Alasdair MacIntyre: Edith Stein. Un prólogo filosófico (1913-1922)
Alasdair MacIntyre: Edith Stein. Un prólogo filosófico (1913-1922) Ed. Nuevo Inicio. Granada (2008). 328 págs.
O filósofo escocês nos oferece um belo ensaio sobre a trajetória filosófica de Edith Stein (1891- 1942), nos anos que precedem à sua conversão ao catolicismo. Desde o começo deixa claro que não há ruptura no itinerário filosófico de Stein, e que ele se continuará por toda a sua vida. Edith Stein incorpora a filosofia à própria vida, e filosofa desde a perspectiva da sua realidade vital. “Uma vida configurada pela atividade filosófica e guiada pelas suas conclusões é muito diferente à de outro ser humano, similar ao filósofo, mas cuja vida não foi ‘tocada’ pela filosofia. (…) Ela fez com que deliberadamente o seu pensamento filosófico estivesse relacionado com as práticas da vida quotidiana, e utilizou as experiências vindas dessas práticas para formular novos problemas filosóficos e chegar a conclusões.” Esta obra não é uma biografia, mas uma reflexão sobre a ação filosófica de Edith Stein. Não é portanto um livro simples; requer para o seu aproveitamento, uma certa familiaridade com os termos e conceitos da filosofia.
Nos primeiros capítulos narra-se o encontro com Adolphe Reinach, um dos discípulos de Husserl, o fundador do sistema filosófico conhecido como fenomenologia. Reinach era influenciado por outro dos seus mestres, Theodor Lipps, preocupado com a psicologia e que atentava na compreensão do que denominou “Einfuhlung”, (empatia). Seria justamente a empatia a que captaria a atenção de Stein e daria corpo a sua tese doutoral em filosofia, a primeira defendida por uma mulher na Alemanha.
Arriscando uma simplificação, poderíamos dizer que a fenomenologia é o método filosófico que nos permite entender as propriedades essenciais dos objetos que se nos apresentam na experiência. Husserl recomendava ser necessário suspender as atitudes e crenças naturais como condição prévia para conseguir uma atenção adequada para os objetos que se apresentam e para refletir sobre eles. Somente através da atenção e da reflexão se pode progredir no olhar fenomenológico. É função da atitude fenomenológica distinguir o essencial do acidental e chegar a uma intuição das essências. Percebemos seres particulares com propriedades que somente podem ser entendidos quando intuímos as essências fundamentais.
Comenta MacIntyre que o olhar fenomenológico quer ser uma volta as coisas, ao essencial. Existe uma apreensão do todo, da coisa em si; não é apenas um fenômeno que devo ordenar de acordo com as minhas categorias prévias de conhecimento (como afirmava Kant), nem uma enxurrada de impressões desordenadas e desconexas (como assegurava o empirismo de Hume). Husserl dizia que ele escutava uma canção e não as notas separadamente. A reflexão e o olhar fenomenológico se assemelha a quem aprende a ver as cores. O autor acrescenta um exemplo peculiar: Van Gogh comentou com o seu irmão que tinha sido capaz de distinguir 19 tipos diferente de branco nos quadros de Franz Hals.
Evidentemente, o âmago da discussão filosófica é muito profunda. Mas se tivéssemos de arriscar uma explicação ingênua diríamos, que no fundo, esse olhar fenomenológico quer se aproximar do que as pessoas simples percebem, pessoas essas que obviamente não usam a linguagem fenomenológica. O método fenomenológico confirma filosoficamente o que as pessoas comuns percebem. E dando sequência à arriscada simplificação que nos permite incorporar a filosofia à vida, deve-se reconhecer que o assunto é por demais sugestivo: na vida diária é preciso despir-se de preconceitos (de categorias que temos a priori, como Kant), daquele “eu sei como é que é, este filme eu já vi” para tentar entender o que nos cerca e os seres humanos que conosco convivem.
