visita da Velha Senhora, além de uma amável resposta, ganhei este livro de uma colega: “É prosa, mas o miolo ético é o mesmo. Vás gostar”. Coloquei na estante, esperando o momento. Porque os livros tem o seu momento, a ocasião que sintoniza com nosso estado de ânimo, com as disposições e com as muitas coisas que baralhamos na cabeça. Quem tem o hábito de ler, sabe disso.

Há livros que se adquirem para ler de bate pronto; outros tem de esperar, alguns se interrompem para depois retomar sua leitura, outros nos olham desde a estante, e até parece que nos interrogam para saber quando chegará o seu momento. Nem sempre sabemos responder, os planos de leitura que fazemos com o acervo de que dispomos são frequentemente mudados. Mas, isso sim, olhamos para todos eles com carinho entranhável, deixando-os amadurecer -talvez amadurecer nós mesmos, como diria Borges- até que surge a faísca, o arco voltaico que faz com que o retiremos da prateleira e o coloquemos em baixo do braço. Não, não é amor a primeira vista, mas amor maduro que embrulha eles -os livros- e nós nas circunstâncias que nesse momento nos rodeiam.

Não lembro quais foram as que cercaram este breve romance do escritor suíço. Talvez a fácil portabilidade do livro, pequeno, numa semana que previa viagens de Uber e algumas esperas. Penso que confessar isso com franqueza, não desmerece a obra; na verdade, faz parte do momento, pois escolher o livro certo na ocasião errada rende péssimos dividendos.Leia mais

A Mula- Do Arrependimento e do Perdão: A Sabedoria que decanta com os anos.

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The Mule. Diretor: Clint Eastwood. Clint Eastwood, Taissa Farmiga, Bradley Cooper, Michael Peña, Laurence Fishburne, Dianne Wiest, Andy Garcia, Alison Eastwood. 2018. 116 min.

A estas alturas não é nenhuma novidade confessar que admiro Clint Eastwood. Sou fã de carteirinha. Quando alguém se atreve a pensar que já acabou a carreira -eu nunca pensei, acho que só para no túmulo- nos surpreende com um novo filme. A maioria dos últimos na direção (Sully, 15:17 Trem para Paris, Além da Vida, Invictus), embora não  consegue se afastar completamente das telas (Gran Torino, As Curvas da Vida) ou mesmo em papeis sem créditos, como o grande mestre Hitchcock (Snipper Americano).  Chegou a dizer que estava muito velho para os papeis, o mesmo motivo que levou Woody Allen a abrir mão do protagonismo naquela fita encantadora,  Meia Noite em Paris.

Mas agora, Ator e Diretor  juntam-se para uma atuação que  transcende o celuloide. Com 88 anos o velho cowboy da Califórnia , trôpego mas sem perder o charme, reaparece para confessar os erros da vida. Cultivador de lírios, rodeado de flores e de cargas de cocaína que lhe caem no colo, Clint enfrenta um papel que, antes ou depois, todos temos que aprender a desempenhar. Reconhecer os equívocos, pedir perdão, ter a humildade de suplicar o indulto e colocar as prioridades esquecidas no lugar adequado. Convoca um um elenco de luxo -Andy Garcia, Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Dianne Wiest- como testemunhas e, no primeiro plano, a filha dele, Alison Eastwood, nascida da primeira mulher após 15 anos, enquanto nesse meio tempo ia montando outras famílias por ai.

Clint é Earl Stone, um nonagenário decadente que, após dilapidar os seus bens -a venda de flores pela internet atropela os velhos cultivadores- tropeça sem querer com um bico de entregas patrocinado por um cartel de drogas. Um velho convertido numa espécie de motoboy, amealha dinheiro polpudo por conta das corridas, começa a cair a ficha -não porque não tem o que comer, mas porque lhe sobre e pode ajudar  muitos- e recupera as prioridades. Um filho pródigo ao contrário, mas com os mesmos efeitos saudáveis do arrependimento. Leia mais

Sebastian Barry: “Os Escritos Secretos”.

