O Resgate do Soldado Ryan

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“Saving Private Ryan” Dir: Steven Spielberg. Tom Hanks, Edward Burns, Tom Sizemore, Matt Damon, Jeremy Davies. 169 min.

Saving private RyanDiz o ditado popular que acerca de gostos, nada está escrito, não existe consenso. Quando do gosto se passa à interpretação da obra de arte, as opiniões movem-se no amplo espectro da sensibilidade que permeia o ser humano. Interpretar os filmes é ainda tarefa de maior diversidade, pois nem sempre se trata de encontrar significados nas entrelinhas dos fotogramas. Ás vezes, muitas, é o filme quem encontra, dentro de nós mesmos, significados que estavam ocultos, latentes. Assistimos a produção relaxados, querendo nos divertir, e de repente, o filme vira um problema, e faz emergir dentro de nós temáticas que estavam esquecidas, aposentadas. O feitiço vira-se contra o feiticeiro.

Preciso confessar que “O Resgate do Soldado Ryan” me trouxe vivências especiais, variadas. Um bom amigo, professor de história, comentou-me que vendo o filme lembrava das narrativas que o seu avô, veterano da guerra civil espanhola, lhe tinha contado anos atrás. O assobio das balas, que o soldado sente próximo dele, sem saber se aquela bala que está ouvindo parará no seu corpo. “Neste filme você ouve o assobio das balas. É exatamente o que meu avô me contava. Eu nunca tinha visto um filme tão realista: não apenas nas cenas, mas nos ruídos”.  Outro amigo, médico, homem culto e vivido, me disse quando lhe perguntei sobre o filme: “Isso é um tango de Gardel! ”. A minha cara de surpresa poupou a pergunta, e ele continuou: “Você nunca ouviu aquele tango da mãe, que tinha cinco filhos que foram para a guerra na França, lá morreram todos, e a velhinha ficou sozinha, com cinco medalhas que a pátria lhe entregou por cinco heróis”. Sim, lembrei na hora do tango, que o meu avô gostava de entoar: ‘Silencio en la noche, ya todo está em calma….’ E depois fala da velhinha, das medalhas, dos homens que se matam nos campos de França.

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Sentimentos e aprendizado são as bases de reflexão

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Os sentimentos são modalidades, ou modificadores dos estados de consciência, mas não conteúdo desses estados. A chuva que para alguns inspira poesia, para outros, que estão se molhando em baixo dela, provoca irritabilidade. A chuva é a mesma, o índice pluviométrico não varia um milímetro, mas os resultados subjetivos são completamente diferentes. Analisado com objetividade o fenômeno é único, e os sentimentos –de inspiração poética ou irritação- em nada afetam o fato em si. Do ponto de vista objetivo os sentimentos não são nada, mas –e aqui está o ponto de inflexão- do ponto de vista subjetivo, os sentimentos são tudo. É fácil estabelecer, no processo de aprendizado, uma relação entre a inteligência e a vontade com os conteúdos dos âmbitos cognitivos e o desenvolvimento de habilidades psicodinâmicas. Mas, qual é o papel que cabe aos sentimentos no processo de aprendizado? Como é que influenciam e o que determinam? Se afinal, aprendizado é aquisição de conhecimentos e aplicação prática em habilidades qual seria a função dos sentimentos e a reclamada importância da educação da afetividade? Na verdade a pergunta é mais retórica do que real. Todos sabemos, porque o comprovamos inúmeras vezes nos outros e de modo convincente em nós mesmos, que o progresso formativo não vem determinado apenas pelo que se conhece e pelo que se faz, mas pelo modo como se conhece e como se executa. Os sentimentos promovem uma ponte entre o que se conhece – a idéia, o conceito, situado no âmbito do cognitivo – e o que se quer, o que se executa, situado no âmbito da vontade. É experiência universal que não basta saber as coisas para executá-las, mas é preciso querer fazê-lo, e esse querer vai além da simples imposição da vontade. É uma questão de motivação. Os sentimentos, de algum modo, personalizam o conhecer, revestem o conhecimento com roupagem pessoal, e facilitam o querer –a execução- porque são a base da motivação. Uma coisa são as idéias e conceitos e outra é o que são as idéias para mim, qual é o “sabor” que essas idéias têm ao paladar afetivo. Leia mais

