Diamante de Sangue: O amor que resgata a esperança

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

As pessoas mudam, podem melhorar. Isso nos abre à esperança em tempos de desencanto. A decepção com o ser humano – afinal, as frustrações com as instituições são fruto das infidelidades das pessoas que as formam – parece estar na ordem do dia. Ler o jornal e sair incólume é, frequentemente, um desafio que deve ser conquistado diariamente. Precisamos de estoques de otimismo maiores que as reservas de petróleo que vão sendo descobertas no território nacional. Nunca gostei de Leonardo Di Caprio. Ou melhor, sempre o considerei um garoto caprichoso, desde que ficou emburrado quando não lhe entregaram o Oscar por Titanic, dez anos atrás. Chateou-se mesmo, e nem compareceu à festa. Padecia daquele complexo tão freqüente nos adolescentes que pisam a calçada da fama de ser o umbigo do mundo. E o mundo nem ligou para ele. Daí o meu pé atrás e a minha resistência para assistir os filmes que contém o seu nome nos créditos.Leia mais

Tropa de Elite: um basta à mediocridade

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tropa_eliteTropa de Elite (2007).Direção: José Padilha. Wagner Moura, André Ramiro. Caio Junqueira.O filme estava na boca de todo o mundo. A bola da vez. Por isso, não hesitei em perguntar a um amigo, Coronel da Reserva da PM o que lhe tinha parecido. “Não vi” – respondeu. “Tenho certo pé atrás com esses filmes denuncia, que muitos utilizam para se promover. Mas uma coisa é certa: quem ama com paixão o que faz, esse chega longe”. Sorri enquanto assentia. “Sabe –disse-me- esse é o grande mal de hoje, da juventude até. As pessoas não têm nada na cabeça, não têm paixão, não amam o que fazem.” E para mostrar que tinha entendido o recado, atrevi-me a comentar: “É verdade, Coronel. Mesmo quem tem idéias apaixonadas, embora muito questionáveis, já é um começo. Veja, por exemplo, os homens de Al-Queda. Certamente não podemos aprovar o que fazem. Mas pelo menos tem algo dentro”. Foi ele quem sorriu nesse momento, levantou-se e me ofereceu um café que fez questão de servir pessoalmente.Nos dias seguintes, andei dando voltas ao comentário do Coronel. E reparei que foi isso o que me cativou do filme: ver pessoas determinadas, comprometidas, que amam o que fazem. A ausência dessa atitude nos dias de hoje, torna o filme atraente, sugestivo, tem pegada. Não é a denuncia da corrupção, nem a crítica ao poder corporativo pervertido, nem a violência, nem informar do que já sabemos: que onde há pobreza, sempre há quem vive dos pobres, e deles tira o seu maior lucro. Essa é a temática onde o filme se ancora, mas o recado –talvez aquele que muitos não sabem exprimir, mas que lhes fez adorar a fita- é outro muito diferente. Uma chacoalhada tremenda na mediocridade. Mexe com os brios… daqueles que ainda conservam algum, porque temos de convir que brio, decisão, gana, é produto escasso no mercado de hoje. Fácil é deduzir, ao compasso dos fotogramas, que é justamente a mediocridade o caldo de cultura onde cresce a corrupção, a violência, a hipocrisia. A mediocridade dos que deveriam fazer algo e não fazem, a omissão crônica, o famoso “deixa como está para ver como é que fica” dos que tem voz e comando, facilita e promove as vilezas dos menos privilegiados. Culpar o crime é fácil e inútil. O que a nossa sociedade precisa hoje é de uma condena impiedosa da mediocridade.Leia mais