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Sebastian Barry: “Os Escritos Secretos”. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 2013. 348 págs.

A tertúlia literária traz sempre surpresas. Há algumas semanas, uma das assistentes ao nosso fórum de pensadores, presenteou-me com este livro. “Talvez possa servir para nossas discussões. Eu gostei muito”. Agradeci, guardei o livro e, pouco depois mergulhei na leitura dos escritos secretos.

Um cenário muito bem construído, uma anciã de quase 100 anos, resgatando a própria memória, enquanto esculpe sua história de vida. Escreve no papel, mas esculpe na alma -na própria e na do leitor- pois é na escrita onde se revela a verdade do vivido, embaçado pelo tempo e pelos sentimentos que agora, com o tempo, decantam com serenidade. “O terror e o sofrimento da minha história ocorreram porque, quando jovem, eu achava que os outros eram os autores da minha felicidade ou do meu infortúnio”.

Este fato, embora simples e conhecido, nunca será suficientemente ressaltado, porque o esquecemos com enorme frequência: escrever o que se passa conosco clarifica a realidade, facilita a compreensão. E isso tem uma aplicação de amplo espectro: desde os diários que confeccionavam nossas avós, até fazer uma lista dos problemas que nos afligem e que parece se dissolvem e perdem importância quando estampados no papel. Como dizia um amigo professor: quando falamos nos tornamos claros para os outros, mas na hora de escrever, nos fazemos claros para nos mesmos!Leia mais

FILME-FAMÍLIA: UMA FESTA A SER RECONQUISTADA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

Definir filme-família, nos dias que correm não é fácil. A presença de três ou quatro aparelhos de televisão em cada lar é um argumento quase definitivo sobre a impossibilidade de existir um programa que a todos satisfaça. Se, como vai sendo frequente, o televisor é incrementado com respectivos vídeos, DVDs e TV a cabo,  a situação piora. E se os usuários assistem – assistem?, engolem talvez- filmes por atacado, tornam-se remotíssimas as possibilidades de um comum acordo. É mesmo difícil tentar explicar o que seria um filme-família. Talvez consigamos intuí-lo. Vamos lá.

            Domingo à tarde, acabou o almoço. Pode ser na casa da vovó para maior comodidade da mãe de família. Afinal, as avós estão para isso mesmo; além do mais tem a empregada que está trabalhando 30 anos com a família e cuidou da mamãe quando criança. Tudo bem, a louça é com ela. Vamos ao cinema. É todo um evento já anunciado desde o começo da semana. Até nos distraímos em alguma aula pensando no cinema que papai prometeu para o domingo.

            A família sai. O menor ainda tem tempo de apanhar alguns bombons no local secreto onde vovó guarda os doces. Enfia-os no bolso, para comer no cinema: sabem melhor. O tempo ajuda: está garoando e até esfriou. Chegamos ao cinema. Começa o filme. Mamãe já falou tanto deste filme…É, porque o filme-família nunca é desconhecido para todos. Sempre alguém já o viu – faz muitos anos!!, diz- e o recomenda porque…bem, porque é bonito, é ótimo. Não sabe dizer por que é bonito; lembra da sensação que teve quando assistiu. Será parecida com a nossa que o vemos por primeira vez? Não, não é.

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Filmes fantásticos: Destilando valores dos fotogramas de ficção.

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Filmes fantásticos: Destilando valores dos fotogramas de ficção.

Aquaman. (Aquaman) Diretor: James Wan. Jason Momoa, Amber Heard, Nicole Kidman, Patrick Wilson, Dolph Lundgren, Willem Dafoe, Graham McTavish, 143 min. 2018.

Máquinas Mortais (Mortal Engines). Diretor: Christian Rivers. Roteiro: Peter Jackson. Hera Hilmar, Robert Sheehan, Hugo Weaving, Jihae, Ronan Raftery, Leila George, Patrick Malahide, Stephen Lang. Duración: 128 min. 2018.

Pantera Negra  (Black Panther). Diretor: Ryan Coogler.  Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Angela Bassett, Forest Whitaker, Andy Serkis, Florence Kasumba. 144 min. 2018.

