DESENCANTO
(Brief Encounter) Diretor: David Lean. Trevor Howard, Celia Johnson.
Inglaterra, 1946. 85 minutos.

O tempo faz envelhecer os filmes. A passagem dos anos vai desgastando-os como faz com as pessoas, no que tem de material, de orgânico. Somente não envelhece o espírito. Por isso os valores, ancorados no espírito, não envelhecem nunca; ficam, persistem, são eternos. A maioria dos filmes envelhece porque oferece ao tempo uma ampla superfície de erosão. São como a realidade orgânica de uma técnica que logo será obsoleta; as personagens são pouco reais, como de plástico, epidérmicas. O tempo não poupa o material e vai mumificando os filmes carentes de alma enquanto espalha cabelos brancos e rugas na face dos espectadores.
Existem filmes em que a densidade do espírito é tanta que o tempo atinge-os apenas na periferia, sem chegar perto do núcleo. Possuem intimidade, são filmes atemporais, fora do tempo, que é muito mais que dizer atuais. Filmes que contém um amontoado de vivências humanas, de paixões e instintos. Personagens que são encarnação de toda a gama psicológica de temperamentos, com defeitos e virtudes. Momentos de dúvida vital, de hesitação, de conflito interior. Existirá algo mais humano -animicamente humano- do que o conflito e a dúvida?

“Desencanto” é um destes filmes. Uma sequência de situações que, sendo corriqueira, entranha um profundo envolvimento psicológico, ao qual o espectador não é poupado. Lembranças envolvidas em fumaça de estação ferroviária e nos acordes -sempre atemporais- do segundo concerto para piano de Rachmaninoff. “Um encontro acidental na quinta feira; outro encontro e um almoço na semana seguinte. Depois o cinema. O que há de mais comum em tudo isto” -diz Alec (Trevor Howard). E, no entanto, “sabes o que aconteceu, não?” pergunta a Laura (Celia Johnson) que, confusa, abaixa o olhar.
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