Emmanuel Carrère: Limónov

StaffLivros Leave a Comment

Epub Libre. 2015. 394 págs.

Publicado em Português por Sextante,  2012. 384 págs.

Releio o que eu mesmo tinha escrito a propósito de outra obra de Carrère, O Reino, antes de escrever estas linhas. E penso que se o tivesse lido antes de iniciar a curiosa biografia de Limónov, talvez teria desistido. Ou talvez não, porque é correto dar uma segunda oportunidade aos autores; mormente por que pensei tratar-se mais de um romance do que de uma biografia. Enganei-me.

Mas a culpa é toda minha, porque já tinha percebido na obra anterior, que Carrère mistura realidade com ficção. Que escreve de modo magnífico, com descrições precisas, saturadas de ironias, onde não poupa os aspectos toscos, grosseiros, de mal gosto, que encaixam doucement. Uma estética…..muito francesa, seja dito de passagem. E tudo isso embrulhado de uma cultura sobressaliente, com referências e citações que mostram o muito que o escritor já leu, e continua lendo. Como venha fazer uso desse cabedal para impulsionar a cultura -que deveria ser algo transitivo, que eleva os outros- ou simplesmente mostrar erudição (algo que permanece comigo, para demostrar o quanto eu sei das coisas) já é outra questão. E, tal como escrevi na resenha da obra anterior, mesmo não sendo um livro que eu recomende, merece algumas linhas, até para justificar a minha posição. E, sempre, aproveitar algo do que consegui extrair desta leitura.

No prefácio se adverte: “Limónov não é um personagem fictício. Isso existe e eu sei disso. Ambíguo, esquivo e bizarro, esse personagem fascinante e detestável em partes iguais, meio herói romântico e meio tolo abominável, é tão contraditório e desconcertante que se torna a essência de um romance por direito próprio e o protagonista desta narrativa esplêndida e surpreendente”.

Leia mais

Roman Krznaric: Como ser um bom ancestral. A arte de pensar o futuro num mundo imediatista

StaffLivros 2 Comments

Zahar. Companhia das Letras RJ. 2020. 349 págs.

Devo confessar que este livro não é o que eu pensava ser. Nem o livro, nem o autor. A provocação chegou-me de um comentário literário no jornal, anunciando que o escritor australiano presentaria o seu mais recente livro em S. Paulo, algo relativo a conhecer história para viver o presente e preparar o futuro. Lembrei do meu avó que comentava que um dos equívocos de Hitler foi não conhecer história, porque cometeu o mesmo erro de Napoleão, tentando invadir Rússia no inverno. Stalingrado foi, de algum modo, Borodino, com uma diferença de quase 150 anos. Esta lembrança, aliada a saber que o autor tinha trabalhado o tema de empatia -parece que até montou um museu sobre o assunto- fez com que me aventurasse a ler o livro.

Decepcionou-me. Lá onde pensava encontrar reflexões e conselhos de aplicação pessoal -como o comentário do meu avó, que não deixa de ser uma das partes da prudência, memória do passado- somente encontrei advertências de caráter global. Algo que o mortal comum pode observar, contemplar, lamentar-se, mas de difícil aplicação. É certo, que todo o livro está saturado de dados numerosos e de pesquisas notáveis, pois afinal, se autodenomina psicólogo social. E talvez foi a leitura da magnífica obra de outro psicólogo social, A Geração Ansiosa, que contém multidão de sugestões de aplicação prática e imediata, o que me desnorteou.

Depois de ler com calma a primeira parte do livro, e deparar-me com chamados a favor da sustentação do planeta, do aquecimento global, dos protestos ecológicos politicamente corretos -incluída a jovem sueca Greta, e seus desdobramentos- passei a ler em diagonal, para ver se encontrava algo de aplicação prática, quer dizer, qualquer coisa que eu pudesse viver para me tornar um bom ancestral e deixar um legado decente. Não consegui. E não porque as advertências de Krznaric não procedam ou sejam irrelevantes, mas porque um cidadão comum se pergunta como poderia colocar  tudo isso em prática. Se o título fosse, digamos, mais honesto (reflexões para construir um mundo melhor, por exemplo) talvez não teria lido o livro. Mas se a proposta é que você aprenda a ser um bom ancestral deixando um legado para  aqueles que virão após de você, parece-me muita areia para o meu caminhão. Aliás, para a maioria dos caminhões dos mortais comuns.