Escritores da Liberdade: a coragem de ensinar

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Os filmes de professores contam, quase sempre, a mesma história. Os desafios que alguém, apaixonado pela educação, tem de enfrentar com a rebeldia dos alunos, a indiferença hipócrita do sistema e a passividade da sociedade. As histórias, embora semelhantes são também, justo é reconhecê-lo, reconfortantes, um facho de luz e um ponto de esperança sobre a mediocridade que nos envolve. Desta vez é a uma magnífica que decide aposentar a luvas de Box da Menina de Ouro, para transformar-se num monumento de mulher. Erin Gruwell é uma professora que veste tailleur elegantíssimo, e faz questão de usar um colar de pérolas para dar aulas num colégio que é obrigado a aceitar um programa de integração social. Latinos, negros, e orientais, agrupados nas correspondentes gangs, sem nenhuma vontade de ser educados e ansiosos por brigas são a platéia que lhe corresponde. A sala 203, o quartel geral de Erin, mais parece um campo de batalha, permeado de ressentimentos e ódios, do que uma classe. A professora novata tem a paixão ingênua do principiante. Arruma-se com cuidado, cada manhã, enquanto pergunta ao marido que a contempla surpreso: “Diga-me, pareço uma professora?”. E confessa abertamente, à chefe do departamento: “Quando se defende um garoto no tribunal penso que já perdemos a batalha. Temos que ganhá-la antes, aqui, na sala de aula”. Um olhar cético é a única resposta de quem já tem muitas horas de vôo e pensa que esse excesso de entusiasmo se irá apagando com o tempo. Leia mais

A Sabedoria da Maturidade: Quando os atores envelhecem

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     Com os atores acontece o mesmo que com o vinho: ficam melhores com o passar do tempo. É bem possível que não sejam apenas eles, mas também nós, espectadores, os que mudamos o nosso olhar, aprendemos a gostar do gesto ponderado, da sabedoria que a maturidade destila. Borges dizia que mesmo cego, continuava a comprar livros, a rodear-se da amável presença dos volumes. E gostava, uma vez e outra, de voltar sobre os mesmos livros –que tinham de ler para ele- porque pareciam diferentes a cada leitura. Isso, dizia o escritor, porque não é livro, mas sim nós os que mudamos como o rio de Heráclito, onde não conseguimos tomar banho duas vezes na mesma água.

     Stallone volta a ser Rocky Balboa, agora um cinqüentão maduro, dono de um restaurante italiano, perdidamente apaixonado pela mulher a quem vai visitar no túmulo diariamente, e conversa com ela sentado na cadeira que deixa na árvore do cemitério. Um romântico que gosta de contemplar os bons momentos vividos, como quem degusta um vinho de qualidade. Ninguém pode me tirar o que vivi –parece dizer Rocky- sou dono da minha biografia, e do amor que eu tenho por ela. Não sentimentalismo, mas profundidade vital, a mesma que o professor V. Frankl recomendava aos que padeciam a incurável doença da viuvez: “ninguém pode tirar o que vocês viveram juntos”. Logoterapia da melhor espécie no olhar sereno de Rocky.

     Rocky quer voltar a lutar, nada sério, apenas algumas lutas locais, por que sente que “tem que terminar algo”. Os acadêmicos do Box não ajudam, tem medo da coragem de alguém que sente pulsar no seu íntimo o desejo de fazer o que os lutadores fazem: lutar. É a turma do “deixa disso”, os pro forma, os que envelhecem sem amadurecer porque enterram antes de tempo qualquer tipo de ideal e são incapazes de novos desafios. Aposentados da alma, que não fazem planos, esperam a morte.

     Doença esta –a aposentadoria precoce, vestida de falsa prudência- que atinge também os jovens, acomodados, bem planejados, com MBA e uniformizados com terno Armani. O filho de Rocky enfrenta o pai. “Não faças loucuras….”, diz, mas no fundo quer dizer. “Você vai me deixar em ridículo….Logo agora, que estou no meio de uma brilhante carreira”. E Rocky olha para ele, e responde sem negociações: “Você é meu filho, e sempre será. Tenho paixão por você. Mas em algum ponto, você perdeu o norte e acreditou que para triunfar na vida é preciso que a platéia te aplauda.” São os que vivem para os outros, os que precisam que os outros falem deles para demonstrar a própria existência. Parece que não são reais, se ninguém os considera. “Nada bate tão forte como a vida, meu filho. E o importante é saber levantar-se sempre, de cabeça erguida.” Dá meia volta, sorri, e deixa cair a recomendação final: “Não esqueça de visitar sua mãe”. Amar alguém –dizia Gabriel Marcel- é dizer ‘tu não morrerás jamais’. Sem amor apaixonado, que supera as barreiras do tempo, também não se conquista a dignidade, nem se luta por um ideal. Rocky tem tudo isto, e sabe que não precisa dever nada a ninguém para se doar o tempo todo. E surpreende a garota –que conheceu menina- com sua generosidade. E encontra o apóio singelo nela.

