Jonathan Swift: Viagens de Gulliver

StaffLivros Leave a Comment

Jonathan Swift:  Viagens de Gulliver. Globo. Rio de Janeiro, 1987. 350 pgs.

Jonathan Swift - As Viagens de GulliverA clássica obra de Jonathan Swift, protagonizou outra das nossas tertúlias literárias. As viagens e a ficção que rodeia as peripécias de Gulliver, surgiram, ao que tudo indica, como uma crítica social na prosa do escritor inglês. Que na verdade era irlandês, como muitas outras personagens famosas -desde Oscar Wilde até o Duque de Wellington- que nascidos na Ilha do trevo de S. Patrick, acabam creditando a fama para Inglaterra. Afinal, tudo seja pelo Reino Unido, pela Commonwealth.

Nestes tempos que vivemos de crítica a políticos e homens públicos, não deixa de ser divertido repassar as considerações que Swift coloca em boca dos seus personagens, que instruem a um Gulliver ingênuo sobre as surpresas que encerram, não as viagens e os povos, mas o ser humano. Valham algumas amostras de uma atualidade gritante: “A fraude é maior crime que o roubo, porque o cuidado e a vigilância podem preservar dos ladrões, mas a honestidade não tem defesa contra uma astúcia maior… Os processos sempre terminavam de acordo com a vontade dos juízes, de modo que não me confiei mais contra tão poderosos inimigos”.

Leia mais

Dorothy Canfield Fisher: “Dulce Hogar”

StaffLivros Leave a Comment

Dorothy Canfield Fisher; “Dulce Hogar”. Palabra. Madrid. 2016. 302 pgs.

Publicada em 1924

Dorothy Canfield Fisher - Dulce HogarChega às minhas mãos este livro, na sua versão espanhola, com um pedido. “Da uma olhada e veja se te parece interessante traduzi-lo ao português”. O pedido vinha de um amigo que trabalha numa editora, e a resposta são estas linhas, escritas em português, dando o crédito necessário à obra que nos ocupa.

Escrita por uma autora da qual nunca tinha ouvido falar, e publicada em 1924, “The Home Maker” (título original em inglês) é a história de uma família. Não uma saga -isso acontece com as grandes famílias, as renomadas- mas uma simples história, porque as personagens são de condição muito modesta, beirando a pobreza. Bem adverte a autora, os riscos da pobreza: “A condição de ser pobre era horrível. Conseguia tirar o pior de cada um. Quando te preocupa o dinheiro, deixas de ser tu mesmo! ”

O pior de cada um, mas também pode extrair o melhor, ou potenciais desconhecidos. O casal Knapp protagoniza este romance e as suas variações. De um lado, Evangeline, uma mãe e esposa dedicada, tão dedicada que se consome nas tarefas domésticas, com feitios quase de mártir. “Um profundo abatimento a invadiu. Aqueles eram os momentos na vida de uma mãe que ninguém notava, que todos silenciavam, algo que nunca era mencionado nos bons livros nem pelos oradores eloquentes que tinham tanto a dizer sobre o caráter sagrado da maternidade. Nunca te diziam que chegaria um momento em que te sentirias impotente, que os teus filhos não estariam nunca ao teu nível, que nem se aproximariam dele, porque não eram o mesmo tipo de ser humano que você, não eram propriamente os teus filhos, mas, simplesmente, outros seres humanos dos quais você é a responsável”.

Leia mais

Um breve Report da visita ao Hermitage

StaffCultura Leave a Comment

O Hermitage é um museu peculiar. Era também o palácio de inverno dos Czares da Rússia, e combina as obras de arte com os decorados e as instalações da nobreza russa da época. Quer dizer, um Museu que era habitado. Talvez por isso, a diferença de outros museus, o percurso tornasse leve, há muitos lugares onde sentar-se para descansar, e escutar a áudioguia que é absolutamente indispensável para ir direto ao que mais interessa, o que não pode deixar de ser visto. É bom lembrar que são 3 milhões de obras de arte. A objetividade é imprescindível, sob o risco de que as árvores não te deixem comtemplar o bosque.