Leia mais

Harlan Coben: Não fale com estranhos.

StaffLivros Leave a Comment

Ed. Arqueiro. 2016. 304 págs.

Não costumo ir atrás do que se denomina leitura de evasão -romances policiais, thrillers, e variedades análogas- com duas exceções como ressalva: quando conheço o autor e sei que a leitura vai trazer reflexão além de evasão; e também quando algum amigo me recomenda um livro ou, como neste caso,  me entrega em mãos. Este ultimo foi o caso do presente romance.

Não conhecia o autor, mas basta uma pesquisa simples para ver que escreve romances situados na categoria de mistério. Casos policiais de toda índole: não resolvidos, acidentes, e por ai afora. Logicamente, o cinema transcreveu algumas das suas obras, assim como as plataformas de séries, que me parecem muito mais adequadas, pelo que consegui captar nesta leitura. Obviamente quem leu o livro, está dispensado de ver a série, porque o mistério está resolvido (ou não, depende do final). Um romance deste estilo não é uma obra de teatro, nem uma ópera,  por colocar um exemplo: o que importa é mesmo o mistério, muito mais do que a performance.

Dito isto, é pouco o que posso -ou devo- comentar do livro que me foi entregue. Atenho-me ao estilo sugestivo de Coben, com o intuito de fazer o que fizeram comigo: animar os possíveis leitoras para uma pausa de leitura de evasão. Um relax, que também depende do ânimo de quem lê, porque nem sempre um mistério é relaxante.

Leia mais

Jurado n. 2: Um mergulho provocativo na consciência. Na de cada um de nós!

Pablo González BlascoFilmes 3 Comments

Juror #2. Diretor: Clint Eastwood. Nicholas Hoult, Toni Collette, J.K. SimmonsAmy AquinoChris Messina, , Zoey Deutch, , Kiefer SutherlandLeslie BibbGabriel Basso. USA 2024. 114 min.

Clint Eastwood, com 94 anos, já transitou em muitos mundos. Cada vez mais humanos, mais densos. Um homem dessa idade, tem claras as suas prioridades e vai àquilo que realmente importa. O resto é descartável. E as prioridades deste que diz ser o seu último filme -isso nunca se sabe, mas a prudência lhe sugere sublinhar deste modo- é a consciência. Isso é o filme. Um passeio pelas consciências, de todas e cada uma das personagens. Um diálogo com a consciência de cada um . O policial, que é membro do Juri. O advogado de defesa. A promotora pública. O jurado número 2. E os coadjuvantes também. E quando sai de um diálogo com a consciência de um, passa para a consciência do outro. E obviamente, acaba entrando na consciência do expectador. Um filme superior, provocativo, impactante. Um filme necessário.

Gostei muito, não tanto pelo impacto fílmico -por chamá-lo de algum modo- mas pela densidade de conteúdo. E pelos desdobramentos, processo natural em qualquer filme que te faz pensar e, neste caso, te mergulha nos diálogos com a tua própria consciência. É bom esclarecer isto, porque é a grande pegada do filme. Quem quiser assistir um filme isento, digamos,  asséptico -daqueles que não te contaminam- certamente este não é uma boa opção. Agarra, sacode, mexe com o teu interior, transforma.

Nesse mergulho na própria consciência foram muitas as coisas que vieram à mente. Tantas que é preciso sentar e ordenar. Esse é o propósito destas linhas. E o primeiro que saltou na minha memória foi o Cardeal Newman, e o seu brinde famoso. Um dos biógrafos do humanista inglês recolhe o comentário dele:  “Se fosse obrigado a trazer um assunto de religião para um brinde após o jantar –coisa que nem sempre me parece conveniente- brindaria pelo Papa, se assim o desejam os comensais; mas, antes que pelo Papa brindaria pela consciência”. 

Leia mais

Robert Louis Stevenson: O Médico e o Monstro

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

L & PM Editores, Porto Alegre, 2011. 90 págs.