     O adversário de Rocky é um campeão sem interlocutor. Ninguém é páreo para ele, e por isso –porque lhe falta a adversidade- não amadurece. A sabedoria vem desta vez nos conselhos do seu treinador. “Tens de apanhar, tens de sofrer para conquistar o único respeito que vale a pena ter: o respeito próprio”. Um conselho que encaixa sob medida no campeão de Box, e no executivo engravatado.

     O respeito próprio, a sabedoria de saber conhecer os limites, entender quando é preciso sair dos primeiros planos e do papel de protagonista, para formar outros e fazer escola. Agora é Kevin Costner, outro maduro, que é retirado da linha de frente e destinado para ser professor. Lá estão os mergulhadores de elite, os melhores dos melhores, que gastam a vida resgatando vítimas no mar gelado do Alaska. Numa madrugada, tira os jovens aprendizes da cama e mergulha com todos eles num tanque gelado, testando a resistência, mostrando-lhes como é estar sozinho no mar, sentindo paralisarem-se todos os músculos, esperando a morte por congelamento. Os acadêmicos protestam contra os métodos do veterano alegando que o programa de treinamento é suficientemente bom, que não é preciso inventar moda. “Existe um grande espaço entre o que vocês ensinam aqui e a vida real. Estou aqui para ver se consigo diminuir esse espaço”. Frase contundente, um verdadeiro recado para os acadêmicos que formam profissionais em estufas, em bolhas universitárias, e não os preparam para a vida. Uma fábrica de pós-graduados que são incapazes de sobreviver no ar rarefeito da selva diária; e passam a vida publicando trabalhos, e fazendo pesquisa com dinheiro público, sem comprometer-se em absoluto com a resposta de cidadania que se deveria esperar de um intelectual.

     Cresceu Kevin Costner, ficou bom, convincente. Adianta-se às crises do jovem em quem visualiza um verdadeiro líder, alguém em quem é preciso investir. E lhe ensina como lidar com os fracassos –necessários- que são o cinzel que esculpe o homem maduro. “Salve aqueles que puder salvar, e deixe ir os outros”. Passar a vida entre desculpas e complexos de culpa é postura cômoda que isenta de futuras responsabilidades. Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, como diz a música é próprio de quem vai conquistando a sabedoria e com ela o conhecimento dos próprios limites.

     Correm rumores dos recordes do veterano. Diz-se que salvou mais de 200. “Qual é o seu número?” – pergunta curioso o jovem que já o admira. “Vinte”. Como assim? Vinte apenas? “Vinte é o número dos que perdi”. Um líder maduro somente conta os que não consegue salvar, porque os resgatados são apenas cumprimento do dever, simples obrigação, nunca motivo de vaidade. Descobre no trabalho a reflexão que leva até sua vida pessoal. “Vi um homem que para sobreviver apoiava-se na mulher para flutuar, você sabe, simples instinto de sobrevivência.” É um belo pedido de desculpas para a sua esposa a quem não dá atenção. “Demorei algum tempo para ver que eu sou esse homem”.

     As lições que destila a sabedoria da maturidade se levantam diante de mim como um verdadeiro desafio. Como fazer chegar isso aos jovens, como ser um verdadeiro professor da vida? Paciência, saber escutar, e não deixar-se iludir por conhecimentos de plástico, técnicas aprendidas não nos livros, mas na web, com respostas fáceis, mas absolutamente carentes de conteúdo. A associação de idéias –e de cenas de filmes- rodeia a memória, cerca-a de exemplos. Agora é o psiquiatra que tenta amansar o gênio indomável. “Você pode me dizer tudo sobre Michelangelo, porque o leu nos livros. E declamar Shakespeare, para me falar da guerra. Mas nunca segurou a cabeça do seu amigo moribundo no colo, nem sentiu o cheiro da Capela Sixtina”.