Para ler o report completo clique aqui.

Frantz: Uma experiência estética de amor e perdão

StaffFilmes Leave a Comment

Frantz. Diretor: François Ozon. Paula Beer, Pierre Niney, Ernst Stötzner, Marie Gruber, Cyrielle Clair, Johann von Bülow, Anton von Lucke. 113 minutos. Alemanha- França.2016.

Frantz - coverBastam as primeiras cenas para entender que estamos diante de um grande filme. Dificilmente me engano -e penso que isso acontece com todos os que amam o cinema: o diagnóstico da qualidade é questão de minutos. É possível que uma grande produção se afunde lá na frente, mas nunca é um naufrágio; são escolhos que atrapalham e que muitas vezes seriam dispensáveis. O contrário também é verdade: se o filme não decola a te apanha nos primeiros fotogramas, provavelmente o resto é uma perda de tempo.

Frantz é um filme que te prende nas primeiras tomadas. Um branco e preto elegante, comovedor, que te golpeia e te faz esquecer que a vida é colorida, mesmo nas histórias dramáticas como a que o diretor francês -que supera aqui toda sua produção anterior- nos conta. Uma história que, na verdade, são muitas; são as histórias das personagens, magnificamente desenhadas, que se unem no nome que consta no título: Frantz.

Leia mais

Até o último homem. A liderança virtuosa da Coragem.

StaffFilmes 2 Comments

Hacksaw Ridge. Diretor: Mel Gibson. Andrew Garfield, Teresa Palmer, Sam Worthington, Luke Bracey, Vince Vaughn, Hugo Weaving, Rachel Griffiths. 131 min. USA 2016.

Até o último homem“Você já assistiu Até o último homem”? Estou esperando o seu comentário”. Essa foi a primeira chamada. Depois chegaram outras; ao vivo ou em mensagens. É claro que tinha visto o filme, e gostado muito. Impactou-me. E andava pensando o que escrever, mas o público não perdoa os atrasos, quer a opinião em tempo real. O público na realidade são os amigos que se aventuram a ler o que a gente escreve de coração aberto, porque na verdade não escrevo sobre os filmes, mas sim acerca do que os filmes provocam em mim.

Por vezes, a demora em escrever obedece a colocar certa ordem nessas impressões incitadas. É como a catarse que as tragédias gregas se propunham conseguir. Um verdadeiro purgante; uma limpeza enorme de sentimentos -esvaziar as gavetas da roupa entulhada de qualquer forma- para ir colocando, aos poucos, ordem no armário, e nas emoções. É difícil saber por quê solicitam o relatório da tua própria catarse, quando cada um deve ter a sua. Provavelmente as percepções que anoto, não coincidem com as dos outros, ou até são diferentes quando não opostas. Mas o pessoal quer saber o que a gente sente. Olhar com os olhos dos outros? Ampliar a visão? Ter matéria para conversar numa reunião familiar a modo de cine clube? Sei lá; o único que me consta é que estou com bastantes semanas de atraso, ruminando, este filme formidável do Mel Gibson.

Leia mais

Fabrice Hadjadj: Puesto que todo está en vías de destrucción

StaffLivros Leave a Comment

Fabrice Hadjadj. Puesto que todo está en vías de destrucción.  Nuevo Inicio. Granada (2016). 186 págs. 

Puesto que todo está en vías de

Este é o terceiro livro que enfrento do autor. E digo propositalmente, enfrentar, porque os escritos de Fabrice Hadjadj não são um passeio cultural sem compromisso, mas verdadeiras cargas de profundidade. Escritor, filósofo, professor na França, nascido numa família judia de origem árabe e de formação maoísta. Convertido ao Catolicismo, impregna a letra (e, no caso, a palavra, porque o livro reúne um conjunto de conferências) com sua trajetória peculiar e desconcertante. Aliás, este é o adjetivo que a meu modo de ver melhor descreve omodus docendi de Hadjadj: o desconcerto e o paradoxo. Quase uma variante semita de Chesterton.

