The 15:17 to Paris. Diretor: Clint Eastwood. Alek Skarlatos, Anthony Sadler, Spencer Stone. USA 2018. 94 min.
Quando li que Clint Eastwood estava fazendo um novo filme -antes de cumprir os 88, neste ano- não me surpreendeu. Ele só vai parar quando o enterrem. O amor ao cinema, a superação progressiva em qualidade, e o gosto pelas histórias que merecem ser desvendadas, fazem de Clint um trabalhador incansável. E de mim, confesso sem nenhuma vergonha, um fá incondicional do diretor Californiano.
Amor ao cinema, onde o gosto se vai refinando, e o fundo de valores substitui a ritmo fisiológico a toada dos primórdios que nos trazia o durão dos westerns spaghetti e o bronco Dirty Harry, o perseguidor implacável. Sim, tudo ao seu tempo, melhorando como o bom vinho, passando da pura ação para a direção, delineando os projetos.
Uma coleção de filmes e cenas associam-se na minha mente com os projetos de Clint que, por algum motivo, os considero de algum modo como meus. Aquela decolagem surpreendente com Os Imperdoáveis, os momentos inesquecíveis da dúvida romântica em As Pontes de Madison (quase um Casablanca moderno), as angústias éticas em Menina de Ouro, e as lições de liderança em Invictus, Cartas de Iwo Jima, A Troca. Nem sempre atuando, porque conhece os seus limites e, como diz Woody Allen, há papeis que eu ainda gostaria de fazer, mas a idade não permite. Mesmo assim, Eastwood encontra papeis que se encaixam no perfil octogenário -aliás, que somente se podem representar com essa idade- como Gran Torino e As Curvas da Vida.
Enquanto rascunho estas linhas vou apalpando o meu débito para com Clint, de quem emprestei cenas, dizeres e lições nas minhas aulas e conferências. Assim como me acontece com Spielberg, a quem já rendi tributo público em algumas atividades acadêmicas, reconhecendo em seu cinema uma trajetória de aprendizado em profissionalismo, em cumprimento do dever. Terei de pensar qual é o título que -por questão de justiça- colocarei quando decida juntar alguns dos muitos aprendizados que tive com Clint em um cenário acadêmico. Provavelmente será algo próximo de lições de liderança e superação. Mas esse é outro tema, que requer tempo e, principalmente, decisão. Não vou dizer que não tenho tempo -o que aparentemente é verdade- quando este homem continua fazendo filmes de impacto com 88 anos.
Maturidade, liderança serena, e nos últimos filmes, desvendar histórias. Lembro de ter lido -e comentado- que quando Eastwood ficou sabendo da façanha de Sully, o piloto que conseguiu pousar o avião no rio Hudson, não lhe deu maior importância. Imagino que ele, como um americano pleno até o último fio de cabelo, pensou que essa era a obrigação dele. Foi somente depois, quando Sully tem de responder um processo por não ter seguido os protocolos de emergência previstos, que Clint decide fazer o filme, desvendar a história. É como um advogado das causas heroicas que o mundo estúpido, anestesiado com processos e protocolos, se empenha em não reconhecer.
O trem das 15:17 para Paris, é outra variante do mesmo tema. Três amigos de Sacramento (Califórnia), evitam um massacre que poderia ter sido enorme por conta de um ativista islâmico, durante uma viagem de trem, de Amsterdam a Paris. O feito em si, não é nada espetacular, e as cenas do filme dentro do trem não são nenhum exemplo de heroísmo nem de suspense. Tudo muito habitual, com gente normal que procura ajudar. A pegada do filme é justamente essa: os heróis são gente comum, ou até abaixo do normal. Eastwood nos descreve com detalhes os bastidores da história: a amizade destas três personagens, os problemas que enfrentavam na escola por serem crianças que não se adaptavam, com déficit de atenção, criados apenas pelas mães, enfim, o que as avaliações de praxe faziam supor tratar-se de gente problemática, desencaixada. Isso é o coração do filme, o miolo; a viagem e o ato heroico, são apenas uma consequência, com poucos minutos de filmagem, refletindo o que foi na realidade: uma atitude rápida, conduzida sem nenhuma perícia especial -sem ações espetaculares nem agentes treinados. Mas eficaz, com resultados, que é o relevante.Leia mais