ACONTECEU  NAQUELA  NOITE

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

ACONTECEU  NAQUELA  NOITE.(It happened one night). Diretor: Frank Capra. Clark Gable, Claudette Colbert. USA 1934. 110 min.

Quando ainda adolescente pude ver na TV “Aconteceu naquela noite” nem sabia quem era Frank Capra. Lembro bem: foi num programa de Cine Clube, dentro de ciclo dedicado a Clark Gable, que também não conhecia. Somente de ouvir minha mãe falar e de que tinha qualquer relação com “E o vento levou” que eu não podia assistir por ser proibido para menores de l4 anos.

            Ficou-me uma sensação agradável e romântica, como costuma acontecer nesta idade com os filmes de amor. E isso sim, guardei bem a imagem do cobertor dependurado entre as duas camas, como “as muralhas de Jericó”. Parece-me recordar que até brinquei no dia seguinte com o colega que sentava na carteira vizinha no colégio. Brincadeira sadia, de garotos, que nada de maldade entreviam -porque aliás nada tinha de mau- nas “muralhas de Jericó”.

            Muitos anos depois, já tendo revisto o filme de Capra e admirado outras das suas produções, caiu em minhas mãos um livro desses que se publicam hoje, fabulosa reportagem gráfica dos filmes importantes de Hollywood. No capítulo “Romance” (estava escrito em Inglês) o autor introduzia o tema falando do filme de Capra, das muralhas de Jericó. E, perante a avalanche -assim o reconhecia- de erotismo, amor sexualizado, perguntava-se, não sem certa saudade, se não seria o caso de levantar novamente “outras muralhas de Jericó”, para contendo o assim chamado amor comercial, sexo fácil, recuperar o romantismo de outrora. O cinema de Frank Capra é repleto de valores. Mas deixaremos todos eles no tinteiro para apenas debruçar-nos sobre “Aconteceu naquela noite” e descobrir o romantismo perdido, que tanto lamentava o autor de “History of the Movies” (assim se chamava o livro em questão).

Leia mais

TÃO LONGE, TÃO PERTO

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

TÃO LONGE, TÃO PERTO. (In weiter Ferne, So nah!) Diretor: Wim Wenders. Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz. Alemanha 1993. 141 min

Um filme sobre anjos é sempre uma novidade, embora o tema dos anjos tenha certa atualidade, e até prestígio. Mais pelo esoterismo que o cerca do que propriamente pelos anjos como tais. Hoje se fala de anjos como nunca, e se desconhece, cada vez mais, a realidade da natureza angélica já que, para tentar aproximar-se dela, alguma noção de filosofia e de metafísica se deveria possuir. Os conhecimentos da moda não primam pelo cultivo dessas ciências; daí o contraste, os paradoxos do mundo que substitui a filosofia pelas sensações, o sentido religioso pelo paranormal.

De qualquer forma é uma surpresa agradável o filme do diretor alemão Wim Wenders. Não pretende, nem por aproximação, ser um tratado teológico sobre os anjos mas também não cai na ficção fácil, no subjetivismo. Trata-se de um ensaio sobre a transcendência, âmbito que reúne o que vai além da materialidade, da própria vida. Deste modo, os anjos, a própria alma humana, o desejo de eternidade, o bem e o mal, harmonizam-se no filme em natural convivência com as realidades terrestres.

Leia mais

SINTONIA DE AMOR

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

SINTONIA DE AMOR (Sleepless in Seattle) Diretor: Nora Ephron. Meg Ryan, Tom Hanks. USA 1993 101 min.

Os créditos desfilam na tela enquanto ouve-se, com nitidez, As time goes by e letreiros pipocam cintilantes. Um sabor Casablanca  prepara o paladar e o ambiente perfuma-se com fragrâncias do romantismo eterno. A sintonia de amor traduz em linguagem nossa o drama que para os produtores era “O insone de Seattle”, molesta situação que repulsa fantasias. Até nos títulos gostamos de saborear os gomos de romantismo. Mas Sam perdeu o sono porque perdeu o motivo de viver: a esposa, mãe de um garoto, estopim da nossa história. O menino também não dorme, vai no vácuo do pai. E as vigílias infantis são, como tudo nas crianças, imaginativas, cheias de ocorrências. Por que não pedir uma nova mãe no programa da psiquiatra, conselheira sentimental dos carentes? Está armado o circuito para a nossa sintonia.

