SERENATA PRATEADA

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

Penny Serenade. Diretor: George Stevens. Cary Grant. Irene Dunne.    USA,  l94l. l25 min.

Quando um filme toca o coração remexendo com os sentimentos, o espectador -atingido na sua emoção- olha discretamente à sua volta para certificar-se que ninguém notou esta fraqueza. A crítica superficial qualifica o filme de lacrimogêneo. Cataloga-se e inclui-se a fita no rol “água com açúcar”. É destinado à sessão da tarde, e recomenda-se “aos amantes do gênero” para, naturalmente, assistirem com um lenço na mão. São os tempos que vivemos, onde as pessoas se envergonham de ter sentimentos. Nada mas ilógico, sendo o sentimento algo profundamente humano, a cuja volta circulam valores densos, genuinamente humanos também. Certamente os animais não se emocionam, mesmo que, paradoxalmente, os que se envergonham dos próprios sentimentos, procuram afoitos sentimentos nos irracionais.

         De um filme dos anos 40, com Irene Dunne no elenco podemos esperar, como realmente acontece, enxurrada de emoções. “Serenata Prateada” é narrado em “flash-back” sucessivos, com mergulhos no passado, guiados por discos e temas musicais, como se de as páginas de um livro se tratasse. A ideia é original, embora se torne repetitiva. Mas o filme tem no seu conjunto, momentos memoráveis.

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DUMBO- Celebrando a diversidade e tirando o melhor das pessoas.

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Dumbo. Diretor: Tim Burton. Colin Farrell, Michael Keaton, Danny DeVito, Eva Green, Alan Arkin, Nico Parker, Finley Hobbins, Deobia Oparei. 111 min. USA, 2019.

Como já comentei neste espaço, descobri em mim mesmo uma peculiar sintonia com Tim Burton. Demoraram alguns anos, salpicados de surpresas por vezes bizarras, mas -é preciso reconhecer- também de momentos inesquecíveis: As histórias do Peixe Grande, com um Albert Finney em estado de graça; o visual pictórico sedutor de Big Eyes, e finalmente O Lar das Crianças Peculiares ensinaram-me a olhar para este diretor singular com especial respeito. Burton chega agora com um filme que, conforme li em algum lugar, sempre quis fazer: Dumbo. Parece que também ele, como o elefante voador, sente-se de algum modo “carta fora do baralho”.

O tema é conhecido graças à história que Disney contou-nos há muitas décadas. Naquela época, as crianças chegávamos facilmente às lágrimas vendo as desventuras do pequeno elefante rejeitado, e saíamos do cinema com um impagável bom sabor de boca, vendo ele remontar às alturas, triunfando em final feliz. Mas, nem as crianças -nem os adultos pelo que me recordo- tiravam outras consequências dessa amável fábula, vertida em desenhos animados.

No contexto burtoniano, a história reveste-se de recados profundos, de alto impacto. Não são mais desenhos, mas pessoas reais,  um elenco escolhido a dedo, atores que se encaixam no papel sob medida. Desde o dono do circo (Danny DeVito) até o malvado (Michael Keaton), passando pela trapezista recolhida nas ruas de Paris que é uma garota de coração doce (Eva Green, quem diria). E Colin Farrell, herói e aleijado da primeira guerra, pai das crianças que, como Dumbo, também perderam a mãe. E toda uma trupe de sonhadores sem rumo, gente díspar, aberrações circenses, para fazer a corte ao elefante que, turbinado por efeitos especiais, não deixa em nenhum momento de parecer real. É o olhar de Dumbo, cuidado e magnificamente desenhado, o que o torna real. Como acontecia com King Kong -os olhos do gorila que injetam humanidade no primata!- o filme fetiche daquele diretor (Peter Jackson) que desde os sete anos sonhou com refazer a versão própria dos amores de King Kong.

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Magdi Allan: “Vencer el Miedo”.

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Magdi Allan: “Vencer el Miedo”. Encuentro. Madrid (2008). 224 págs.