Ao longo das últimas semanas, foram entrando no meu radar alguns filmes diferentes daqueles que costumo comentar. Nem saberia dizer por quê: fantasias na tela, comics que viram filmes (comics com os quais não estou familiarizado, diga-se de passagem), super-heróis. Não posso dizer que nada sabia deles pois alguma dica tinha me chegado: uma candidatura ao Oscar acompanhada de alta bilheteria, a realização bem conseguida de um Comic clássico….e um diretor que está sempre na minha lista de gente séria no comando de mais uma das suas ficções.

O fato é que, entre um filme “oficial” e outro, acabei assistindo estes três….e gostei. Não somente gostei, mas senti o impulso de filosofar em cima deles, de dar corda ao pensamento vital, de tirar conclusões para a vida. Parei, e refleti: não tem como fugir, meu caro. Você pensava que estava assistindo alguma coisa para relaxar…..e eis que estás aqui escrevendo, espremendo as cenas e os diálogos, enfim, destilando valores desses fotogramas de ficção. E todos juntos, ao mesmo tempo, porque a imaginação que é obrigada a voar durante a projeção, atua como batedeira que mistura em saborosa combinação, este mousse de pensamentos, uma mélange de considerações que se traduzem em atitudes perante os desafios que nos cercam. Para isso servem as histórias, e os heróis: para educar-nos na pedagogia do exemplo. Os gregos que o digam.

Uma saga mitológica leva-nos até Aquaman, o herói entre dois mundos, com dupla cidadania oficial, produzido por conta do amor -essa força que une os mundos, e que agora novamente estão separados. Enfrentados, em obstinado antagonismo. Não é fácil ser herói, o ônus é  tremendo,  os superpoderes estão sempre   no limite, entre o possível e a missão a cumprir. Parece que a conta não fecha. E o herói, que não gostaria de sê-lo, quer viver a sua vida, tirar férias, mas não consegue. Lembrei dos comentários que fiz num dos enormes filmes de Batman a este respeito: o herói sem direito a férias.

E também veio à mente uma instigante consideração que li recentemente num magnífico livro de Julián Marías, filósofo espanhol, discípulo de Ortega falando da missão de cada um: “A vida se move entre dois elementos que não se escolhem: um deles é a circunstância que nos é imposta, com a qual nos deparamos, querendo ou não; o outro é a vocação, que não nos é imposta, porque frente a ela somos livres, mas nos é proposta, e se somos infiéis a ela, uma vez que a descobrimos, a consequência é a inautenticidade, a falsidade da nossa vida”. Um belo corolário do postulado Orteguiano “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. Frase muito citada, mas a maior parte das vezes de modo incompleto, pois a frase continua “…. e se não salvo ela (a circunstância) eu também não me salvo”.  Coloca-se frequentemente a circunstância como uma desculpa, e não como um desafio que é preciso salvar, redimir. Por isso acrescenta Ortega: “Temos que buscar para nossa circunstância o que tem de peculiaridade, o lugar acertado na imensa perspectiva do mundo. Não nos deter diante dos valores fixos, mas conquistar na nossa vida individual o local oportuno entre eles. Em resumo: a reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem”.Leia mais

Dante Gallian: “A literatura como remédio. Os clássicos e a saúde da alma”.

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Dante Gallian: “A literatura como remédio. Os clássicos e a saúde da alma”. Martin Claret . São Paulo. 2017. 212 págs.

O autor -grande amigo de muitos anos, parceiro em empreitadas humanistas na área da saúde- fez-me chegar um exemplar desta sua obra recente. “Veja se consegues comentar alguma coisa….”. O desafio não é comentar, mas tentar resumir uma experiência humanizadora -que chega em formato de livro- em algumas linhas.