            Estamos nas vésperas do Natal. Não se poupam ingredientes para tonificar nossa sintonia, que reclama a família como necessidade vital. Sem ela somos indigentes, parias da existência, a despeito de sucessos profissionais ou polpudas contas bancárias. Mercadoria rara esta da família, da família normal se entende. Algo simples, natural, aparentemente fácil mas, paradoxalmente,  de difícil acerto hoje em dia. Os homens -pobres marionetes de uma cultura do prazer- estão despreparados para o desafio da família, e parece que lhes faltam recursos para a empreitada doméstica. Verdadeira aventura, em palavras de Chesterton, pois afinal escolhemos os amigos, os inimigos, mas não a família: essa nos vem dada, nascemos com destino assinado. E nesse palco temos de enfrentar a vida sem recorrer ao expediente, cômodo e mesquinho, de fugir.

            Voltamos ao filme. O programa está no ar. A Psiquiatra coloca Sam na parede: “O que tinha sua mulher de especial?” O insone, absolutamente lúcido, responde com classe: “Quanto tempo temos de programa”. Bela esgrima de sentimentos. E a estocada que entra fundo: “Era uma multidão de pequenas coisas, milhões delas, que no conjunto significavam que tínhamos de ficar juntos. Fomos feitos um para o outro.” Não pude -nem quis, já que as associações nos enriquecem- evitar a lembrança de umas palavras que li numa entrevista de Franco Zefirelli, cineasta, artista, ourives do detalhe. Perguntava o jornalista sobre os motivos que estragam o amor. E Zefirelli, o homem da estética e dos pormenores respondia: “são estupidezes minúsculas, mal-entendidos diminutos, microscópicas preguiças que não se teve o valor de descobrir e de dizer, logo no início. É como o câncer: para salvar a saúde é preciso atacá-lo no começo”. Fechei o circuito desta nova sintonia, a das ideias, quando a voz de Sam produzia as primeiras interferências no coração de Annie, que gravitava, meio perdida, em outra frequência.

Leia mais

FORREST GUMP -O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Staff Filmes 3 Comments

(Forrest Gump). Diretor: Robert Zemeckis. Tom Hanks, Robin Wright, Gary Sinise, Sally Field. USA, l994. l40 min

A vida humana é um mosaico de paradoxos. Assistimos, neste final de século, a uma proliferação de aberrações, novo renascimento das paixões humanas de sempre, agora formatadas em linguagem atual e pajeadas pela multimídia.  Concomitantemente, o grito à procura da verdade, dos valores e da dignidade humana que encontra neles seu apoio consistente, ecoa de modo ininterrupto. O homem procura a verdade, o bem, a felicidade, no tempo  em que se sente envolvido pela sordidez do meio que ele mesmo criou.

             O cinema, que quando bom é vida, reflete esta procura; e também dá seus gritos de sobrevivência, reclamando para os homens valores mais altos. Atravessamos momentos carentes de simplicidade, de amor, de beleza e harmonia. E, vez por outra, nos chegam filmes como este que é todo ele um canto à simplicidade, uma apologia da virtude, de que fazer o bem compensa. A crítica, nem sempre justa, soube reconhecer a categoria de “Forrest Gump”, agraciando-o com os principais Oscar do ano. Na verdade, não há como não gostar deste filme. Gostar, todos gostam; explicar o atrativo requer algumas reflexões.

Leia mais

TUDO PELA VIDA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

(Passion Fish) Diretor: John Sayles. Mary McDonnell, Alfre Woodard. Angela Bassett. USA 1992. 130 min.

May-Alice é uma atriz de seriados de TV que, após um acidente, fica paraplégica. Chantelle é a enfermeira contratada para tomar conta de inválida. O filme decola neste contexto para manter-se 2 horas num “mano-a-mano” entre as duas mulheres. Revoltas e limitações, dificuldades e tragédias, miséria e magnanimidade, enfim, todo o espectro dos sentimentos humanos se sucedem num filme muito bem conduzido.