Importante testemunho deste periodista, hoje vice diretor del Corriere della Sera. Egito de nascimento, e muçulmano, fala do processo de integração radical do Islam, que deixou de ser um sistema laico para se transformar em fanatismo religioso mal entendido.

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Svetlana Aleksiévitch.  “Vozes de  Tchernóbil. A história oral do desastre nuclear”.

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Svetlana Aleksiévitch.  “Vozes de  Tchernóbil. A história oral do desastre nuclear”. Companhia das Letras. São Paulo. 2016. 384 págs.

A narrativa poderosa e impactante da escritora prêmio Nobel da Bielorrússia, protagoniza a leitura mensal e as reflexões da Tertúlia Literária . Escreve o livro em 2005, 20 anos depois da catástrofe, após recolher testemunhos multivariados dos envolvidos no desastre nuclear, que alinhava de modo magnífico -um exemplo notável de história oral- dando voz aos que não têm, imprimindo relevo e colorido humano sobre um evento cinza. Svetlana é de fato uma escritora que humaniza a história,  e nos faz chegar até a alma das personagens.

Assim descreve seu trabalho de garimpo recolhido nesta obra. “Passaram-se mais de 20 anos da catástrofe, mas até hoje persegue-me a mesma pergunta: do que tenho de dar testemunho? Do passado, ou do futuro? É tão fácil cair na banalidade, na banalidade do horror”.

E explica que o foco são, como sempre nas suas obras, as pessoas e não apenas os fatos: “Este livro não trata de Tchernóbil, mas do mundo de Tchernóbil. Sobre o tema escreveram-se milhares de páginas. Eu dedico-me à história omitida, às pegadas do nosso passo pela terra e pelo tempo. Escrevo recolhendo o quotidiano dos sentimentos, das palavras, da vida diária da alma. A vida quotidiana de gente corrente. Aqui tudo é extraordinário: as pessoas e as circunstâncias elevaram esse povo a uma nova condição. Tchernóbil para eles não é uma metáfora, mas sua casa. O nome do meu pais, um pequeno território perdido na Europa, do qual o mundo nunca tinha ouvido falar, começou a ressoar em todas as línguas, converteu-se no laboratório diabólico de Tchernóbil, e nós, os bielorrussos, nos convertemos no povo de Tchernóbil. Escrevi durante muitos anos este livro. Quase vinte. Encontrei-me com trabalhadores, científicos, médicos, soldados, evacuados, residentes ilegais em zonas proibidas. Com as pessoas para as que Tchernóbil representa o principal conteúdo da suas vidas. Reflexionávamos juntos, tinham pressa, temiam não chegar a tempo, e ainda não sabiam que o preço do seu testemunho era a vida”.

Mas os fatos e os números não estão ausentes: “Antes de Tchernóbil por cada 100 mil habitantes de Bielorrússia se produziam cerca de 82 doenças oncológicas. Hoje chegam a 6 mil. Quer dizer, multiplicaram-se por 74” . Embora o que de fato a seduz são as personagens, seus entrevistados: “Tropecei com muita gente boa: uma auxiliar de idade foi me preparando: algumas doenças não se curam. Tens de sentar e acariciar a mão. As mucosas caiam em capas. Chagas que foram crescendo. Mas tudo nele era tão meu, tão querido”.

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Caminhos para a Criatividade

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Kevin Ashton: “How to fly a horse. The secret history of creation, invention and discovery”.  Anchor Books Edition. Penguin Random House. N York. 2015. 314 pgs.

Um amigo me emprestou este livro há alguns meses, mas teve de sofrer a quarentena necessária na estante, em função das pendências -sempre muitas, mais das que o tempo comporta. Coloquei-o  na mala de mão na hora de pegar um voo para Itália, onde tinha agendado compromissos acadêmicos, conferências e congressos, que os anfitriões denominaram “Il Giro Umanístico”. Acabei lendo aos trancos e barrancos durante o itinerário,  entre multidão de imprevistos e deslocamentos em trens,  onde a criatividade teve de ser necessariamente exercitada.