     Ensinar sobre a vida, vivendo-a junto com eles. Essa é a função do professor, do formador, do líder. Depois de ver Rocky e o oficial Randall, não há desculpas de idade para desistir. Li alguns meses atrás um texto que apontava como os que já temos horas de vôo nesta vida podemos formar e servir os que nos rodeiam. O resumo é muito simples: mostrar, com um sorriso, que vale a pena viver a vida. Ser positivos. Um desafio necessário para os tempos que vivemos e que devemos temperar com a sabedoria da maturidade.

Coragem e liderança nas Cartas de Iwo Jima

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Assistindo “Cartas de Iwo Jima” veio à memória, por alguma curiosa associação de idéias, o livro que rendeu o Prêmio Pulitzer a John F. Kennedy, anos antes de se tornar presidente de Estados Unidos. Li o livro este ano, também por coincidência. “Profiles in courage”, escrito na convalescência de uma das muitas cirurgias de coluna a que teve de se submeter, é um esboço da vida de oito senadores americanos que souberam carregar as responsabilidades de um cidadão que ama o seu pais, e não negocia a honra. Todo ele é sobre a Coragem – “grace under pressure”; poderosa definição que Kennedy importa de Hemingway no prefácio do livro. Na dificuldade, na adversidade, forjam-se os homens de caráter. Somente quando há oposição e aperto, a coragem aparece com o seu brilho genuíno. Não sei como foram parar, no mesmo recanto da memória –ou melhor, do coração- o filme de Clint Eastwood, que canta a coragem dos japoneses e o livro de Kennedy que, por sinal, lutou contra os japoneses na guerra do pacífico. Vai ver que são as virtudes as que aproximam os homens, mais do que a nacionalidade ou os interesses bélicos. Na virtude, na coragem, se encontramos as pessoas da mesma raça, da mesma etnia da alma.O General Tadamishi Kuribayashi é enviado para defender a ilha de Iwo Jima, ponto de honra para o império japonês. Homem culto, educado, inteligente, descobre logo nos primeiros momentos da sua chegada que aquilo é carta marcada; marcada e perdida, para o exército japonês e para a guerra. Mas a virtude do comando está presente e Kuribayashi vai fazer o melhor que pode – his best, a famosa limonada do limão, como gostam de dizer os americanos. Conhece o adversário, conviveu com ele, aprendeu a respeitá-lo. E isto –mesmo que levante suspeitas nos seus colegas oficiais- nada diminui o seu amor pelo Japão e a lealdade que deve ao Imperador. Honra e coragem, com estratégia, com inteligência, e com cuidado –verdadeiro carinho- por todos e cada um dos seus homens. Leia mais

A necessidade da reflexão para o aprendizado e motivação

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Nos aprendizados da vida muitas das coisas mais importantes não se transmitem por argumentação, através do raciocínio lógico especulativo, mas através de outros caminhos que tem a ver com o amor que se coloque no processo de educar, e com a conseqüente educação da afetividade. Nas culturas antigas é fato que o meio principal da educação moral era contar histórias, como o substitutivo lógico para a impossibilidade de que todos os homens se possam submeter às experiências intensas de situações humanas. Assim, as artes que contam histórias –teatro, literatura, ópera, cinema- teriam um papel de suprir as experiências que nem todos podem vivenciar. É deste modo como se pode produzir o que Aristóteles denominava Catarse – purificação-, caminho obrigatório no pensamento grego para chegar ao reconhecimento do belo, e do bom. Sem dúvida, o mais catártico é a realidade vivida, mas as histórias de vida , quando bem colocadas, têm um importante papel. Quer dizer: não é função da arte “contadora de histórias” o simples divertir, ou passatempo; mas sim provocar sentimentos -alegria, entusiasmo, aprovação, rechaço, condena- que configuram o “coração das gentes”. Este era o papel da tragédia grega. Estas histórias, as tragédias, provocavam a catarse , que pode entender-se num duplo sentido. O primeiro, imediato, é a liberação dos sentimentos, como uma limpeza orgânica, como um purgante. O segundo, muito importante, é que mediante a catarse “colocam-se no seu lugar” todos estes sentimentos acumulados –emoções- que não poucas vezes se armazenam de modo desordenado. Leia mais

