ROMANCE DE OUTONO

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

ROMANCE DE OUTONO  (Used People) Diretor: Beeban Kidfron. Shirley MacLaine, Marcello Mastroianni. Jessica Tandy, Kathy Bates. USA 1992. 120 min.

A tradução do título original para a nossa língua não costuma ser das empreitadas mais felizes. E sempre que comento isto me vem à cabeça o exemplo fatídico: A Noviça Rebelde“, onde com apenas três palavras se consegue assassinar “a priori”, nos créditos, a imagem de um esplêndido musical cujo recado é falar da poesia e do poder que a música exerce sobre o coração humano.

Mas existem exceções. Romance de Outono é uma tradução adequada daquilo  que este filme encantador nos transmite. Muito melhor que o título original, Used people, já que em questões de amor e na vida, as pessoas não são descartáveis nem artigos de segunda mão. O amor é sempre jovem, ou melhor, é elemento remoçador. Quem é jovem tem capacidade de amar. O velho é tal, não pela idade cronológica, mas porque se aposentou no amor.

Romance de Outono é um filme bem conduzido, articulado sobre atores de primeira categoria. É simples no argumento, já que a temática, em si, não poderia ser complexa: uma espera de 23 anos para encontrar a mulher da sua vida. Uma espera serena, interior, um romantismo que muito tem do cavaleiro medieval que aguarda o momento oportuno para encontrar-se com sua dama. Espera que não paralisa mas que é ativa, ocupada, como os compassos de silêncio do instrumento que, mudo, aguarda o olhar do maestro para integrar-se na melodia da orquestra. Tudo tem seu tempo, sua harmonia. As precipitações somente produzem dissonâncias.

O filme oferece uma ótima oportunidade para se refletir sobre as esperas que todos devemos enfrentar na vida. Esperas que devem enriquecer os que aguardam, fazendo amadurecer os idealismos por demais ingênuos, decantando doses de realismo. Essa é a verdadeira preparação para, com decisão, agir no momento certo, entrar no compasso no acorde correspondente. Somente quem aprende a esperar, fazendo da espera virtude, consegue intervir oportunamente, com firmeza, sem titubeio.

Joe, o nosso D. Quixote que espera 23 anos por Dulcineia é persistente, insiste, de modo chocante até. Isso porque soube temperar-se na espera e, como o guerreiro que tensa parcimoniosamente o arco, deixa partir, veloz, a flecha em direção ao alvo.

Romance de Outono é tudo isto, e muito mais. Um filme simpático e ameno, que coloca acertadamente os contrastes. A futilidade de uma das personagens, que vive consumindo-se em “mudanças de visual” com o amor ponderado e maduro, que sabe descobrir as necessidades alheias, que garimpa o detalhe. Os inevitáveis atritos familiares, que somente converte em tragédia quem não tem a elegância de abrir mão dos próprios direitos. E um desafio: a conquista do amor maduro, uma reconquista, de quem já amou e sabe que amor e sofrimento caminham juntos.

Romance de Outono não é um filme de amor na terceira idade. É um filme romântico, uma apologia da espera do homem enamorado, do realismo sofrido da mulher que soube amar. Mas não é amor de velhos. No dizer de Fernando Pessoa, velho é aquele que “vive porque a vida dura” e já tem “na vida a sepultura”. Quem não ama é um morto vivo, um ser empalhado. O amor é sempre jovem, e por isso sabe esperar.

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