O contexto ajudou-me a perceber o grande recado deste livro: criatividade não é mágica, mas trabalho mesmo. Pegar no batente. O autor desmitifica o gênio criativo, e credita os resultados ao trabalho. Criação não é algo extraordinário, embora as vezes o sejam as consequências. Criar é humano e todos podemos fazê-lo. Pensar que somente os gênios criam, é falácia. O trabalho é mesmo a alma da criação. Levantar-se cedo, chegar tarde à casa, sacrificando lazer e por vezes férias , revisando e revendo, as rotinas diárias, sentar na frente do papel sem saber o que vamos escrever.

Um livro saturado de histórias a modo de exemplos de criação. Não histórias de gênios,  mas de gente trabalhadora e persistente. Na história da humanidade sempre houve criação, e registrou-se como algo normal. Mas apenas a partir do Renascimento é que se começou a conferir crédito aos “criadores”. Por isso, talvez, Gutemberg é mais conhecido do que o criador da roda, ou dos moinhos de vento que, convenhamos, tiveram um impacto pelo menos equivalente. Neste contexto, o autor recorda que a educação moderna enfatiza a importância que deve se dar à criatividade nas crianças, e neste ponto não perde a chance de lembrar desse grande educador –Ken Robinson– de quem já falamos neste espaço.

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Tim Harford. “El economista camuflado.”

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(The Undercover Economist). Temas de Hoy. Madrid (2007). 320 págs.

Um Best Seller de leitura relativamente fácil e amena. Trabalha com conceitos básicos da economia e mostra como podem ser úteis para construir uma sociedade melhor. Assim, a escassez que gera a oportunidade, os livres mercados –que não causam pobreza, mas provocam excelência- os custos marginais, a informação privilegiada que faz com que uns levem vantagem sobre outros, a falta de paciência dos investidores da bolsa, os caminhos para um país sair da pobreza, são temas que o autor aborda com  simplicidade, em linguagem coloquial.

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Gustave Flaubert: “Madame Bovary”

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Gustave Flaubert: “Madame Bovary”. Unidad Editorial. Madrid 1999. 320 págs. (tradução de Carmen Martín Gaite).

Image result for Gustave Flaubert: “Madame Bovary”Por algum motivo que não alcanço a lembrar -talvez a sugestão de um dos participantes da Tertúlia Literária, associado ao contraste com a última personagem feminina comentada neste cenário (Joana D’Arc)- a leitura mensal nos leva até o obra de Flaubert. Clássica e polêmica na sua época, valeu-lhe processos e proibições por conta de um argumento que hoje não destoaria de uma sessão da tarde na TV.

Leio um exemplar da versão espanhola (comprada por 1 Euro numa rua de Madrid), ciente de ser uma boa tradução do original, por conta de uma escritora destacada. Não lidamos com um simples tradutor; mas com um literato vertendo ao seu idioma a prosa de Flaubert. Eu traduzo para o português, com inegáveis perdas de efeito e de elegância semântica.

A saga de Emma, que toma o nome do seu marido Charles Bovary é, no dizer dos participantes da tertúlia, um ensaio multicolorido sobre a insatisfação humana -nunca estamos bem com o que temos, o quintal do vizinho é sempre melhor. Para outros, com palavras de um comentador afamado, é mesmo um estudo sobre a estupidez humana, aquela que se decorre de não valorizar o que temos na mão, da falta de gratidão, que  leva a sucumbir aos espasmos dos desejos sem forma nem propósito.

Eis a radiografia da protagonista na prosa de Flaubert: “Emma, habituada ao sossego da vida, sentia-se atraída por contraste pelos aspectos turbulentos. Se gostava do mar, era pelas tempestades; e apreciava o verde do campo somente quando aparecia entre as ruínas. Precisava extrair das coisas uma espécie de proveito pessoal, e rejeitava por inútil tudo quanto não contribuía ao consumo fulminante do seu coração, e sendo como era de condição mais sentimental do que artística, preferia as emoções às paisagens (…) Com as leituras acontecia-lhe o mesmo que com os labores domésticos; mal começavam, amontoavam-se com outras dentro do armário. Pegava nelas, as deixava, começava uma nova”. Enquanto lia esta descrição da veleidade total de Emma, veio à memória aquela outra de Tess, a personagem do romance de Thomas Hardy:  “um vaso de emoções sem o conteúdo da experiência”. Quer dizer uma antena parabólica que capta toda e qualquer emoção no ambiente, mas é incapaz de processá-las.