Volto sobre o clássico de Stevenson, porque ronda a minha cabeça um projeto desafiante: um curso de leitura -chamemos de grupo, tertúlia, tribo, ou seja qual for o nome- para jovens sobre como construir a identidade moral. E o tal curso -quem nem sei se sairá do papel- teria com base três clássicos que abordam a dualidade do homem. O bem e o mal, misturados na mesma pessoa. Aliás, o que todos somos, e o desafio permanente de saber-se conduzir no meio dessa forçosa divisão da nossa natureza humana.

Obviamente, lembrei de O Retrato de Dorian Gray, e fui consultar o que escrevi na época em que também pilotei um curso de Humanidades para universitários. Encontro o seguinte parágrafo que me parece oportuno, e me anima a seguir alinhavando as ideias: “Embora na condição de coordenador, na ausência de esta oportunidade, dificilmente teria voltado sobre livros já conhecidos, ou refletido cuidadosamente ao compasso de leitura e, certamente, não teria escrito sobre eles. Escrever torna claro para nós mesmos aquilo que aprendemos; é como liquido que revela, pacientemente, os contornos das ideias que a leitura deixa no fundo da alma. Revela e fixa, esculpe-as de algum modo, permite a sua digestão, e passam a fazer parte de nós mesmos”.

Também lembrei de outro clássico, O Visconde Partido ao Meio, que discutimos numa tertúlia literária, agora com gente mais vivida, vintage. Imaginei que estes três livros, relativamente curtos e de leitura fácil, poderiam ser uma boa pista de decolagem para as reflexões dos jovens que buscam construir sua própria identidade além do Instagram. Veremos se há adesão e colocamos o projeto em marcha

Leia mais

Jonathan Haidt: A Geração Ansiosa

StaffLivros 1 Comments

Companhia das Letras, SP, 2024, 440 págs.

Eis um livro necessário e imprescindível. Dou o recado de saída, porque aprendi com os meus amigos jornalistas e escritores que o mais importante da notícia tem que aparecer no primeiro parágrafo. E assim o faço para que conste e não se perca a mensagem principal, no meio dos muitos dados que, com esforço, tentarei resumir. Tarefa ingrata, porque contra o que se poderia pensar, este não é um livro de tese, de pensamento, simplesmente. É um livro que me atrevo a chamar de epidemiologia social. O autor -psicólogo social- não faz juízos de valor, mas contribui com dados, muitos, apoiados em pesquisas e trabalhos sérios que farão pensar  e muito. E, assim esperamos, farão tomar providencias: a cada um, aquelas que lhes cabe.

E a seguir, a tese central desta obra, copiada textualmente do autor: “A minha afirmação central neste livro é que estas duas tendências (superproteção no mundo real e subproteção no mundo virtual) são as principais razões pelas quais as crianças nascidas depois de 1995 se tornaram a geração ansiosa. Assim, embora os pais trabalhassem para eliminar o risco e a liberdade no mundo real, geralmente, e muitas vezes sem saber, concediam independência total no mundo virtual, em parte porque a maioria tinha dificuldade em compreender o que estava a acontecer ali, e muito menos em saber o que fazer. ou como restringi-lo”. O resumo que coloco a seguir é um desdobramento desta tese central, apoiada com inúmeros dados e referências (que omito, porque é preciso ler o livro, ter a experiência fenomenológica da leitura). Desdobramento que aponta as consequências desse desbalanço de proteção.

Anota Haidt: “Muitos pais ficaram aliviados ao descobrir que um smartphone ou tablet poderia manter uma criança ocupada e tranquila por horas. Isso era seguro? Ninguém sabia, mas como todo mundo estava fazendo isso, todos presumiram que estava tudo bem. Assim, a Geração Z se tornou a primeira geração na história a passar pela puberdade com um portal no bolso que os afastou das pessoas próximas e os levou para um universo alternativo que era excitante, viciante, instável e, como mostrarei, inadequado. para crianças e adolescentes. O sucesso social nesse universo exigiu que dedicassem grande parte da sua consciência – perpetuamente – à gestão do que se tornou a sua marca online. Isto era agora necessário para obter a aceitação dos pares, que é o oxigénio da adolescência, e para evitar a vergonha online, que é a ruína da adolescência”.

