A universidade e a formação dos médicos: reflexões humanistas a propósito do pensamento de Ortega y Gasset

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A obra “Missão da Universidade”, que recolhe as conferências que José Ortega y Gasset apresentou aos alunos da Universidade de Madrid em 1920, brinda uma série de considerações de palpitante atualidade e o ponto de partida para a reflexão que os autores elaboram no presente artigo sobre a formação dos médicos. O aluno de medicina dista muito de sair da faculdade completo e pronto para a profissão. Possui conhecimentos detalhados dos variados aspectos da ciência médica, porém lhe falta a capacidade de integrar as informações. E lhe falta um conhecimento vital do destinatário dessa ação médica integrada: do paciente. A pergunta que se impõe é se as faculdades de medicina estão, de fato, formando o profissional adequado para atender as demandas da sociedade. A universidade deve ser a projeção institucional do estudante, conforme o pensamento do filósofo espanhol. A educação universitária tem como objetivo ensinar uma profissão com competência, promover a pesquisa e agregar cultura – imprescindível para saber se posicionar no mundo – nos jovens estudantes. Cabe às faculdades de medicina estabelecer as prioridades do que realmente é possível ensinar ao médico durante os anos de formação, as noções imprescindíveis para ser um profissional competente: um desafio de pouco tempo perante um volume crescente de conhecimento, em que não podem ser os pesquisadores – mas sim os professores, verdadeiros formadores –, os que devem dirigir esse processo. Um processo que vai muito além de despejar conhecimentos e novidades, implica o desafio da formação integral de um profissional que será um formador de opinião: para tal é imprescindível o compromisso do professor.

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Leonard Sax, MD, PhD: “Boys Adrift” (Meninos à Deriva)

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Leonard Sax, MD, PhD: “Boys Adrift” (Meninos à Deriva).   Basic Books. New York . 2007.  220 pgs.

Um novo livro do autor de “Why Gender Matters“, uma variação sobre o mesmo tema. Tema importantíssimo, por sinal, pois incide certeiramente sobre aspectos básicos da educação dos jovens.

No seu primeiro livro, o Dr. Sax, médico de família com ampla experiência clínica e pesquisador na área da psicologia infanto-juvenil nos advertia da importância de considerar as diferenças assim chamadas de gênero, na educação das crianças e jovens. O que é normal para um menino de três anos –movimento, tonalidade de voz do professor- pode resultar para uma menina da mesma idade em algo sem substância (as meninas estão mais atentas às cores do que ao movimento), ou parecer que o professor lhes grita em sala de aula.

O presente livro não dispensa a leitura –atenta, por conter infinidade de exemplos- do primeiro. Mas, como o autor adverte repetidamente, este livro é sobre meninos. O seu foco é analisar os cinco elementos que, em sua opinião, contribuem para que a geração atual de adolescentes e homens jovens se encontre perdida, sem motivação, enfim, à deriva como aponta sugestivamente o título.

O primeiro fator é o momento de iniciar o colégio. Pretender que um menino de cinco anos aprenda a ler e escrever é como querer esse mesmo resultado de uma menina de três anos e meio, tal a diferença que o gênero implica. Uma educação precoce formal acaba rendendo insatisfação e distanciamento do menino, que considera o colégio algo entediante. E este sentimento se perpetua. As meninas tendem naturalmente a seguir o que a professora aponta, a satisfazer os adultos, sejam eles pais ou mestres. Não assim os meninos. E para demostrar que não é fruto da cultura, mas algo “de fábrica” (hardware), Sax traz à tona o exemplo dos chimpanzés: enquanto a fêmea filhote imita o que os adultos fazem, o filhote macho vive a vida por sua conta, sem nenhuma sintonia com a “instrução paterna”.

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Antonio Estrada: “Rescoldo. Los últimos cristeros”

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Antonio Estrada: “Rescoldo. Los últimos cristeros”. Encuentro. Madrid. 2010. 260 pgs.

