SINTONIA DE AMOR
SINTONIA DE AMOR (Sleepless in Seattle) Diretor: Nora Ephron. Meg Ryan, Tom Hanks. USA 1993 101 min.
Os créditos desfilam na tela enquanto ouve-se, com nitidez, As time goes by e letreiros pipocam cintilantes. Um sabor Casablanca prepara o paladar e o ambiente perfuma-se com fragrâncias do romantismo eterno. A sintonia de amor traduz em linguagem nossa o drama que para os produtores era “O insone de Seattle”, molesta situação que repulsa fantasias. Até nos títulos gostamos de saborear os gomos de romantismo. Mas Sam perdeu o sono porque perdeu o motivo de viver: a esposa, mãe de um garoto, estopim da nossa história. O menino também não dorme, vai no vácuo do pai. E as vigílias infantis são, como tudo nas crianças, imaginativas, cheias de ocorrências. Por que não pedir uma nova mãe no programa da psiquiatra, conselheira sentimental dos carentes? Está armado o circuito para a nossa sintonia.
Estamos nas vésperas do Natal. Não se poupam ingredientes para tonificar nossa sintonia, que reclama a família como necessidade vital. Sem ela somos indigentes, parias da existência, a despeito de sucessos profissionais ou polpudas contas bancárias. Mercadoria rara esta da família, da família normal se entende. Algo simples, natural, aparentemente fácil mas, paradoxalmente, de difícil acerto hoje em dia. Os homens -pobres marionetes de uma cultura do prazer- estão despreparados para o desafio da família, e parece que lhes faltam recursos para a empreitada doméstica. Verdadeira aventura, em palavras de Chesterton, pois afinal escolhemos os amigos, os inimigos, mas não a família: essa nos vem dada, nascemos com destino assinado. E nesse palco temos de enfrentar a vida sem recorrer ao expediente, cômodo e mesquinho, de fugir.
Voltamos ao filme. O programa está no ar. A Psiquiatra coloca Sam na parede: “O que tinha sua mulher de especial?” O insone, absolutamente lúcido, responde com classe: “Quanto tempo temos de programa”. Bela esgrima de sentimentos. E a estocada que entra fundo: “Era uma multidão de pequenas coisas, milhões delas, que no conjunto significavam que tínhamos de ficar juntos. Fomos feitos um para o outro.” Não pude -nem quis, já que as associações nos enriquecem- evitar a lembrança de umas palavras que li numa entrevista de Franco Zefirelli, cineasta, artista, ourives do detalhe. Perguntava o jornalista sobre os motivos que estragam o amor. E Zefirelli, o homem da estética e dos pormenores respondia: “são estupidezes minúsculas, mal-entendidos diminutos, microscópicas preguiças que não se teve o valor de descobrir e de dizer, logo no início. É como o câncer: para salvar a saúde é preciso atacá-lo no começo”. Fechei o circuito desta nova sintonia, a das ideias, quando a voz de Sam produzia as primeiras interferências no coração de Annie, que gravitava, meio perdida, em outra frequência.
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