O Resgate do Soldado Ryan

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“Saving Private Ryan” Dir: Steven Spielberg. Tom Hanks, Edward Burns, Tom Sizemore, Matt Damon, Jeremy Davies. 169 min.

Saving private RyanDiz o ditado popular que acerca de gostos, nada está escrito, não existe consenso. Quando do gosto se passa à interpretação da obra de arte, as opiniões movem-se no amplo espectro da sensibilidade que permeia o ser humano. Interpretar os filmes é ainda tarefa de maior diversidade, pois nem sempre se trata de encontrar significados nas entrelinhas dos fotogramas. Ás vezes, muitas, é o filme quem encontra, dentro de nós mesmos, significados que estavam ocultos, latentes. Assistimos a produção relaxados, querendo nos divertir, e de repente, o filme vira um problema, e faz emergir dentro de nós temáticas que estavam esquecidas, aposentadas. O feitiço vira-se contra o feiticeiro.

Preciso confessar que “O Resgate do Soldado Ryan” me trouxe vivências especiais, variadas. Um bom amigo, professor de história, comentou-me que vendo o filme lembrava das narrativas que o seu avô, veterano da guerra civil espanhola, lhe tinha contado anos atrás. O assobio das balas, que o soldado sente próximo dele, sem saber se aquela bala que está ouvindo parará no seu corpo. “Neste filme você ouve o assobio das balas. É exatamente o que meu avô me contava. Eu nunca tinha visto um filme tão realista: não apenas nas cenas, mas nos ruídos”.  Outro amigo, médico, homem culto e vivido, me disse quando lhe perguntei sobre o filme: “Isso é um tango de Gardel! ”. A minha cara de surpresa poupou a pergunta, e ele continuou: “Você nunca ouviu aquele tango da mãe, que tinha cinco filhos que foram para a guerra na França, lá morreram todos, e a velhinha ficou sozinha, com cinco medalhas que a pátria lhe entregou por cinco heróis”. Sim, lembrei na hora do tango, que o meu avô gostava de entoar: ‘Silencio en la noche, ya todo está em calma….’ E depois fala da velhinha, das medalhas, dos homens que se matam nos campos de França.

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Sentimentos e aprendizado são as bases de reflexão

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Os sentimentos são modalidades, ou modificadores dos estados de consciência, mas não conteúdo desses estados. A chuva que para alguns inspira poesia, para outros, que estão se molhando em baixo dela, provoca irritabilidade. A chuva é a mesma, o índice pluviométrico não varia um milímetro, mas os resultados subjetivos são completamente diferentes. Analisado com objetividade o fenômeno é único, e os sentimentos –de inspiração poética ou irritação- em nada afetam o fato em si. Do ponto de vista objetivo os sentimentos não são nada, mas –e aqui está o ponto de inflexão- do ponto de vista subjetivo, os sentimentos são tudo. É fácil estabelecer, no processo de aprendizado, uma relação entre a inteligência e a vontade com os conteúdos dos âmbitos cognitivos e o desenvolvimento de habilidades psicodinâmicas. Mas, qual é o papel que cabe aos sentimentos no processo de aprendizado? Como é que influenciam e o que determinam? Se afinal, aprendizado é aquisição de conhecimentos e aplicação prática em habilidades qual seria a função dos sentimentos e a reclamada importância da educação da afetividade? Na verdade a pergunta é mais retórica do que real. Todos sabemos, porque o comprovamos inúmeras vezes nos outros e de modo convincente em nós mesmos, que o progresso formativo não vem determinado apenas pelo que se conhece e pelo que se faz, mas pelo modo como se conhece e como se executa. Os sentimentos promovem uma ponte entre o que se conhece – a idéia, o conceito, situado no âmbito do cognitivo – e o que se quer, o que se executa, situado no âmbito da vontade. É experiência universal que não basta saber as coisas para executá-las, mas é preciso querer fazê-lo, e esse querer vai além da simples imposição da vontade. É uma questão de motivação. Os sentimentos, de algum modo, personalizam o conhecer, revestem o conhecimento com roupagem pessoal, e facilitam o querer –a execução- porque são a base da motivação. Uma coisa são as idéias e conceitos e outra é o que são as idéias para mim, qual é o “sabor” que essas idéias têm ao paladar afetivo. Leia mais