Educar as emoções

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Educar com o Cinema é tema que me tem acompanhado nos últimos anos. Tive ocasião de escrever artigos, publicar livros, dar conferências em congressos internacionais, apresentar-me em programas de TV. E, em quase todos os cenários, a pergunta que surge é similar: “Você não é médico? E isto do cinema, como se encaixa na sua vida?”. A pergunta procede e, até tal ponto, que mesmo quando não a fazem eu mesmo a coloco e respondo. Afinal, é necessário justificar o tempo que se dedica a um trabalho que já ultrapassou de longe as proporções de um simples hobby.Dizer que os médicos de hoje estão munidos de excelente preparação técnica, não é novidade. Como, infelizmente, também não o é afirmar que carecem, na maioria, da sensibilidade suficiente para lidar com o ser humano doente, que sofre e se confia aos seus cuidados. Fala-se em humanizar a medicina, quando na verdade o que se gostaria é de injetar doses de humanidade nos médicos para ver se o paciente consegue, de algum modo, se fazer entender pelo profissional que está destinado a cuidá-lo e, muito absorvido pela técnica moderna –e necessária- parece esquecer o paciente, ocupando-se apenas com a doença. Leia mais

DESENCANTO

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(Brief Encounter) Diretor: David Lean. Trevor Howard, Celia Johnson.
Inglaterra, 1946. 85 minutos.

O tempo faz envelhecer os filmes. A passagem dos anos vai desgastando-os como faz com as pessoas, no que tem de material, de orgânico. Somente não envelhece o espírito. Por isso os valores, ancorados no espírito, não envelhecem nunca; ficam, persistem, são eternos. A maioria dos filmes envelhece porque oferece ao tempo uma ampla superfície de erosão. São como a realidade orgânica de uma técnica que logo será obsoleta; as personagens são pouco reais, como de plástico, epidérmicas. O tempo não poupa o material e vai mumificando os filmes carentes de alma enquanto espalha cabelos brancos e rugas na face dos espectadores.

            Existem filmes em que a densidade do espírito é tanta que o tempo atinge-os apenas na periferia, sem chegar perto do núcleo. Possuem intimidade, são filmes atemporais, fora do tempo, que é muito mais que dizer atuais. Filmes que contém um amontoado de vivências humanas, de paixões e instintos. Personagens que são encarnação de toda a gama psicológica de temperamentos, com defeitos e virtudes. Momentos de dúvida vital, de hesitação, de conflito interior. Existirá algo mais humano -animicamente humano- do que o conflito e a dúvida?

            “Desencanto” é um destes filmes. Uma sequência de situações que, sendo corriqueira, entranha um profundo envolvimento psicológico, ao qual o espectador não é poupado. Lembranças envolvidas em fumaça de estação ferroviária e nos acordes -sempre atemporais- do segundo concerto para piano de Rachmaninoff. “Um encontro acidental na quinta feira; outro encontro e um almoço na semana seguinte. Depois o cinema. O que há de mais comum em tudo isto” -diz Alec (Trevor Howard). E, no entanto, “sabes o que aconteceu, não?” pergunta a Laura (Celia Johnson) que, confusa, abaixa o olhar.

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Merce Rodoreda: La plaza del Diamante

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Merce Rodoreda: La plaza del Diamante Edhasa. Barcelona. 2008.254 págs.

Uma das melhores novelas de pós guerra espanhola. Escrita em linguagem ágil, com descrições muito femininas e detalhistas, com prosa elegante, narra a vida de uma jovem que vem a tornar-se viúva por causa da guerra civil. Intimista, reflexiva, nos faz saborear a boa prosa. Lida em castelhano; certamente o original em catalão deve ser melhor. Para quem aprecia a prosa narrativa e retrato de época e personagens.

Guillermo Martínez: La muerte lenta de Luciana B

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Guillermo Martínez: La muerte lenta de Luciana B. Destino. Barcelona. 2007. 230 págs.

O escritor argentino Guillermo Martínez apresenta aqui um romance que não passa de regular. Um romance de crimes e mistério, com argumento muito pouco verossímil, onde o psicológico e o real se confundem, e as personagens são complicadas, difíceis, distantes da vida real. A formação do autor em lógica matemática talvez explique este cenário complexo, que requereria do leitor maior capacidade de abstração para interagir com o romance. De fato, não prende, nem cativa e, embora isso não seja a única qualidade que podemos pedir a um bom livro, já é meio caminho andado. Mesmo assim, o autor parece ser um fenômeno de vendas, e o livro está sendo traduzido a vários idiomas. Sobre gostos, nada é definitivo. Por isso pode-se afirmar que para o gosto comum, é um livro dispensável.

Paloma Diaz- Mas. “Como un libro cerrado”

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Paloma Diaz- Mas. “Como un libro cerrado” Anagrama. Barcelona 2005.218 págs.