Leia mais

Mortimer J. Adler & Charles Van Doren: A ARTE DE LER.  Como adquirir uma educação liberal

StaffLivros 3 Comments

AGIR. São Paulo. 1954. 311 págs. Versão de LeLivros

Mortimer  Adler, grande leitor e professor conceituado, escreve este livro em 1930, quer dizer, quando as pessoas liam muito mais do que hoje. Ou pelo menos essa é a impressão que temos no quotidiano. Um livro para orientar as leituras daqueles que liam espontaneamente, ou por prescrição acadêmica. Não é um livro que estimule a ler, talvez até tudo o contrário. Pode trazer um efeito adverso, como se a leitura fosse uma empreitada para poucos. Para promover o gosto pela leitura, é mais recomendável o clássico de Pennac, Como um romance, que da todas as liberdades para que o leitor não se sinta engessado com regras e classificações.

Por que então estes comentários de um livro, digamos, aparentemente anacrónico? Na verdade, há conselhos que funcionam sempre, e podem ser de utilidade. Esse é o propósito destas linhas onde procuro recolher os melhores lances de Adler na sua obra clássica (uma delas, porque tem outras). E o primeiro nos chega no Prefácio, em forma que supera o tempo, em versão clássica:  “A leitura – como se explica (e se defende) neste livro – é um instrumento básico para bem viver. A leitura, repito, é um instrumento básico. Aqueles que utilizam para aprender nos livros e para se distrair com eles, possuem os tesouros do conhecimento. Podem ornar de tal modo sua inteligência que a perspectiva das horas solitárias se apresenta menos triste. Nem têm que temer, quando estão com os outros, aquele som oco das conversações vazias. Uma – embora não a única – justificativa da educação liberal (e este é um livro de educação liberal) é que ela nos enriquece. Faz-nos homens. Torna-nos capazes de levar a vida caracteristicamente humana da razão”.

Leia mais

Sócrates: o fenômeno pedagógico mais formidável da história do Ocidente

Pablo González BlascoLivros 1 Comments

El Problema Socrático . Págs. 575-664  in Werner Jaeger. Paideia: Los ideales de la Cultura Griega. Editor digital: eudaimov. ePub base r1.2

Tinham me convidado para uma reunião literária on line, tendo como base o livro clássico de Werner Jaeger, Paideia: Os ideais da Cultura Grega.  O livro é muito extenso, e não tendo tempo nesse momento, para enfrentar uma obra de mais de 1700 páginas, decidi optar pelo possível e mergulhei no capitulo sobre Sócrates. Foi uma decisão feliz, porque -embora sempre desconfiei e até falei disso- comprovei novamente que Sócrates é de uma atualidade absoluta, especialmente para os que estamos envolvidos nos temas da Educação Humanista. A frase do título, tirei-a deste capitulo, pois iluminou minha leitura desde o início.

Tomei notas das mais de 100 páginas desse capítulo, e agora tento alinhavá-las. Logo no início, Jaeger adverte o giro que Sócrates imprime à educação grega, um giro cuja atualidade persiste. Anota:  “Sócrates torna-se o guia de todo o Iluminismo e filosofia moderna; um apóstolo da liberdade moral, afastado de todos os dogmas e de todas as tradições, sem outro governo senão o da sua própria pessoa e obediente apenas aos ditames da voz interior da sua consciência. Ele é o evangelista da nova religião terrena e de um conceito de bem-aventurança acessível nesta vida através da força interior do homem e baseado não na graça, mas na tendência incessante para a perfeição do nosso próprio ser. Mas este culto não procurou deslocar o Cristianismo, mas sim infundir-lhe forças que naquela época eram consideradas indispensáveis (…) O que ele fez foi moralizar, intelectualizar a concepção trágica do mundo da Grécia antiga. É a ele que devemos atribuir todo o idealismo, o moralismo, o espiritualismo em que a Grécia dos tempos posteriores se refugiará espiritualmente. A luta travada por Nietzsche é, depois de muito tempo, a primeira indicação de que a antiga força atlética de Sócrates permanece ilesa e que o super-homem moderno não se sente tão ameaçado na sua segurança interior por nenhuma outra força”. Não é a toa que Nietzsche não apenas pregava a morte de Deus , como a do próprio Sócrates, que era um incômodo permanente para sua concepção do mundo.

Leia mais

Matt Haig: A Biblioteca da Meia-Noite

StaffLivros 3 Comments

Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2021. 250 págs.

