A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA. (It’s a wonderful life). Diretor: Frank Capra. James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Tomas Mitchell. USA 1948. 129 min.

Lembro deste filme com um carinho especial. Tinha nove anos quando o vi por primeira vez.  Passaram-se mais de 50 e a lembrança continua viva, como se tivesse sido ontem. Era aquela, a época em que as crianças não assistíamos TV à noite, pois acordávamos cedo para ir no colégio. A proibição dos programas noturnos era a solução caseira mais natural, na tentativa de poupar o guindaste matutino para nos arrancar da cama. Penso que isso sempre foi assim, com ou sem TV à noite.

            Naquele dia, um Domingo se mal não lembro, estando já deitados, meu pai entrou no quarto e acendeu a luz. “Levantem. Vão ver um filme com seus pais porque vale a pena duas horas de sono”. Estas ocasiões eram tão raras que a novidade já tornava o filme ótimo. E como o gosto pelo cinema em casa era algo “quase genético”, não houve dificuldade em obedecer a ordem; na verdade não era ordem, simplesmente um convite carinhoso.

            Assisti depois varias vezes o filme de Capra. Ele também tinha este entre suas produções preferidas. Não vou contá-lo porque é preciso vê-lo, senti-lo talvez, sem  medo, sem reprimir as emoções. Somente assim podem se assistir aos filmes de Frank Capra: desarmados, como crianças de pijama. É preciso deixar que as atitudes das personagens -suas dúvidas, decepções, alegrias, hesitações e quase desespero- tomem conta também de nós. Os filmes de Capra há que vivê-los; assisti-los de camarote é desperdiço. E, quem sabe, tornar-se mais uma vez criança para que o impacto seja total. Por isso, cada vez que assisto um dos seus filmes gosto de lembrar as circunstâncias em que vi este por primeira vez: por surpresa, saindo da cama, envolvido num roupão e na expectativa. Como os presentes de Natal…

            James Stewart tem um desempenho magnífico: o ator ideal, escolhido sob medida. Tal vez por isso Capra o inclui frequentemente no elenco dos seus filmes:: ingenuidade, elegância, personalidade, bondade  de fundo. Um homem que encarna na tela valores altos, de modo transparente. As lembranças, muitas, acumulam-se na memória. Uma tem sabor especial: o diálogo com o velhinho que resulta ser o Anjo da Guarda do protagonista. “Tua vida não presta? Você vai ver como seria o mundo se você não existisse”. Confesso que por vezes –e penso que não sou o único- cheguei a sentir inveja dessa situação. A possibilidade de estabelecer uma conversa com quem nos pode mostrar como o mundo seria sem nós, para nos certificar que estamos fazendo as coisas certas, que somos de fato úteis. Saber-se útil é um dos motores necessários para viver a vida com plenitude. E, com o decorrer da vida, a inveja diminuiu porque se acaba encontrando o modo de ter essas certezas, de buscar o aval que traz a serenidade, a paz do dever cumprido, e o desejo, sempre crescente, de fazer mais, de chegar mais  longe, de espalhar o bem.

            São os valores que Frank Capra faz destilar nos seus filmes, que também escorrem da nossa alma. Sim, vale a pena ver este filme em família, em silêncio, sem comentários. Deixemo-los para amanhã; hoje basta concluir com George Bailey -o protagonista- que sim, que a pesar de tudo, é belo viver esta vida maravilhosa. Estamos com você, Frank Capra: “It’s a wonderful life!!”

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