Voltamos a Edith Stein. O autor dedica outro espaço da sua obra à génese da percepção fenomenológica da filósofa. Stein serviu como enfermeira na primeira guerra, um modo de servir à pátria, ela que era profundamente prussiana. É nesse trabalho, quando percebe a importância da captar os sentimentos e juízos dos outros, dos próprios pacientes, médicos e enfermeiras. Foi nesse momento quando recebeu um impulso importante para o seu futuro trabalho sobre a empatia, que tinha uma relevância prática.
É dessa reflexão onde nasce a sua preocupação pelo conhecimento do outro, carro chefe do tema da empatia. Uma caraterística essencial da consciência empática é a consciência dos sentimentos dos outros. A relação que temos com os sentimentos dos outros é análoga à que temos com os nossos próprios sentimentos passados. Posso chegar a reparar o que o outro está sentindo, mas não tenho porque sentir o mesmo que ele, assim como lembrar dos meus sentimentos –mesmo com clareza- não significa que tenho de voltar a senti-los. Um entendimento profundo, compreensão real, mas sem necessidade de incorporá-lo. Eu compreendo perfeitamente o que senti naquela determinada ocasião, mas não tenho porque senti-lo igualmente neste momento atual.
Vale aqui um comentário deduzido da leitura destes parágrafos extensos e árduos. É preciso cautela para afirmar que “estou me colocando no lugar do outro”. Sim, eu faço isso, mas com os meus padrões (meus sentimentos, minha reatividade, minha compreensão da realidade vital, minha própria historia biográfica) e não com os dele, de modo que não chego a entender verdadeiramente. Não basta colocar-se hipoteticamente no lugar do outro e continuar sendo eu mesmo a vivenciar esse lugar em que me coloco. E preciso estar desprendido também dos próprios padrões para se chegar no conhecimento empático. “Uma fonte de erro é substituir a consciência empática por uma intuição do que o outro pensa ou sente, fazendo uma analogia do que eu sentiria se estivesse no seu lugar. É um modo de considerar o outro como parecido a nós mesmos, de modo injustificado. Somos mesmo diferentes, muito mais diferentes do que gostaríamos para simplificar toda esta questão!”
Alguns aspectos do conhecimento próprio somente são possíveis através do conhecimento dos outros, e do conhecimento que eles têm de mim. A compreensão de nós mesmos é corrigida através do que aprendemos de nos mesmos em virtude dos outros, de como os outros nos vêm. Trata-se de uma empatia reiterada, que vai trabalhando o conceito de nós mesmos. A empatia em Stein não é um simples golpe de intuição –à primeira vista- mas uma atitude que requer reflexão, voltar uma e outra vez sobre nós mesmos, e sobre os outros, percurso que enriquece o conhecimento próprio e o alheio. Não é um espasmo de conhecimento, mas algo trabalhado.
MacIntyre recolhe outro tema interessante do pensamento de Edith Stein: o do individuo e da comunidade. Na comunidade os fins dela são os meus próprios, me identifico com ela, fui eu quem se inseriu nela voluntariamente. Na sociedade, agregação mais ampla, tento favorecer os fins dela realizando os meus. A comunidade é mais próxima, mas não pode perder de vista a sociedade. E esta não pode anular as comunidades. Individualidade e associação que se complementam mutuamente. Nem individualismo, nem massificação. Uma sugestiva perspectiva que tem implicações sociológicas e antropológicas.
Assim Stein afirma que é preciso aprender a distinguir aquilo que os outros esperam de nós e podemos atingir, porque somos capazes de mudar; e aquilo que não está em nosso poder mudar. Distinguir umas coisas das outras nos ajuda a saber quando e onde devemos ser intransigentes. E também nos da uma visão realista das nossas possibilidades de transformação. A capacidade para certa intransigência e o extraordinário realismo sobre si mesma, foram traços permanentes no caráter de Stein. Afirma textualmente o autor: “Stein era ate um grau excepcional, capaz de sentir um grande afeto por alguém e no entanto manter-se alheia à sua influência”. E dá como exemplo o relacionamento de Edith com a sua própria mãe: amava-a profundamente, sem que isso afetasse as suas decisões vitais (foi o caso da sua conversão e da profissão religiosa como Carmelita Descalça).