Foi, inicialmente, a indicação de um amigo, grande leitor, que me fez escalar esta obra para a Tertúlia Literária no passado ano. As tertúlias pararam, mas a lista continuou ativa. E me aventurei com o livro que, depois, soube tinha feito sucesso entre gente jovem. Interessante isso -pensei- algo que toca a juventude. Nem que seja somente por isso vou ter que ler. Após os primeiros capítulos já senti por onde iam os tiros. Mas tendo feito a promessa de ir até o fim, continuei lendo para ver se minha hipótese de interpretação estava correta.

A protagonista absoluta -em versões variadas- é uma mulher jovem que incarna o sem sentido da vida. Assim descreve o autor: “Nora verificou suas redes sociais. Nenhuma mensagem, nenhum comentário, nenhum novo seguidor, nenhuma solicitação de amizade. Ela era antimatéria, com um toque de autopiedade (…) Nora só se definia à luz do que não era. Das coisas que não tinha conseguido ser. E, realmente, havia um bocado de coisas que ela não tinha sido. Os arrependimentos que viviam num looping eterno em sua mente. Não fui nadadora olímpica. Não fui glaciologista. Não fui mulher do Dan. Não fui mãe. Não fui vocalista dos Labyrinths. Não fui uma pessoa boa de verdade nem feliz de verdade. Não consegui tomar conta de Voltaire direito. E agora, por último, ela sequer tinha conseguido morrer. Era patético, sério, o número de possibilidades que ela havia desperdiçado.”

E o recado que vem da bibliotecária, que é a mentora de Nora nesta aventura possibilista, com livros verdes brilhantes, e prateleiras que se movem à sua volta: “Enquanto a Biblioteca da Meia-Noite estiver de pé, Nora, você será resguardada da morte. Agora, precisa decidir como quer viver”.

Leia mais

Étienne Gilson: El Amor a la Sabiduría

StaffLivros 2 Comments

AYSE. Caracas, Venezuela. 1974. 103 págs.

Eis outra obra que senti a necessidade de reler. Parece-me que peguei no embalo, porque estou desentocando livros que li há mais de três décadas, e que me impactaram. Este aqui, é um livro pequeno, 100 páginas, que reúne quatro conferencias de E. Gilson e que foi publicado em vários lugares. A edição que tinha na minha prateleira vem da Venezuela, o que me pareceu também simbólico, dado os momentos que esse pais está passando hoje. Um dos maiores filósofos do século passado, talvez quem melhor aprofundou no pensamento de Tomás de Aquino, em páginas impressas num pais onde o governo instituído não está precisamente alinhado com este amor à sabedoria.

Logo no início, Gilson confessa o motivo da sua admiração pelo mestre. “Se  me perguntassem  o principal exemplo que nosso mestre (Tomás de Aquino) nos deu, eu responderia: é o exemplo de uma vontade inabalável de saber, unida a um respeito intelectual absoluto pela verdade”. E a seguir, nessa sintonia, adentra-se nos caminhos que conduzem à sabedoria: “A erudição, portanto, não consiste primariamente na quantidade de conhecimento que um homem possui, mas na maneira como ele o possui; e como quero deixar-vos com esta ideia, dir-vos-ei imediatamente que um verdadeiro estudioso é essencialmente um homem cuja vida intelectual faz parte da sua vida moral; Em outras palavras, um estudioso é um homem que decidiu, de uma vez por todas, aplicar as exigências da sua consciência moral à sua vida intelectual”.

Quer dizer, a sabedoria não é apenas conhecer e saber, mas ser consequente com esse conhecimento, assimilá-lo, fazê-lo vida, pulsar do próprio coração. Continua Gilson: “A primeira virtude que é preciso se impor ao dar esse passo é a honestidade intelectual. A honestidade moral é, na sua essência, um respeito escrupuloso pelas regras da justiça; A honestidade intelectual é um respeito escrupuloso pela verdade”. Requer por tanto, serenidade, paciência. Não existem atalhos para crescer em sabedoria. É um equívoco o de aqueles que “não conseguem perceber que o esforço lento e paciente levará uma mente que sabe pouco a saber muito, e assim, no seu desespero para conseguir imediatamente o que querem, acabam abandonando completamente a tarefa”.

Leia mais