Terra das sombras
(Shadowlands) Diretor: Richard Attenborough. Anthony Hopkins, Debra Winger. Inglaterra 1994. 130 min.
O relacionamento de C.S. Lewis, professor de Oxford, solteirão intelectual, com a poetisa americana, Joy Gresham, de origem judia e convertida ao cristianismo, em parte pelas obras de Lewis, nos brinda um filme encantador, uma jóia cinematográfica apresentada com excelente bom gosto. Os l30 minutos da produção transcorrem sem cansar, como delicada melodia onde a plasticidade das imagens, belíssimas, se continua com a poesia de fundo e com o realismo das personagens, humanas, próximas do espectador.
“Terra das sombras” é a nossa terra, a nossa vida: sombras e luz, em contraste vital, de sofrimento, alegrias e amor. Tudo é compatível como também o são as luzes e sombras de uma pintura ou da fotografia artística. “Deus nos fala baixinho nos prazeres, conversa na nossa consciência, mas nos grita nas nossas dores; o sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo adormecido”. Uma história de solidariedade humana, de compaixão -padecer com alguém- de amor, temperada pelo sofrimento, ingrediente necessário na vida. “Querer excluir a possibilidade do sofrimento que a ordem da natureza e a existência do livre arbítrio envolvem, é excluir a própria vida”, nos diz Lewis em “O problema do sofrimento”.
A interpretação de Anthony Hopkins como o professor Lewis, e de Debra Winger, no papel de Joy, é simplesmente magnífica, de um realismo convincente. Por isso chega perto do espectador, reclama sua solidariedade, através das emoções, linguagem que todo ser humano entende. A dor, compreendida, assimilada, que é fator de amadurecimento no homem, preserva eficazmente o filme de cair em sentimentalismos superficiais.
A transformação que o professor experimenta quando a dor, que estudou e compreendeu filosoficamente, o atinge de cheio é um dos grandes recados do filme. Entender a teoria e pregá-la é uma coisa; diferente é sofrer a realidade, pois a vida assume um colorido diferente, tonificado pelo valor da experiência pessoal. Mas sofrimento não é revolta; é, deve ser, sempre, crescimento; um crescimento que não é indiferença, um não envolver-se afetivamente para não sentir depois a perda. Crescimento que é amor purificante, temperado, forte, que nos levanta como guindaste poderoso dos abismos da desesperação para conduzir-nos a destinos maiores, gloriosos.
O relacionamento de Lewis e Joy, no início amizade intelectual para continuar-se com um amor sofrido, traz consigo o aval da experiência real, a mesma que faz Lewis escrever: “Deus, como nós com os entes queridos, é também exigente e prefere ver-nos sofrer a ser felizes em estilos de vida desprezíveis e descuidados”. Joy, que protagonista do sofrimento incorpora toda a teoria do intelectual, adverte claramente: “Vou morrer e quero falar disso agora”. Lewis tira importância, foge da questão: “Eu me arrumo”. E a mulher, serena e forte, diz: “Não, arrumar-se não é suficiente. Pense que a dor que sentirá então, quando eu não estiver aqui, á parte da felicidade que sente agora. Esse é o trato”. Uma lição prática que enche de vitalismo o teórico problema da dor. Desse vitalismo tirará Lewis a inspiração para nos contar em “Uma pena em observação” como é na prática, o sentimento da dor, real, na própria carne.
Não é uma apologia do conformismo, ou do uso da religião como bálsamo superficial para as queimaduras que a dor provoca. Lewis chora e reza. “Por que rezas – pergunta o colega agnóstico- se isso não muda a Deus, não cambia o que Deus quer? ” E Lewis acena com a cabeça e responde: “De fato, rezar não muda a Deus mas me muda a mim!”. Todo o filme ergue-se como uma afirmação contundente: a de que o homem é feliz quando encontra a sabedoria divina que o conduz a bom termo. “Quando queremos ser outra coisa que não aquilo que Deus quer que sejamos, devemos estar desejando , de fato, aquilo que não nos fará felizes. Essas exigências -dirá Lewis- que, aos nossos ouvidos naturais, soam como desprezíveis, na verdade nos levam aonde deveríamos querer ir se soubéssemos o que queremos”.
Interrogantes meritórios, transcendentes, que são apresentados num filme belíssimo, numa história de amor maduro, desprendido, generoso; virtudes, todas elas, que são fruto de quem soube ganhar intimidade com o sofrimento que a vida lhe traz, sem medo, espremendo-se nas dificuldades, destilando a cada minuto as gotas da verdadeira sabedoria. Aquela que mostra ao homem o que deve querer, o que deve amar.
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Realmente Dr Pablo, sua crítica foi direto ao ponto. Sutileza, amor desprendido e aprendizado com a dor. Obrigada.