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Bento XVI “O Último Testamento. Uma conversa com Peter Seewald”.

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Bento XVI “O Último Testamento. Uma conversa com Peter Seewald”. Planeta. São Paulo, 2017. 287 pgs.

Eis um belo livro, escrito em formato jornalístico de entrevista, que nos adentra no pensamento do Professor Ratzinger, hoje o Papa Emérito Bento XVI. Perguntas do jornalista alemão que é já um interlocutor consagrado do Papa por obras anteriores, e respostas de Bento XVI. As perguntas são acertadíssimas, o que me faz desconfiar que o papel do Papa Bento nesta obra vai além das respostas, tornando-se presente na mesma densidade das questões colocadas.

Peter Seewald centra o tema na Introdução. O Cardeal Ratzinger protegeu, como verdadeiro muro de contenção, a João Paulo II durante um quarto de século e por isso aguenta muitas pancadas. Sente como sua missão a tarefa de defender o cristianismo contra a reavaliação de valores também no âmbito argumentativo. Tudo isso foi definitivo para o seu pensamento, para toda sua obra. Por isso, já como  Bento XVI afirma com serenidade: “Quando um Papa recebe apenas aplausos o tempo todo, precisa se perguntar se fez algo de errado. Neste mundo a mensagem de Cristo é um escândalo.  O Papa sempre será sinal de contradição”.

Teólogo e professor, Ratzinger afirma que a Teologia é a reflexão sobre o que nos foi previamente dito, previamente pensado por Deus. E nesse esforço reflexivo é normal apalpar as próprias limitações: “Quando não compreendo algo, não é porque seja errado, mas porque sou pequeno demais para compreender”. Um estudioso, escritor prolífico, também no âmbito epistolar: conservam-se 30 mil cartas dele antes da sua nomeação como Bispo. Lembrei do Cardeal Newman -de quem também se guardam outras 30 mil cartas (fazia cópia da maioria delas, antes de enviá-las)- personagem que intuo é santo de especial devoção do Professor Ratzinger. Não à toa, Bento XVI deslocou-se até a Inglaterra para conduzir a beatificação de Newman pessoalmente.

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What the best college teachers do?

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Ken Bain: “What the best college teachers do”.

Havard University Press. Cambridge. Massachusetts. 2004. 207 pgs.

Eis um livro que marcou presença na minha formação como professor. Li muitos anos atrás, tive de voltar sobre ele recentemente, e reparei que deveria publicar -quer dizer, tornar públicas, que isso significa publicar- minhas reflexões para que, sendo o caso, outros possam aproveitar.

O livro recolhe as conclusões de vários estudos sobre professores considerados de excelência. Esse é o título e o propósito da obra. E atenta para as características comuns entre eles, que fazem com que assim sejam considerados. Quais são estas características?

Evidentemente esses professores têm conhecimento sobre o tema que ensinam, mas demonstram compromisso e provocam no aluno um desejo continuado de aprendizado. Quer dizer, são a largada do conhecimento -provocadores de um processo- e não apenas passam conteúdo. O ensino deve promover uma influência permanente e substancial no modo do aluno pensar, agir e sentir. Isto é muito mais do que aprender a matéria ou tirar boas notas.

Ao longo do livro existe uma ideia permanente: o professor está em função do aluno. O aluno é o motivo real da sua profissão. Por isso, mesmo que o professor não possua um curriculum extenso,  estuda e está informado sobre o que ocorre no meio cientifico de sua área. Mas vão por diante, são um exemplo permanente, diapasão de tonalidade no aprendizado: fazem intelectualmente, fisicamente e emocionalmente o que esperam de seus alunos. Os professores usam seu conhecimento para facilitar o aprendizado de outros, facilitam o acesso à informação e provocam os estudantes a pensar no assunto em questão.

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