Sergio Rubin & Francesca Ambrogetti: “O Papa Francisco- Conversas com Jorge Bergoglio”

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Sergio Rubin & Francesca Ambrogetti: “O Papa Francisco- Conversas com Jorge Bergoglio”. Ed Verus. Campinas. 2013. 200 pgs

     Este livro sai em edição renovada, estreando título, embora as conversas de ambos os jornalistas com o Cardeal Jorge Mario Bergoglio sejam anteriores à sua eleição como Papa, quando era Arcebispo de Buenos Aires e Cardeal Primaz da Argentina. No entanto, é um livro imprescindível para conhecer a personalidade de quem ocupa agora a Sede Romana. Sua história familiar, a descoberta da sua vocação, o seu pensamento, seus temas favoritos, apontam com acerto para o que será o foco principal do pontificado de Francisco.

     O livro compõe-se de duas partes claras: a primeira nos relata a trajetória vocacional e a atividade sacerdotal de Bergoglio, com as conclusões decorrentes –teologia prática, cristalização das vivências- da sua longa experiência pastoral. A segunda centra-se no pensamento do Cardeal Bergoglio acerca de questões que dizem respeito à Argentina, seu país natal e, naturalmente, sua primeira preocupação quando ocupava a sede cardinalícia em Buenos Aires.

     A família é o ponto de partida imprescindível destas memorias que compartilha com os jornalistas. A família paterna, Piemontesa, daqueles italianos que souberam deixar para trás a sua terra natal, e buscar o futuro. Dizem que por isso, Buenos Aires, que foi construída em grande parte por imigrantes, não olha para o Rio de la Plata, mas para a Pampa, que é o futuro. É a nostalgia, como explica o Cardeal. “Nostalgia, do grego nostos algo, é a ânsia por regressar ao lugar. Tem uma dimensão humana, como a de Ulisses que lhe marca o regresso para a sua pátria. Hoje perdemos a nostalgia como dimensão antropológica. Quando colocamos os anciãos nas casas de repouso, com algumas bolinhas de naftalina no bolso, de alguma maneira adoeceu a dimensão nostálgica, porque encontrar-se com os avôs, é assumir um encontro com o nosso passado”.

     O relato da sua vocação, também aparece com detalhe. Foi um “Dia do Estudante”, em que se dispunha a sair com os amigos, mas decidiu antes visitar a sua paróquia e vendo lá um sacerdote que lhe inspirou confiança resolveu confessar-se. Era já católico praticante, mas aquela confissão foi uma verdadeira primavera da fé. “Foi a surpresa, o estupor de um encontro; reparei que me estavam esperando. Isso é a experiência religiosa: o estupor de encontrar-se com alguém que te está esperando. Desse momento em diante, Deus é o que me ‘primerea’ (corteja, galanteia). Estamos buscando-o, mas ele te busca primeiro. Queremos encontra-lo, mas Ele nos encontra primeiro”.

     O seu pai aceitou a vocação logo de cara; mas a mãe incomodou-se inicialmente. “La vieja se enojó” –afirma Bergoglio, em expressão portenha, que lembra a letra de um tango. Era uma boa mãe italiana que educava os filhos na arte de escutar opera: “Escutávamos do seu lado, os sábados de tarde, as óperas que transmitiam na Rádio do Estado. Fazia-nos sentar à volta do aparelho e nos explicava de que tratava a ópera. Quando ia começar uma ária importante dizia-nos que escutássemos bem, que era uma canção linda. Estar com minha mãe, os três irmãos mais velhos, os sábados, gozando da arte era fantástico”.

     O trabalho, a dignidade humana, e o drama do desemprego são temas que surgem na conversa. “Os desempregados, são como gente que não se sente pessoa. Por mais ajuda que recebam da família e amigos, querem trabalhar, querem ganhar o pão. Em ultima instância, o trabalho unge de dignidade a pessoa. A dignidade não vem da formação familiar, nem da tradição nobre da família, nem mesmo da educação. A dignidade, como tal, vem do trabalho. Comemos o que ganhamos, mantemos nossa família com o que ganhamos. Não importa se é muito ou pouco. Podemos ter uma fortuna, mas se não trabalhamos, a dignidade se desmorona. É como o emigrante que chega sem nada e “faz a América”. Mas, cuidado, porque o filho ou o neto do emigrante pode começar a decadência se não está educado no trabalho. Os imigrantes não toleram os filhos ou netos vagabundos”.

