J. D. Salinger: “O Apanhador no Campo de Centeio”

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J. D. Salinger: “O Apanhador no Campo de Centeio”. Editora do Autor. Rio de Janeiro. 17ª Ed. 206 pgs.

     Um fórum de humanismo com universitários foi o motivo de me aventurar a ler este livro. Tenho as minhas reservas com os autores cult que publicam “aquele livro”, somem por duas décadas, e talvez se dignem escrever algum outro título, a modo de colher de chá, para os leitores que lhes tributam devoção. O mesmo acontece com alguns diretores de cinema, que fazem um filme a cada dez anos e depois mergulham no ostracismo, rodeando-se de uma aura de pensador misterioso e genial. Por isso nunca cheguei a decidir-me por decifrar o tão trazido e levado apanhador no campo de centeio. Mas desta vez, sendo o tema da discussão, não havia escapatória.

     Li o livro em um par de tacadas. Talvez algo injusto tratando-se de obra tão comentada. Mas adotando o estilo do singular protagonista, vamos com a verdade pela frente, sem ficar preso a convencionalismos hipócritas. A descrição precisa –e a tradução acertadíssima, tudo seja dito- esculpe a figura de Holden Caulfield, um perfeito anti-herói. Lembrei, logo no início, de Bogart em Casablanca, sarcástico e insensível, fazendo questão de parecer o mau da história sem, naturalmente, consegui-lo. Lembrei-me de James Dean, o rebelde sem causa, contemporâneo de Holden, lá na década dos cinquenta. E, postos a lembrar, o Gênio Indomável de Matt Damon –que é domado por Robin Williams- também veio à memória.

     São variações sobre o mesmo tema. O homem crítico com o mundo –e com toda alma viva- que revela uma carência substancial de afeto. Sabe tudo o que não quer, mas desconhece o que realmente quer. Condena qualquer convencionalismo e falsidade, e incorre no mesmo erro; odeia o semelhante porque se odeia a si próprio. Este panorama, incarnado num adolescente, oferece uma riqueza de matizes que é prato cheio para a discussão humanista. De fato, o fórum resultou numa densidade de opiniões considerável. Aprendi muito. E decidi escrever para que outros que tenham alergia aos “cult” não percam a oportunidade de refletir ao compasso das crises do protagonista.

     Holden é um contestador, quer ser o intrigante sem escrúpulos, mas tem um cinto de segurança. Por mais que tente, não perde o senso da realidade, tem o alcance da moralidade, é um homem culto. Desta vez foi Ortega a ser lembrado, quando nos diz que a cultura é o que nos salva do naufrágio vital, e o que nos permite viver sem que a vida seja tragédia sem sentido ou radical envilecimento. Estes conselhos são os que Salinger coloca em boca de um professor, figura essencial na formação dos adolescentes, todos eles rebeldes sem causa. Aí entra a promoção da cultura e do conhecimento que conferem clareza na visão do mundo, e fazem entender que essas crises não são privilégio de Holden, mas do ser humano, e torna-se necessário aprender a lidar com elas. Um conhecimento que leva a humildade e ao realismo para viver a própria vida.

     As crises de adolescente de Holden Caulfield são de tremenda atualidade. Sempre serão. O que talvez hoje falta seja a cultura, o pensamento ordenado, a leitura dos clássicos que permitem entender como funciona o ser humano. Falta o cinto de segurança, a perspectiva humanista, a fibra moral. Faltam, talvez, os professores que ajudem a descobrir este universo. E há carências enormes de amor, o coadjuvante imprescindível na educação. Mais um motivo para que os envolvidos na educação não dispensem esta obra e a utilizem para “apanhar no campo de centeio” os jovens que, sem saber, estão prestes a cair no precipício.

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