Não é o primeiro amigo que me envia um livro da sua autoria esperando minha opinião. Entendo que é muito mais pela amizade do que por um possível oráculo para validar seu trabalho. Mesmo com essa consciência, obrigo-me a ler com atenção, tomando notas, por uma questão de justiça para corresponder à confiança depositada. E me vem á mente um comentário que Gregorio Marañón aponta no primeiro volume das suas Obras Completas, dedicado integralmente aos Prefácios que ele escreveu para livros de diversos autores. “Chega um momento na vida em que a gente somente consegue ler os livros que vai prefaciar”. Não é o meu caso, mas reconheço que os livros dos amigos e conhecidos vão tomando espaço nos meus escritos, o que muito me honra, ao tempo que também decide as prioridades do que podemos ler e escrever.

A apresentação do livro do Professor Dante, por conta de Leandro Karnal, é um aperitivo necessário antes de mergulhar na obra. Lá se adverte que o intuito do livro é mostrar como o uso da leitura dos clássicos serve para refletir socraticamente, conhecer-se e transformar o todo. “Literatura é remédio e resistência. Remédio porque nos restitui a saúde da reflexão; resistência porque é um bastião contra o senso comum, um ato revolucionário, um transformador”.

O autor nos centra no tema, logo no início do livro: A leitura é de fato um remédio antigo, inventado na aurora da humanidade, por vezes esquecido, sempre possível de se resgatar. Esquecido, porque as demandas da vida -o que parece importante, sendo talvez apenas urgente ou nem isso- nos afasta deste fortificante da alma. A literatura dota o homem moderno de uma visão que o leva para além das restrições da vida cotidiana.  Nos liberta de nossas maneiras convencionais de pensar a vida -a nossa e a dos outros….nos conduzirá a querer mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará mais sensíveis e mais sábios, em uma palavra, melhores.Leia mais

De olho no Oscar 2019: Pinceladas de um quadro impressionista.

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De olho no Oscar 2019:

Pinceladas de um quadro impressionista

faz quase 30 anos, ganhei de um paciente que sabia dos meus gostos cinematográficos, um livro sobre a história dos Oscar. “And the winner is…..Os Bastidores do Oscar”. Aqui está do meu lado, na biblioteca do consultório.

Na época, debrucei-me sobre ele, rememorei grandes filmes, fui atrás de outros que não conhecia mas que tinham sido marcados com o que, naquele tempo, era um aval de qualidade, uma espécie de ISO do Cinema. Mesmo assim, circulavam as histórias daqueles que nunca ligaram muito para o Oscar. Humphrey Bogart que dizia ser o Oscar uma palhaçada, Marlon Brando que mandou uma índia recolher o dele, Woody Allen que tinha compromisso para tocar clarinete na banda de jazz as segundas feiras e nunca comparecia na festa do Oscar (que antigamente era na segunda à noite).

Os tempos mudaram e o Oscar hoje cada vez quer dizer menos, ou quase nada. Qualidade e valores são algo periférico, diante das pressões por conta de ideologias, quotas, designs politicamente corretos, e outros conchavos que desconhecemos. Mas existem. A academia, The Academy, não é o Olimpo dos Deuses, nem muito menos. São muitos os interesses criados, a força das produtoras que são quem corta o bacalhau. Mais está para um sindicato; e embora não se apresente com macacões ou roupa de briga, e sim com vestidos de marca, os que vivemos tempos de governos sindicais conhecemos bem o que há por trás dessa perfumaria fashion. Passadas algumas décadas, dou cada vez mais razão aos inconformados do Oscar que apareciam naquele livro.

No entanto, os holofotes continuam se voltando sobre a estatueta -parecida com um tio de Betty Davis, reza uma lenda- , as pessoas querem saber, e muitos perguntam o que eu tenho a dizer de tudo isto. Não é que a minha opinião seja avalizada -longe dos críticos de plantão, ou das artimanhas da academia- mas como estamos em atmosfera de livre opinião, diria que meu olhar sobre o Oscar é mais um. Caso sirvam as linhas rascunhadas para guiar-se nesse labirinto fílmico, não perder tempo com inutilidades, e levar algo substancial para casa, aí está o meu resumo. Nada sistemático, pinceladas de um quadro impressionista, como costumo dizer quando esboço ideias, para que cada um construa os próprios contornos.