O título desta obra é extraída de uma epístola de S. Pedro, que em livre tradução diz: já que tudo está para acabar, vejam que tipo de homens tem de ser, e qual deve ser vossa conduta. Esse é o leitmotiv destas reflexões: a atitude que devemos assumir nestes dias em que a cultura e a modernidade agonizam. Uma tónica comum que alinhava as conferências aqui recolhidas que, inicialmente, não pensava publicar mas reconhece que “a expectativa do outro, fazendo-me escrever me entregava um porvir que não estava contido no meu futuro. Enriquecia-me não com os meus recursos, mas com a generosa veia de ouvidos que me escutavam atentamente”.

Leia mais

Pierre Lemaitre: Até nos vermos lá em cima

StaffLivros Leave a Comment

Pierre Lemaitre. Até nos vermos lá em cima. (Nos vemos allá arriba. Salamandra. Barcelona. (2014). 443 pgs)

até nos vermos lá em cimaChegou às minhas mãos a tradução espanhola deste premiado escritor francês. Algo comentava a crítica de um romance policial, situado no final da Primeira Grande guerra. A verdade é que não encontrei a tal intriga policial por nenhum lado, e sim uma crítica contumaz à hipocrisia humana, em todas suas variantes: a pessoal, a do Estado, e a da própria sociedade.

Lemaitre descreve as venturas e desventuras (muito mais estas últimas) de três soldados franceses quando está para ser assinado o armistício no fim da primeira grande guerra. Um aristocrata sem escrúpulos, um artista de família rica, um plebeu com espasmos de heroísmo. Os elogios da crítica, e os prêmios conferidos imagino se devem à descrição das personagens que é, de longe, o ponto alto do livro. Um aspecto que certamente deve apreciar-se melhor quando se lê o original em francês.

Mas a trama sobre a qual se constrói o romance, é cinza, anódina. Como a própria guerra que critica sem piedade. “No fundo, uma guerra mundial não é mais do que uma tentativa de assassinato generalizado num continente (…)

Leia mais

Ítalo Calvino: “O Visconde partido ao meio”

StaffLivros Leave a Comment

Ítalo Calvino: “O Visconde partido ao meio” Companhia das Letras. 1997. 90 pgs. (incluído na trilogia: “Os Nossos Antepassados”)

o visconde partido ao meioA tertúlia literária mensal traz à tona esta pequena-grande obra de Ítalo Calvino. Um escritor que faz da fantasia recurso para analisar o ser humano, ajuda a entender melhor o homem contemporâneo e, naturalmente, dá recados que nos acompanham na aventura singular do conhecimento próprio

O narrador -que é o próprio Calvino, incarnado num adolescente- conta-nos as desventuras do tio dele, Medardo de Terralba, o visconde que figura no título, e que na guerra contra os turcos, recebe uma bala de canhão sendo deste modo seccionado em duas metades. Uma presidida pela maldade, enquanto a outra faz da bondade seu guia. Um absurdo aparente que, já no prólogo Calvino faz questão de advertir: “Partido ao meio, mutilado, incompleto, inimigo de si mesmo é o homem contemporâneo”.

A figura fictícia do visconde secionado, “aquele perfil que continuava a ser um perfil mesmo visto de frente”, dividido em curioso maniqueísmo, é uma metáfora que dá pano para manga, como comprovamos nos comentários, magníficos e surpreendentes, que se sucederam na tertúlia. E como bem nos adverte o narrador, quando se é jovem, os sentimentos e as intenções se misturam:  “Meu tio se achava então na primeira juventude: a idade em que os sentimentos se misturam todos num ímpeto confuso, ainda não separados em bem e mal”.

Leia mais

Paul Kalanithi: “O último sopro de vida”

StaffLivros Leave a Comment

Paul Kalanithi: “O último sopro de vida”. (When Breath becomes air) Sextante. Rio de Janeiro, 2016. 167 pgs.

o ultimo sopro de vidaUm médico escrevendo sobre doenças e morte não é novidade. Aliás, cada vez mais são os médicos que se aventuram a escrever sobre este tema.  Faço questão de centrar a temática, porque a escritura e a medicina sempre correram paralelas.

