Immaculée Ilibagiza; “Sobrevivi para contar”
Immaculée Ilibagiza; “Sobrevivi para contar”. Ed. Objetiva. Rio de Janeiro. 2006. 340 pgs.
“Se não podemos mudar uma situação, mudar a nós mesmos se torna o desafio”. Esse pensamento de Viktor Frankl encontra-se estampado na primeira página deste livro singular. Confesso que me ajudou logo de cara: estava num avião, no assento do meio –não consegui marcar o lugar com antecedência- com uma viagem de 6 horas por diante, entre Nova York e Dublin. Acomodei-me do melhor modo possível e dei sequência à leitura. Li o livro em dois tempos, sendo que no segundo me encontrava um pouco mais confortável, no assento do corredor, voo de volta entre Dublin e São Paulo. Mais 10 horas de aperto.
Mas nessa altura eu já estava dando risada de gol contra depois de surpreender-me com a história desta jovem de 24 anos que ficou fechada num banheiro, de pouco mais de 1 m2 junto com outras seis mulheres, por quase três meses. Minha situação era, por tanto, de um conforto equivalente a um hotel de 5 estrelas, e o serviço de bordo equiparável aos melhores restaurantes do planeta. Vamos parar de reclamar. Foi a frase que me acudiu à cabeça: não sei se a formulei em voz alta, ou se foi um propósito para incorporar na minha vida, ou se foi alguém –uma voz divina, como as que Immaculée escutava no seu cativeiro- quem a formulou com clareza meridiana.
O cenário do livro é o genocídio que aconteceu em Ruanda na década de 90, onde morreram milhares de pessoas, em assassinatos sangrentos, praticados pelos Hutus contra os Tutsis, etnia esta à qual pertence a autora do livro. Tentar entender o tamanho deste drama está fora do propósito do livro. E penso que está fora do alcance de qualquer estudo sociológico que os intelectuais dos assim chamados países civilizados costumam produzir. É algo incompreensível, perante o qual se pode reagir com revolta, desespero, sede de vingança, descrédito absoluto pela humanidade. Ultrapassa os parâmetros racionais, supera a ficção, e não adianta perguntar-se quem são os bandidos e quem os mocinhos da história. É uma tragédia social e pública.
Mas é também possível, como demonstra este livro, reagir de um modo diferente, e transformar os obstáculos em degraus que permitem subir na vida, ganhar novas perspectivas, crescer por dentro, amealhar densidade. Ai está, talvez, o grande ensinamento do livro e uma pauta para a reflexão pessoal: como é a nossa reação perante as dificuldades. Crescemos ou nos encolhemos? Mantemos os valores, o peso específico que se deve esperar, ou ficamos como barata tonta e assustada, ao sabor dos acontecimentos? Virtus in infirmitate perficitur – reza a sabedoria bíblica. A virtude se aperfeiçoa no sofrimento. São as adversidades as que revelam o verdadeiro caráter de uma pessoa.
O livro não busca respostas ou interpretação. Relata apenas a reação da protagonista, e assim o adverte ela: “Não pretende contar a historia de Ruanda, mas a minha historia pessoal”. Immaculée vai buscar no fundo da sua alma os recursos da fé, a união pessoal com Deus, a descoberta do amor que Deus tem por ela, e a segurança que daí decorre. Mais um ensinamento notável: ao enfrentar as desventuras, também se manifestam os recursos espirituais que ao longo da vida, em época de bonança, foram capitalizados. Esse é o lastro que entra em jogo na hora das crises: da econômica, da social, da pessoal. Quando os recursos são escassos, estoura a bolha imobiliária, dispara o desemprego, revela-se a farsa de uma riqueza que era puro decorado de teatro, e, no plano pessoal, toma conta o desespero.
Um belo livro, pista de decolagem para uma reflexão profunda de índole pessoal. Impactante, necessário. Se houver alguma dúvida, coloque-o na mala de mão para a próxima viagem de avião, e desfrutará de uma experiência fenomenológica que ilustrará convenientemente as ponderações.
Comments 5
“…Mais um ensinamento notável: ao enfrentar as desventuras, também se manifestam os recursos espirituais que ao longo da vida, em época de bonança, foram capitalizados. Esse é o lastro que entra em jogo na hora das crises: da econômica, da social, da pessoal….”
Pablo, já lí várias vezes este teu parágrafo, constatando como é verdadeiro.
Obrigado por compartilhar.
Um abraço
Prezado Pablo, bom dia. Li este livro há uns seis meses atrás. Lamento até hoje não ter conseguido estar presente na palestra que a autora proferiu no Auditório da PUC São Paulo, em Novembro/11. Acresço às suas ponderações somente uma: não espere uma viagem de avião para lê-lo. É leitura para hoje. Presentei o livro a um grande amigo que professa a religiao indiana, mais concretamente ligado à Self Realization Fellowship, fundado por Paramahansa Yogananda. Ele o leu na mesma noite e foi além: adquiriu 20 volumes e os entregou a pessoas de seu relacionamento (cristãos e não cristãos), como forma de difundir a fé e a coragem desta Católica, Tutsi, Rugandesa. Aliás, para se ter ídéia do genocídio, recomendo também HOTEL RUANDA, filme que retrata a barbaridade que foi este período para este sofrido povo Africano, durante o (des) governo de Theoneste Bagosora.
Como sempre um comentário esplêndido! Não li ainda mas com certeza o farei
“Ai está, talvez, o grande ensinamento do livro e uma pauta para a reflexão pessoal: como é a nossa reação perante as dificuldades. Crescemos ou nos encolhemos? “
Pergunta que devemos fazer neste momento de pandemia que vivemos. E ter como resposta o controle de nossas emoções e o tratamento para a melhora de nossas virtudes humanas e espirituais.
Excelente indicação livro demonstra trazer incentivo pela Fé, e sem fé não se pode agradar à Deus.
Genocidios estão por alguns países, incluindo diversas razões como motivação; das quais eu só conheço algumas: religião, poder, ideologia, e política.
O mundo está na escuridão e precisa de muita luz de Deus Pai eterno ??????