A FRATERNIDADE É VERMELHA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

A FRATERNIDADE É VERMELHA. (Rouge) Diretor: Krzystof Kieslowski. Irene Jacob, Jean-Louis Trintiognant, Jean Pierre Lorit. Fran/Pol/Suíça 1994. 99 min

Este é um dos filmes da trilogia que Kieslowski dedica à bandeira tricolor francesa em sugestiva associação com a máxima da revolução. Em opinião da crítica, supera os outros dois -”a liberdade é azul”, “a igualdade é branca”- embora estas comparações são sempre delicadas, mais ainda tratando-se de um cinema de autor, muito pessoal.

            O cinema europeu é, por vezes, uma realidade difícil de assimilar para a nossa sensibilidade latina, tão feita à sintonia hollywoodiana. Falar de filmes europeus suscita no público certo receio de cinema hermético, histórias contadas pela metade, filmes que não acabam… e por aí afora. Na verdade, o assunto seria mais simples se a nossa postura fosse outra: não se trata tanto de compreender o filme como de vê-lo, observando-o, sentindo-o. Querer espremer todo o significado, perder-se em interpretações -gosto mórbido dos críticos e do público com esnobismos intelectuais- é transformar o filme em problema, em vez de desfrutar sem compromisso daquilo que é: uma manifestação artística. Afinal um filme não é uma equação matemática com soluções múltiplas. As coisas se simplificam quando vemos o filme, gostamos -ou não gostamos- permanecemos no plano intuitivo, sem nos preocupar com justificativas ou explicações.

            “A fraternidade é vermelha” é um filme diferente, agradável de ser ver, por demais sugestivo. Argumento simples: a protagonista, uma mulher que, sobretudo, quer ajudar o mundo …mas o mundo fica grande demais para ela. Pode ser um cachorro ferido, uma velhinha necessitada, um jovem desiludido do amor, um aposentado descrente da humanidade; tudo é lombada na estrada da sua vida que a prende, segurando-a, como se não tivesse vida própria, querendo, por cima de tudo amparar o que tem à volta. Uma vida aberta a desafios, às insuficiências dos outros padecendo, ela mesma, de carência de amor.

            O filme é de um visual notável, uma fotografia precisa, o vermelho dominando as perspectivas em monotema que não cansa, emoldurando os gestos expressivos de Valentine – Irene Jacob, que está formidável. Um clímax especial se atinge no desfile, festival de flashes, original e até emocionante, como uma coroa para a alma feminina, que vaza das imagens, com muito amor para dar. Um amor maternal de mulher jovem que não é mãe, de esposa sem marido, de filha órfã; amor que não acaba de encontrar o recipiente sob medida, mas que é real, passa fazendo o bem enquanto procura o destinatário que desconhece. Significados? Deve haver muitos, inclusive o que apontam alguns críticos: a descrença do diretor na liberdade humana, o destino inexorável que se impõe, como nas tragédias gregas. Outras interpretações? Histórias que se repetem, a descoberta da inocência e da bondade entre a lama de um mundo podre, a possibilidade de ser feliz tornando feliz outros, e muitas mais. Talvez o melhor seja deixar de lado todas elas, assistir sem preconceitos, comprovar que também há filmes europeus que falam à nossa sensibilidade -suavemente, em francês- e deixam um bom sabor de boca. “Sonhei com você. Você tinha 50 anos e era feliz, completamente feliz” Não é pouco para se almejar, e um motivo mais do que suficiente para viver.

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