UM HOMEM DE FAMILIA: Viver como se fosse a segunda vez.

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

(Family Man) Diretor: Brett Ratner. Nicolas Cage, Téa Leoni, Don Cheadle, Jeremy Piven. 125 min.

Alguém comentou –não lembro quem, e talvez não foi ninguém em concreto, mas sim sentir comum popular- que seria bom viver duas vezes. Uma para testar o modelo, e na outra para reeditar a vida, agora sem erros, passada a limpo. Sim lembro que foi Viktor Frankl , o psiquiatra austríaco criador da Logoterapia – a terapia de sentido da vida- quem recomendava viver e atuar como se tratando da segunda vez e da primeira se tivesse atuado de um modo tão ruim como estávamos a ponto de fazer nesse momento. Em outras palavras: parar e pensar que não vai ter segunda chance, que essa é a definitiva, e corrigir os erros na fonte, antes de emiti-los. Também lembro que Fernando Pessoa admitia que viver a vida –vive-la bem, se entende- era de fato complicado e assim reconhecia em poesia cantada: “Temos todos que vivemos/ Uma vida que é vivida/ e uma vida que é sonhada/ e a única vida que temos/ é essa que é dividida/ entre a verdadeira e a errada.

            Pensadores, poetas, psicólogos tem o seu modo de ver a vida. Os filmes retratam, melhor ou pior, os anseios do ser humano e Hollywood, volta uma vez e outra, sobre as duas vidas –a verdadeira e a errada- e almeja a possibilidade de dar marcha a ré no próprio viver, para acertar o caminho de vez. Um homem de família é uma variação sobre o mesmo tema, em versão divertida, amena, e que faz pensar.

            Curiosamente o nosso protagonista –incorporado à perfeição por Nicolas Cage- abre o cenário com as notas de “La donna é móbile”. É o Duque de Mântua, cantando as inconstâncias do coração feminino e aqui no filme, como em Rigoletto, o que de fato aparece são as veleidades dos homens, muito mais do que as das mulheres. Uma brincadeira, um sonho, um feitiço situa o homem de família –que não a tem, nem quer tê-la- no meio de uma família maravilhosa. Um susto, saudades do que se deixa, e gosto novo no paladar, despertar para realidades desconhecidas….mas boas. Nesse vai e volta –das saudades da vida perdida, ao saborear a nova que também se acaba- os recados são numerosos. Um diálogo com o amigo a quem pede ajuda; “Não largue tudo o que de melhor você tem, somente por que não sabe quem é.  Lembra quando tive um caso com a psicóloga do meu filho, que você me ajudou e me disse essas mesmas palavras?” Naturalmente ele não lembra, nem sabe se viveu aquilo, mas ter sido útil é uma sensação agradável …e desconhecida.

            O filme avança e o espectador também não sabe se sonha, ou se torce para ficar como está, para voltar ao começo, enfim, para juntar essas duas vidas na única que nos é dado viver. “Penso em você, nas crianças, em tudo o que tenho…e não quero mais nada”. E ela, olhando com ternura: “Como você consegue fazer isso? Como você consegue me olhar e me tratar como se fosse o primeiro dia, e não mais um destes doze anos em que estamos juntos?” Mal sabe ela o que anda acontecendo, embora ele também não tem maiores esclarecimento. Somente sabe que ela não lhe deixa tocá-la sem dizer, expressamente, que a ama. Perdidamente romântica, graças a Deus!!

            Nova brincadeira, novo feitiço, e novos desafios. Resgatar o que se tinha, se é que se tinha mesmo, se é que não foi tudo sonhado. Nova variante de Fernando Pessoa vem à mente. Se o poeta é um fingidor, e finge tanto que chega a fingir que é dor a que sente deveras, as coisas aqui não andam muito longe. O que é fingido e o que é real se mistura de modo encantador. A cena do aeroporto nos traz, com Pessoa, as calhas de roda no comboio de corda chamado coração. “Não pegue esse avião, ou perderemos tudo, que nem sei se é real ou sonho. Somente sei que temos de conversar e resgatar tudo isso”.

            Voltamos ao começo, à vida vivida e sonhada, a viver uma vez só, mas com a maturidade de quem vive em segunda edição, corrigindo os erros desde o começo. Isso que a vida não permite, a arte o facilita. Para nós mortais, que vivemos uma vez somente, as artes nos permitem viver a vida de outros, aprender com seus erros, acertar seguindo os passos corretos. O cinema é uma ocasião única para viver por adiantado, e refletir, e acertar quando nos toca viver a nós. Um homem de família torna explícita esta força do cinema, e nos obriga a pensar, divertindo-nos. Teremos de agradecer a Hollywood a sua colaboração que se une àquela que poetas, pensadores e psicólogos nos brindam, e aprender, sem medo, a viver a única vida que temos. Em plenitude, sem medos, intensamente.

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