Nos capítulos finais, quando o itinerário filosófico se aproxima do tempo da conversão, MacIntyre destaca no pensamento de Stein o tema da alma e dos valores. “É preciso desenvolver a capacidade de reconhecer os valores e de responder a eles; é preciso ter hábitos morais e estéticos determinados….É preciso entender de que modo se assumem os valores como próprios e como se atua em relação a eles; como se é feliz e como se sofre depende do estado da alma. Conhecemos o que a pessoa é quando conhecemos o mundo de valores onde vive”
Em 1920, Edith Stein depara-se com o “Livro da Vida” de Santa Teresa de Ávila, que lê de corrido numa noite. “Aqui está a verdade” exclama no final. Meses depois recebe o Batismo na Igreja Católica. Tinha 31 anos. Após 11 anos, ingressa no Carmelo de Colônia adotando o nome de Teresa Benedita da Cruz. Em 1942, a perseguição nazista contra os judeus a localiza no Carmelo dos Países Baixos e a leva prisioneira para Auschwitz, onde morre em 1942. Nunca negou a sua raça e o amor ao seu povo judeu, e oferece a sua vida pela conversão dos hebreus. O Papa João Paulo II a canoniza em 1998.
MacIntyre interrompe o seu ensaio em 1922, quando acaba o prólogo filosófico de Edith Stein. Mas inclui uma anotação que deixa entrever como essa notável intelectual deu sequência ao seu pensamento e produção filosófica. Quem tinha surpreendido o próprio Edmund Husserl quando lhe mostrou ter lido com atenção a sua difícil obra “Investigações Lógicas” (A senhora leu tudo isso? Inteiro? Verdadeiramente notável –exclamou Husserl). Quem foi assistente do mestre, colocando ordem nas suas ideias e no mundo caótico das anotações espalhadas em papeis esparsos –parece que trabalhar com Husserl e tentar ordenar a vida do filósofo não era tarefa para qualquer um), não poderia deixar de exercer o seu ofício –verdadeira vocação- independentemente da sua mudança para o estado clerical.
Assim o relata a própria Edith: “Num tempo imediatamente anterior à minha conversão cheguei a pensar que levar uma vida religiosa significaria deixar de lado tudo aquilo que fosse secular e viver com o pensamento absorto nas coisas divinas. Aos poucos reparei que neste mundo se nos pede outra coisa e que mesmo na vida contemplativa não há por que cortar a relação com o mundo”. E conclui MacIntyre: “Para quem como Stein esteve dedicada à filosofia é muito difícil não ter pensamentos filosóficos. Conseguiu encontrar o caminho dentro da sua vocação de religiosa e a sua fenomenologia iluminou-se com novos horizontes”.
E não somente durante a vida mas, atrevo-me a acrescentar, que depois também. Em Madrid, há uma Igreja dedicada a Santa Teresa Benedita da Cruz. Mas ninguém a conhece por esse nome. Tive ocasião de assistir a alguma função litúrgica lá e o comprovei. Quando se me ocorreu perguntar pelo lugar e hora da cerimônia em questão, a resposta foi clara: “Será às 7 da noite, em Edith Stein”.
Comments 4
Parabéns por mais um ótimo texto, meu caro Pablo.
Pingback: Francesco Salvarani. Edith Stein: Hija de Israel y de la Iglesia | Pablo González Blasco
Termino el día de tu 45 aniversario leyendo este texto que me has mandado. Y que ganas me han entrado de bucear otra vez en la vida de esta filósofa!!!!
Me ha encantado acompañar tu 45 aniversario en Brasil con este escrito de la empatia steiniana.
Abrazos