Coleção de relatos, distribuídos em curtos capítulos, onde a autora – nascida em Madrid em 1954- evoca lembranças da sua infância e adolescência. Existe um fio comum em toda a narração: a educação recebida. Família, colegas e, sobretudo, professores que marcaram esses anos de formação. É uma interpretação de como ocorre a gênese de uma vocação literária desde os primeiros momentos da vida, incluso quando ainda não se sabe ler, e tudo é “como um livro cerrado”.

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José Jiménez Lozano: Los Cuadernos de Letra Pequeña.

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José Jiménez Lozano: Los Cuadernos de Letra Pequeña. Ed. Pre-Textos. Valencia. 2003. 248 págs.


O autor publica seus diários, de 1993 a 1998. Não são propriamente diários, mas notas que vá tomando, curtas reflexões ou considerações do que ele mesmo lê em outros autores. Mostra uma cultura vastíssima, move-se com facilidade em vários campos, tendo sempre como pano de fundo alguns acontecimentos e, sobretudo, os escritos de autores variados que conhece com profundidade. Mesmo possuindo esta ampla cultura, não é tedioso nem petulante; lê-se com agrado. Lembra, em muitos momentos Steiner, mas está aberto à esperança e à transcendência. Uma obra que agradará aos que tem conhecimento da cultura espanhola, embora os temas tocados vão além das fronteiras hispânicas. Mas o modo de escrever é,  sim, muito espanhol. Um livro para ler aos poucos, no mesmo ritmo que foram confeccionados esses diários que o autor recolhia num caderno escrito com letra estreita, pequena. Daí o nome do livro.

Parker J. Palmer: The Courage to Teach: Guide for Reflection and Renewal

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Jossey-Bass. Wiley and sons Inc. S. Francisco, 2007. 180 pgs/ DVD 70 min.

     De tanto promover e falar, em aulas e congressos, de um livro que muito agregou à minha tarefa de professor e já comentado neste espaço, vim recolher um importante fruto. Um colega, amigo e assistente às minhas reuniões de formação de professores, apareceu numa delas com este livro. É a continuidade do anterior; ou melhor, uma lente amplificadora das importantíssimas questões colocadas pelo autor em obras precedentes, e também de modo sistemático no Centro de educação que ele fundou e dirige (http://www.couragerenewal.org/).

Esta guia –assim denomina o autor a sua obra- é o mapa para a viagem que conduz à intimidade do professor. Uma viagem que mergulha no silêncio e na reflexão dos que se sabem chamados vocacionalmente a ensinar. Não é um livro de pedagogia, nem sobre processos educacionais. É uma análise profunda –uma verdadeira dissecção- do sujeito docente, do professor. Este é o principal recado que o autor repete –por escrito, e nas entrevistas recolhidas no DVD que acompanha o livro-, e que se poderia sintetizar no seguinte pensamento: “Quase todos se perguntam o que têm de ensinar (conteúdos); alguns pensam em como fazê-lo (técnicas) e a quem devem ensinar (público); mas poucos alcançam a questão chave: quem está ensinando? Porque, afinal, ensinamos o que somos”. Educar vai muito além dos conteúdos, ou das técnicas, depende radicalmente de quem está ensinando, e de como cuidamos dele – quer dizer, de nós mesmos professores. “A técnica é o que se utiliza até que aparece o verdadeiro professor: um simples esquentamento”. Essa questão primordial está reforçada na primeira parte do livro, resumindo e enfatizando os temas abordados no livro mãe, publicado dez anos antes.

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Terra das sombras

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(Shadowlands) Diretor: Richard Attenborough. Anthony Hopkins, Debra Winger. Inglaterra 1994. 130 min.

O relacionamento de C.S. Lewis, professor de Oxford, solteirão intelectual, com a poetisa americana, Joy Gresham, de origem judia e convertida ao cristianismo, em parte pelas obras de Lewis, nos brinda um filme encantador, uma jóia cinematográfica apresentada com excelente bom gosto. Os l30 minutos da produção transcorrem sem cansar, como delicada melodia onde a plasticidade das imagens, belíssimas, se continua com a poesia de fundo e com o realismo das personagens, humanas, próximas do espectador.

“Terra das sombras” é a nossa terra, a nossa vida: sombras e luz, em contraste vital, de sofrimento, alegrias e amor. Tudo é compatível como também o são as luzes e sombras de uma pintura ou da fotografia artística. “Deus nos fala baixinho nos prazeres, conversa na nossa consciência, mas nos grita nas nossas dores; o sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo adormecido”. Uma história de solidariedade humana, de compaixão -padecer com alguém- de amor, temperada pelo sofrimento, ingrediente necessário na vida. “Querer excluir a possibilidade do sofrimento que a ordem da natureza e a existência do livre arbítrio envolvem, é excluir a própria vida”, nos diz Lewis em “O problema do sofrimento”.

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