Educar as emoções

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Educar com o Cinema é tema que me tem acompanhado nos últimos anos. Tive ocasião de escrever artigos, publicar livros, dar conferências em congressos internacionais, apresentar-me em programas de TV. E, em quase todos os cenários, a pergunta que surge é similar: “Você não é médico? E isto do cinema, como se encaixa na sua vida?”. A pergunta procede e, até tal ponto, que mesmo quando não a fazem eu mesmo a coloco e respondo. Afinal, é necessário justificar o tempo que se dedica a um trabalho que já ultrapassou de longe as proporções de um simples hobby.Dizer que os médicos de hoje estão munidos de excelente preparação técnica, não é novidade. Como, infelizmente, também não o é afirmar que carecem, na maioria, da sensibilidade suficiente para lidar com o ser humano doente, que sofre e se confia aos seus cuidados. Fala-se em humanizar a medicina, quando na verdade o que se gostaria é de injetar doses de humanidade nos médicos para ver se o paciente consegue, de algum modo, se fazer entender pelo profissional que está destinado a cuidá-lo e, muito absorvido pela técnica moderna –e necessária- parece esquecer o paciente, ocupando-se apenas com a doença. Leia mais

DESENCANTO

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(Brief Encounter) Diretor: David Lean. Trevor Howard, Celia Johnson.
Inglaterra, 1946. 85 minutos.

O tempo faz envelhecer os filmes. A passagem dos anos vai desgastando-os como faz com as pessoas, no que tem de material, de orgânico. Somente não envelhece o espírito. Por isso os valores, ancorados no espírito, não envelhecem nunca; ficam, persistem, são eternos. A maioria dos filmes envelhece porque oferece ao tempo uma ampla superfície de erosão. São como a realidade orgânica de uma técnica que logo será obsoleta; as personagens são pouco reais, como de plástico, epidérmicas. O tempo não poupa o material e vai mumificando os filmes carentes de alma enquanto espalha cabelos brancos e rugas na face dos espectadores.

            Existem filmes em que a densidade do espírito é tanta que o tempo atinge-os apenas na periferia, sem chegar perto do núcleo. Possuem intimidade, são filmes atemporais, fora do tempo, que é muito mais que dizer atuais. Filmes que contém um amontoado de vivências humanas, de paixões e instintos. Personagens que são encarnação de toda a gama psicológica de temperamentos, com defeitos e virtudes. Momentos de dúvida vital, de hesitação, de conflito interior. Existirá algo mais humano -animicamente humano- do que o conflito e a dúvida?

            “Desencanto” é um destes filmes. Uma sequência de situações que, sendo corriqueira, entranha um profundo envolvimento psicológico, ao qual o espectador não é poupado. Lembranças envolvidas em fumaça de estação ferroviária e nos acordes -sempre atemporais- do segundo concerto para piano de Rachmaninoff. “Um encontro acidental na quinta feira; outro encontro e um almoço na semana seguinte. Depois o cinema. O que há de mais comum em tudo isto” -diz Alec (Trevor Howard). E, no entanto, “sabes o que aconteceu, não?” pergunta a Laura (Celia Johnson) que, confusa, abaixa o olhar.

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