Gostei muito de Green Book: O guia. Uma história bem contada pelo filho do motorista italiano Vallelonga, por tanto inspirada em fatos reais.  Atores com presença, óleo e água, não há como misturá-los, mas um aprende do outro. O tempo todo. E se enriquecem. Lembrou-me, em alguma maneira, aquele agradável filme francês, Intouchables, onde se recrutam os recursos humanos não pelo curriculum do já realizado, mas pelas possibilidades que a pessoa encerra, pelo que é capaz de fazer. Toda uma arte e um imenso recado para os departamentos de RH: aprender a descer do pedestal de quem julga baseado em parâmetros (muitas vezes inúteis, seja dito de passagem) para adivinhar as possibilidades do ser humano que bate à sua porta. E arriscar, e aprender com as surpresas.

Vice, outra história real, os bastidores do poder republicano na Casablanca em tempos de Bush Filho. Um Christian Bale enorme -como ator, e por conta dos 30 kg a mais- incarnando Dick Cheney. O melhor resumo do filme está no epígrafe de autor anônimo que surge nos primeiros fotogramas: “Cuidado com o homem tranquilo que observa enquanto os outros falam, e planeja enquanto os demais agem. Quando todos descansam, ele da o golpe”. Impossível não lembrar de Fouché, aquela figura cinza da revolução francesa, magistralmente biografada por Stefan Zweig. Personagens muito bem construídos, uma sinfonia de articulações políticas, e o duo principal Bale- Amy Adams roubando a cena, enchendo a tela. Temática complicada, politicamente incorreta, mas uma aula de interpretação. Um filme necessário.

Spike Lee chega com mais um filme da sua marca: Infiltrado na Klan.  Carregado de ironia -nada menos que um negro e um judeu articulando-se com a lendária organização racista. Toques de comédia, boas doses de suspense, e ótimas interpretações com destaque para Adam Driver, ator em clara ascensão profissional e de enorme versatilidade: transita desde Star Wars até o motorista poeta de Paterson.

 

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Gail Honeyman: “Eleanor Oliphant está muito bem”.

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Gail Honeyman: “Eleanor Oliphant está muito bem”. Fábrica 231. Rio de Janeiro, 2017. 350 págs.

Chega a nossa tertúlia literária esta obra debut da escritora escocesa. Algo tinha lido acerca deste romance que apontava ser um ensaio sobre relacionamento, e os mundos diferentes em que todos andamos mergulhados e nem sempre conseguimos enxergar.

A protagonista é uma mulher culta, formada em filologia, que trabalha no departamento de contabilidade de uma empresa, atrelada a uma rotina pessoal que ela mesma se impõe. Lembrou-me aquela personagem singular do filme Gênio Indomável, onde o brilhante garoto (Matt Damon) trabalha de faxineiro numa escola,  e resolve complicadas equações nos intervalos das aulas… sem ninguém ver. Talento guardado, sem riscos de se expor.

Eleanor é uma versão feminina do gênio indomável. “Ninguém esteve em meu apartamento este ano além de profissionais de serviço; não convidei voluntariamente outro ser humano a atravessar a porta , exceto para ler os medidores.  Você acha que isso é impossível, não é? Mas é verdade. Eu existo, não existo? Frequentemente parece que não estou aqui, que sou um produto e minha própria imaginação. Há dias em que me sinto conectada de modo tão leve à Terra que os fios que me prendem ao planeta são filamentos delgados fiados de açúcar. Uma forte lufada e vento poderia me desalojar completamente”.

Eleanor está confortável com a solidão ou, ao menos, sabe que não envolve o risco de relacionar-se com universos desconhecidos. “Algumas pessoas fracas temem a solidão. O que elas não conseguiam entender é que há algo realmente liberador nela; quando você percebe que não precisa de ninguém, pode cuidar de si mesmo. A questão é essa: é melhor cuidar apenas de si mesmo. Você não pode proteger outras pessoas, por mais que se esforce. Você tenta  não consegue, e seu mundo desmorona ao seu redor, queima e vira cinzas”.Leia mais