Rescoldo é o ressurgimento do movimento cristero, no Estado de Durango (Mexico), em 1934 a 1936 quando foi definitivamente esmagado pelas tropas do governo. A revolução anterior, de 1927 a 1929, foi de maior envergadura e finalizou com um entendimento entre o governo mexicano e as autoridades religiosas. Porque o que está na base da revolução cristera é a questão religiosa, a livre expressão da fé que estava vetada pela lei. O presidente Plutarco Elias Calles decide cumprir a lei com a consequente repressão religiosa, e os cristeros –homens de fé, mas também acompanhados por indígenas pagãos que entendiam esta luta como sua- apresentam resistência.

O autor é filho de um coronel cristero, Florencio Estrada, que comandou ambas as revoluções, morrendo na última. A visão é do menino que acompanha o pai e a mãe nas peripécias de vaguear pelos morros, de lutar contras os federais, de aconchegar-se no calor da família. Mas a novela é de difícil leitura, mesmo para quem conhece espanhol; a quantidade de termos, palavras e expressões locais –de origem indígena- torna a leitura cansativa, e pouco fluida: é preciso dedicar tempo a consultar o significado dos verbetes (de outro modo não se entende), o que provoca continuas interrupções, perdendo-se interesse. Alguns críticos a consideram uma das melhores novelas mexicanas; é possível que seja assim. Mas, pelos motivos apontados, o público que poderia desfrutar dessa qualidade é mesmo muito restrito, tem que conhecer a linguagem utilizada.

Está para ser lançado um filme com Andy Garcia que aborda o tema (For Greater Glory: The True Story of Cristiada). Esse será, provavelmente, um veículo mais eficaz para documentar este importante episódio da história do México e dos heróis que defenderam a fé, a modo de mártires modernos.

O Estudante: Liderança de Ideais, o Exemplo que Educa.

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(El Estudiante). México, 2009. Diretor: Roberto Girault. Jorge Lavat, Norma Lazareno, Cristina Obregón, Pablo Cruz Guerrero, Siouzana Melikian. 95 min.

Catálogo IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1261393/

 

     Assisti a este filme encantador nas férias do último verão. Gostei demais. Mas fui enrolando para escrever, passando na frente outras pendências. Não foi preguiça nem falta de ideias; digamos que a oportunidade não se apresentava conveniente. Um filme menor, produção mexicana sem muitas pretensões, que me tinha sido recomendada por amigos estrangeiros. Entendi que não seria fácil encontra-lo no Brasil e, afinal, promover um filme que ninguém encontra é quase maldade. Fora de buscar-me trabalho extra porque, fatalmente, minha caixa de e-mails se veria inundada de mensagens perguntando onde se pode encontrar o filme. Além do que, tendo assistido a versão original sem subtítulos, o desafio da indicação acertada se torna maior.

     Assim estavam as coisas quando esta semana aconteceram dois fatos que catalisaram estes comentários. Já volto sobre os acontecimentos vitais, mas antes vamos dar uma revisada na lembrança entranhável que o filme me causou, além de multidão de reflexões. Em se tratando de uma fita sobre educação, não é de se estranhar. É juntar a fome com a vontade de comer.

     Chano, nosso simpático protagonista, tem 70 anos e acaba de se aposentar. Mas decide realizar seus sonhos e entra na universidade de Guanajato, para assistir um curso de língua espanhola baseado no Quixote. Os que andamos envolvidos com educação temos experiência –cada vez mais frequente- de alunos maduros que ingressam na Universidade, e sabemos do impacto que eles provocam. Não apenas nos colegas, jovens estudantes, mas também nos professores. Ao menos naqueles que estão atentos aos ensinamentos da vida que, estes alunos já rodados têm em profusão.

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Shirley du Boulay / Marianne Rankin: “Cicely Saunders”

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Shirley du Boulay/ Marianne Rankin: “Cicely Saunders”. Palabra. Madrid (2011). Pgs. 348.

     Eis uma biografia simples, objetiva e ao mesmo tempo intimista, da Dra. Cicely Saunders, a fundadora do movimento Hospice e dos Cuidados Paliativos. Nascida em Londres, em 1918, inicia seus estudos em Oxford, e se inscreve na Cruz Vermelha para ajudar nos serviços de enfermagem durante a Segunda Guerra Mundial.  Lá descobre a sua vocação de cuidar que norteia toda a sua vida.  Abandona a carreira de Ciências Políticas e filosofia e cursa enfermagem em ST. Thomas’ Hospital, instituição associada a grandes nomes, entre outros ao daquela que é o símbolo da enfermagem moderna, a também britânica Florence Nightingale.