     Um capítulo interessante e divertido é o que intitula: “Quando brincava de ser Tarzan”, onde descreve o lado prático da fé, da esperança, do abandono nas mãos de Deus. Aprender a confiar em Deus mais do que nas nossas capacidades. Uma lembrança serve de pista de decolagem para estas importantes reflexões que conduzem à humildade. Na época era Bispo auxiliar de Buenos Aires e, após acabar o expediente no seu escritório, passou um momento para rezar na igreja, antes de dirigir-se a tomar um trem, pois lhe esperavam para pregar um retiro. Naquele momento, se lhe aproximou um rapaz pedindo para confessar. Bergoglio estava com pressa, pediu ao rapaz que esperasse um pouco, que logo viria outro sacerdote… Mas quando começou a afastar-se teve vergonha, regressou e confessou o rapaz. Saiu atrasado, pensando que tinha perdido o trem. Porém, em chegando à estação, soube que o trem também estava atrasado e pôde pegá-lo. Foi um recado de Deus. “Tinha um espírito de suficiência tremendo. De algum modo pensava: olha só quanta coisa sou capaz de fazer. Era soberba, e não reparava.” A este propósito utiliza a expressão “transitar na paciência”: “É um tema no qual reparei faz anos lendo um livro de um autor italiano com um título muito sugestivo- Teologia do fracasso. É no limite onde se curte a paciência. Às vezes, a vida nos leva não a fazer, mas a padecer, suportando as limitações próprias e alheias. Transitar na paciência é saber que o tempo os amadurece, é deixar que nossa vida se molde pelo tempo que temos de viver”.

     As perguntas sobre a ética obtêm respostas diretas, contundentes. “Tenho pânico aos intelectuais sem talento, e aos estudiosos da ética que não tem bondade. A ética é uma floração da bondade humana. Está enraizada na capacidade de ser bom que a pessoa e a sociedade têm. Faltando isso, o que temos é uma falsa ética, uma ética aparente, na verdade, a hipocrisia da uma vida dupla. A pessoa que se fantasia de ética, no fundo não tem bondade”.

     A História recente da Argentina –com ditaduras e revanchismos- oferece a oportunidade de falar do perdão. Uma proposta inovadora que consiste em mudar os demais na base de perdoar; afogá-los em bondade, que é caminho para sarar o coração dos outros e o próprio. “Há uma frase na bíblia que recomenda dar de comer e de beber ao inimigo, porque isso amontoará um braseiro sobre a sua cabeça. Isso nunca me convenceu. Até que recentemente saiu uma tradução muito boa que ao invés do braseiro fala ‘deste modo, sua cara arderá de vergonha’. Isto indica a estratégia: chegar a uma atitude tão humana, que nos honra, que é a de ter vergonha de algo mau que fizemos. Quem não tem vergonha perdeu o último limite que pode contê-lo na sua vida desregrada: é um sem vergonha”.

     Naturalmente, o tema da pátria –de carregar a pátria, fazer a nossa parte- está também presente nas páginas finais do livro. “Gosto de falar da pátria, não do país, nem da nação. O país é um fato geográfico; a nação um assunto legal, constitucional. Mas a pátria é o que outorga a identidade. Uma pessoa que ama o lugar onde vive não é um “paisista” nem um “nacionalista”, mas é um patriota. Pátria vem de pai, porque é a que recebe a herança dos pais, dos ancestrais, e tem de ser levada adiante”.

     Em resumo: uma coletânea de pensamentos do Cardeal Jorge Mário Bergoglio, hoje Papa Francisco, que certamente terão seu desdobramento –sempre muito prático, como ele gosta- no governo da Igreja Católica nesses tempos que vivemos.

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