            “Se tiver problemas pessoais, neuroses, traumas, por favor não me conte, vá embora” -diz May-Alice. As personagens -e o espectador no vácuo delas- irão descobrindo ao longo do filme um velho ensinamento: o melhor modo de superar os próprios conflitos é cuidar dos problemas alheios. O homem problemático é, no fundo, um ser egocêntrico, que vive para seus dilemas e, por isso, acaba consumindo a vida sem vivê-la.

Leia mais

MINHA VIDA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

 MINHA VIDA (My life)   Diretor: Bruce Joel Rubin. Michael Keaton, Nicole Kidman, Hanig S. Ngor.  USA  1993. 102 min

O tema da morte, da morte certa, é sempre difícil de enfrentar: na vida e, em consequência, no cinema. Por outro lado, contar com um referencial fixo, final previsível, -a morte que se aproxima- confere novas perspectivas a uma vida em declínio. Alteram-se as hierarquias e prioridades, surgem sentimentos adormecidos, superam-se mágoas que no contexto carecem de importância, arrancam-se atitudes heroicas. Claro está que tudo depende do modo como encara a morte aquele que está envolvido no processo. Vale a pena lembrar, por exemplo, de Bette Davis em Vitória Amarga (Dark Victory, l939) para compreender como as pessoas mudam perante a morte que surge inexorável.

            A morte, como fato concreto, mesmo sendo um evento diário, torna-se único quando nos atinge. Acertado comentário o de Gustavo Corção, em suas Lições de Abismo sobre a surpresa que a morte concreta, do conhecido, provoca. Descreve que “o fenômeno mais trivial do universo, personalizado, toma proporções de maravilha. E todos -uma gente cansada de ir a Missas de sétimo dia- todos se admiravam do cadáver do Ferraz, como se estivessem a contemplar uma aurora boreal”

Leia mais

VEM DANÇAR COMIGO

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

VEM DANÇAR COMIGO.(Strictly Ballroom)  Diretor: Baz Luhrmann. Paul Mercurio, Tara Morice. Austrália 91991. 95 min.

O cinema australiano nos surpreende com esta fita que, sem grandes pretensões, torna-se um passatempo agradável, de excelente bom gosto e originalidade.

            O argumento é simples: um concurso de dança com ritmo “latino”. O objetivo: encontrar a parceira ideal para o grande campeão, garoto rebelde que inventa “passos novos” nas danças de salão, provocando o escândalo dos jurados tradicionais.

            Uma história de romantismo, que muito bem poderia ser a versão musical de Cinderela. Tudo embrulhado em continuas danças: boleros e rumbas, a clássica valsa, tangos e “passo dobles” formam o pano de fundo do filme que se assiste com agrado. Se a força dos musicais consiste em exprimir com canções o que com palavras resultaria pobre, em “Vem Dançar comigo” a magia do cinema vem servida em forma de dança.

Leia mais

ROMANCE DE OUTONO

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

ROMANCE DE OUTONO  (Used People) Diretor: Beeban Kidfron. Shirley MacLaine, Marcello Mastroianni. Jessica Tandy, Kathy Bates. USA 1992. 120 min.

A tradução do título original para a nossa língua não costuma ser das empreitadas mais felizes. E sempre que comento isto me vem à cabeça o exemplo fatídico: A Noviça Rebelde“, onde com apenas três palavras se consegue assassinar “a priori”, nos créditos, a imagem de um esplêndido musical cujo recado é falar da poesia e do poder que a música exerce sobre o coração humano.

Mas existem exceções. Romance de Outono é uma tradução adequada daquilo  que este filme encantador nos transmite. Muito melhor que o título original, Used people, já que em questões de amor e na vida, as pessoas não são descartáveis nem artigos de segunda mão. O amor é sempre jovem, ou melhor, é elemento remoçador. Quem é jovem tem capacidade de amar. O velho é tal, não pela idade cronológica, mas porque se aposentou no amor.