Há quem diga que os médicos escrevemos para compartilhar o universo que levamos dentro, fruto das experiências com nossos pacientes. Um mundo velado pelo sigilo profissional, que na escrita assume forma de ficção ou, pelo menos, nomes fictícios. Eu pessoalmente penso que escrevemos para nos entender melhor, para clarificar essa avalanche de vivências que carregamos, e poder apalpar a dimensão fascinante e ao mesmo tempo tremenda do nosso trabalho. Como diz Abraham Verghese -outro médico escritor- no prólogo da presente obra referindo-se ao autor, entender a feroz convicção da dimensão moral do seu trabalho.

Mas este livro é sim uma novidade. Porque o médico que escreve de doenças e de morte, o faz contemplando a própria morte que se aproxima. É, pois, um livro quase póstumo ou, se preferirmos, um testamento. Paul Kalanithi nos deixa um legado muito especial, porque este médico escritor tinha uma formação prévia em Literatura Inglesa, e um mestrado na área de filosofia da ciência. Quer dizer, além de ser um neurocirurgião de prestígio, possuía os recursos necessários para se exprimir com maravilhosa clareza.

E aqui vai a primeira reflexão. Todo médico tem vivencias que merecem um relato. Muitas, inúmeras. Mas nem todos conseguem descrever, talvez porque lhes falta esse recurso de expressão. É preciso aprender o idioma, para exprimir-se, e para entender o paciente. “Os livros se tornaram meus confidentes, com suas lentes me propiciando novas visões de mundo” -diz Kalanithi no seu relato. As humanidades, a literatura em particular, permitem entender a linguagem em que o paciente nos fala. A comunicação fica impedida quando se desconhece o idioma. E também não se ajuda ninguém, por mais boa vontade que se tenha. Recentemente tive a oportunidade de integrar uma banca de doutorado em medicina sobre narrativas médicas, onde a pesquisadora confirmava esta hipótese: a literatura, e as histórias dos pacientes nos permitem aprender o idioma com o qual nos comunicamos com as pessoas que solicitam nossa ajuda como médicos.

Leia mais

UM HOMEM DE FAMILIA: Viver como se fosse a segunda vez.

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(Family Man) Diretor: Brett Ratner. Nicolas Cage, Téa Leoni, Don Cheadle, Jeremy Piven. 125 min.

Alguém comentou –não lembro quem, e talvez não foi ninguém em concreto, mas sim sentir comum popular- que seria bom viver duas vezes. Uma para testar o modelo, e na outra para reeditar a vida, agora sem erros, passada a limpo. Sim lembro que foi Viktor Frankl , o psiquiatra austríaco criador da Logoterapia – a terapia de sentido da vida- quem recomendava viver e atuar como se tratando da segunda vez e da primeira se tivesse atuado de um modo tão ruim como estávamos a ponto de fazer nesse momento. Em outras palavras: parar e pensar que não vai ter segunda chance, que essa é a definitiva, e corrigir os erros na fonte, antes de emiti-los. Também lembro que Fernando Pessoa admitia que viver a vida –vive-la bem, se entende- era de fato complicado e assim reconhecia em poesia cantada: “Temos todos que vivemos/ Uma vida que é vivida/ e uma vida que é sonhada/ e a única vida que temos/ é essa que é dividida/ entre a verdadeira e a errada.

            Pensadores, poetas, psicólogos tem o seu modo de ver a vida. Os filmes retratam, melhor ou pior, os anseios do ser humano e Hollywood, volta uma vez e outra, sobre as duas vidas –a verdadeira e a errada- e almeja a possibilidade de dar marcha a ré no próprio viver, para acertar o caminho de vez. Um homem de família é uma variação sobre o mesmo tema, em versão divertida, amena, e que faz pensar.

Leia mais