Os frequentes problemas de saúde, com limitantes dores de coluna, restringem sua atuação como enfermeira e inicia sua dedicação como assistente social, sempre guiada pelo desejo de servir e ajudar os que sofrem. Mas repara que, somente com bons desejos e com afeto devotado, não consegue mudar as tristes condições dos pacientes terminais. Um conhecido, médico, lhe abre os horizontes: “Faça-se Médica. São os médicos os verdadeiros responsáveis do abandono que sofrem estes doentes terminais”. Cicely entende o recado, e parte para uma nova fase de estudos, com o sacrifício da trabalhadora incansável e persistente que sempre demostrou ser. Quando se forma médica tem quase quarenta anos.

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John Williams. “Stoner”

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John Williams. “Stoner”. Ed. Baile del Sol. Tenerife. 2012. 240 pgs. 

     Um amigo estava interessado nesta obra, da qual eu nunca tinha ouvido falar.  Aproveitei uma viagem para comprar a edição em Espanhol, porque não existe a tradução portuguesa. Naturalmente, o livro pagou o pedágio necessário e avancei na leitura, quase até o final, na viagem de regresso ao Brasil.

     As frases que costumeiramente se colocam na contracapa despertaram meu interesse. Afinal, essa é a função delas, estudados golpes de marketing. Chama-se a atenção para o injusto esquecimento desta importante obra, publicada em 1970. Fala-se dos dramas quotidianos salpicados de resignações e decepções, da naturalidade com que o autor trata as personagens que se nos tornam queridas, do herói que suporta as agonias profissionais e pessoais. Enfim, há quem se atreva a qualifica-lo como uma obra mestra.

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Rafael Ruiz: “O Espelho de América”

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Rafael Ruiz: “O Espelho de América”. Ed. Ufsc. Florianópolis. 2011. 195 pgs.

     “São as minhas aulas, um curso que dei na USP”. Desse modo, o autor me confidenciou o conteúdo desta sua próxima publicação. Estávamos participando num Seminário sobre “Arte e Beleza”, dirigido a jovens universitários, durante o último Carnaval. Toda uma conquista.

     Algumas semanas depois estive no lançamento do livro, para garantir o meu exemplar autografado. A leitura me resultou completamente familiar. E não apenas por tratar-se de um livro conversa –como adverte a professora que escreve o prefácio- mas porque conheço o estilo do autor, do “mano-a-mano” em que com frequência nos vemos envolvidos para promover a educação humanista.

     O Rafael tem a invejada habilidade de saber convocar variados interlocutores –personagens da literatura clássica- para estabelecer um diálogo entre eles e o público. Conduz as reuniões como um “ancora de telejornal” que cede passagem aos diversos correspondentes, distribuídos no espectro literário, e deste modo dar o seu recado. Nunca são conceitos fechados e herméticos, mas pontos de instigação que provocam a reflexão do público. Quer dizer, o núcleo do que denominamos conhecimento construído, paradigma da educação moderna de adultos. Como ele mesmo escreve, “o conhecimento não é um produto, mas um processo; não é um bloco fixo de informação, transmitido através de um download dos lábios do professor ao intelecto do aluno.”

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Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”

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Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”. Ed. Atheneu. 2005.São Paulo. 192 pgs.

     Uma bela coleção de pronunciamentos, conferências e escritos do Professor Décourt, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente. Corria o ano 1980, e eu tinha iniciado o meu internato na enfermaria da Propedêutica – Clínica Médica, no sexto andar do Hospital das Clínicas. Lembro-me de um paciente – um dos primeiros que tive no quinto ano –, com uma afeção pulmonar sobre quem levantei algumas dúvidas diagnósticas e terapêuticas durante a reunião clínica. A residente de segundo ano comentou que poderíamos chamar o professor para tirá-las, que ele vinha sempre com muito gosto. Assim foi; pouco tempo depois o Professor Décourt estava sentado na cama do meu paciente, conversando com ele, escutando-o com atenção. Foi a primeira vez o que o vi, e tratou-me com naturalidade, como um colega. Depois, estive com ele muitas outras vezes, assisti as aulas e reuniões clinicas no INCOR, acompanhei-o em alguma visita clínica na enfermaria. Mas a primeira impressão nunca se esquece.