Romance de Outono é um filme bem conduzido, articulado sobre atores de primeira categoria. É simples no argumento, já que a temática, em si, não poderia ser complexa: uma espera de 23 anos para encontrar a mulher da sua vida. Uma espera serena, interior, um romantismo que muito tem do cavaleiro medieval que aguarda o momento oportuno para encontrar-se com sua dama. Espera que não paralisa mas que é ativa, ocupada, como os compassos de silêncio do instrumento que, mudo, aguarda o olhar do maestro para integrar-se na melodia da orquestra. Tudo tem seu tempo, sua harmonia. As precipitações somente produzem dissonâncias.

Leia mais

ETERNAMENTE JOVEM

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

ETERNAMENTE JOVEM (Forever Young). Diretor: Steve Miner. Mel Gibson, Elijah Wood, Jamie Lee Curtis USA 1992. 102 min.

O amor é forte como a morte, diz o Livro Sagrado. Lembrei destas palavras vendo Mel Gibson correr embaixo da chuva, querendo parar o tempo.

            Vivemos tempos de pragmatismo e o amor circula no mercado negro, de mão em mão. São apenas subprodutos amorosos, manuseados, com baixo teor de amor forte, com excesso de ganga. Tempos os nossos de desconfiança feroz, de levar vantagem, de toma lá dá cá. Fala-se muito de amor, e cada vez se desconhece mais o miolo dessa realidade, perdido numa selva de equívocos. Um lugar comum, ou -com perdão dos filósofos medievais- quase um  flatus vocis, que nos abeira da indiferença.

            As cenas de Eternamente Jovem nos falam de amor romântico e verdadeiro. De um amor que corre no contrarrelógio do tempo, e no contragosto dos sentimentos vigentes na moda. “Passe duas horas com quem você estaria uma eternidade”. São os outdoor da cidade anunciando a fita em lançamento. Tem seu encanto. Agradece-se uma lufada de romantismo, ar fresco, chuva de verão que ventile o ambiente abafado de egoísmo, de procura doentia do prazer.

Leia mais

O PRÍNCIPE DAS MARÉS

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

O PRÍNCIPE DAS MARÉS (The Prince of Tides) . Diretor:  Barbra Streisand . Nick Nolte, Barbra Streisand. USA 1991 132 min.

Neuroses e complexos estão na ordem do dia. Hoje, quem sabe mais do que nunca, porque carecemos de uma das melhores profilaxias: falar dos sentimentos, abrir o coração sabendo que alguém nos escuta e nos compreende. Não mudou a necessidade: mas hoje faltam “ouvidores”, e os poucos que há, esforçam-se o mínimo por compreender. Poucos são os privilegiados que têm quem lhes escute as mágoas com paciência, com um sorriso animador e aconchegante, ponto de partida para as correções necessárias.

As indigestões da vida requerem sua válvula de escape. A água parada fatalmente apodrece. Passar batido por emoções mal assimiladas -formigueiro de dúvidas e medos- sem ventilá-las, é perigosa bomba relógio. Algo assim como colocar uma rolha num vulcão, e viver num “faz de conta”, enquanto nas entranhas da personalidade vai se elaborando em silenciosa gestação o estouro inevitável. Erupção que será violenta ou muda mas, de qualquer modo, mutiladora. Essa costuma ser a origem dos traumas psíquicos que existem e se fazem notar, com maior ou menor virulência.

Barbra Streisand, atriz e diretora do filme, coloca a temática com felicidade, numa produção plasticamente bonita e de grande qualidade cinematográfica. Ajuda, sem dúvida, a interpretação muito acima da média de Nick Nolte. O príncipe das marés é uma obra bem trabalhada, cuidadosa nos detalhes, bom cinema. Sabe pôr à mostra o mundo interior do ser humano, com suas misérias e riquezas, sofrimentos e alegrias. Assim de complexo é o homem e confusos são os seus sentimentos. Somente as personagens de plástico -dessas que o cinema atual produz em série- carecem de problemas, porque não possuem interioridade, são ocos.

Leia mais