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Aldous Huxley: “Admirável Mundo Novo”

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Aldous Huxley: “Admirável Mundo Novo”. Ed. Globo. 2009. São Paulo. 390 pgs.

Um novo fórum humanista oferece-me a ocasião para uma leitura pausada da conhecidíssima obra de Aldous Huxley. Conhecida, profética e, eu diria camaleônica. Lembro que na minha adolescência –há quase 50 anos- este livro era visto com certas reservas pelos educadores ortodoxos. Talvez pelas descrições cruas, desumanizadas, das relações humanas. Ou pelas misturas religiosas que os impulsos de transcendência acarretam. Ou mesmo porque poderia se considerar um exagero de uma mente culta, produzido na década dos 30 (muito antes mesmo da minha adolescência). Hoje, leio com gosto esta obra, olho à minha volta, e vejo que encaixa perfeitamente com tudo o que nos toca viver, observar, e suportar. Daí o camaleônico; não do livro, mas das circunstâncias. Do “Index inquisitorial” onde quase a situavam os educadores de outrora, eu a colocaria hoje entre os livros de formação moral altamente recomendáveis. Um exagero, talvez, mas a ideia se entende.

Caminho por entre as páginas de “Admirável Mundo Novo” e olho à minha volta por ver se algum executivo alfa, ou um socialite beta-menos esboça o sorriso de plástico na tela do Big Brother. Continuo lendo e contemplo os trabalhadores gama e os anões ípsilon, pululando à minha volta, em redes sociais, fotos incluídas. Todos iguaizinhos, com muitos milhões de amigos, poderosamente despersonalizados, se comunicando, o tempo todo, mais, mais, sobre o nada; uma anorexia patológica de conteúdo. Mas todos felizes. Sempre felizes, porque foram condicionados para livrar-se de tudo o que é desagradável em vez de aprender a suportá-lo. E, no aperto, algumas gramas do soma, a poção mágica que recupera a felicidade. O soma é, em palavras do grande administrador, a religião, o Cristianismo, sem lágrimas.

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Cavalo de Guerra, um promotor da Paz

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Cavalo de Guerra, um promotor da Paz: O Cinema antropológico de Spielberg

(War Horse) 146 min. Dir: Steven Spielberg. Jeremy IrvineEmily Watson and David Thewlis

     Alimentava boas expectativas diante do último filme de Spielberg. Não me decepcionou; sai satisfeitíssimo. E enquanto esboço estes comentários desfilam pela minha memória as lembranças do meu relacionamento com esse diretor, um eterno menino, que sabe sonhar, que desfruta fazendo filmes, que toca fundo a fibra afetiva do expectador.

     Quando Spielberg nos apresentava há mais de 30 anos seus ensaios cósmicos –Contatos Imediatos, E.T– recordo que, apesar da boa acolhida do público, não me interessei pela temática. Talvez fosse a minha juventude, ou o gosto por um cinema direto, ou a pouca simpatia que sempre tive pela ciência ficção. A saga de Indiana Jones –divertidíssima- vinha assinada pela dupla Spielberg- George Lucas, quer dizer, não era um Spielberg genuíno. Foi anos depois, com A Cor Púrpura, quando percebi que por trás de temáticas variadas os filmes de Spielberg destilavam poesia, a inspiração que o ser humano encerra. Acordei: comecei a respeitar os filmes dele, respeito que se transformou em admiração. Hoje, além da admiração sou obrigado a creditar dividendos nesta conta de relacionamento, pois as cenas de A Lista de Schindler, Amistad, O Resgate do Soldado Ryan, fazem continuo ato de presença nas minhas aulas e conferências. Sou quase um Spielberg-boy, um Spielberg-freak, e me sinto irmanado com ele no amor pelo bom cinema, ou melhor, pelas possibilidades que o cinema nos oferece para mergulhar no mistério do homem. Uma antropologia em versão celuloide.

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