Medicina USP, 64a: Celebrando quatro décadas

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No dia 19 de Dezembro, a turma da Faculdade de Medicina USP na qual me graduei, completa 40 anos. Em 1976 quando ingressamos na “Casa de Arnaldo” (ainda via CESCEM, última turma desse modelo de vestibular), soubemos que os programas pedagógicos de graduação que nos antecederam tinham desaparecido. O curso tradicional e o experimental, juntaram-se para receber-nos de braços abertos: seríamos a turma da Fusão. A ironia criativa da juventude encontrou rapidamente o nome que nos auto impusemos: seríamos Os Fundidos!

Teve jornal próprio da turma –O Fundido, como não poderia deixar de ser- e esse predicado acompanhou-nos ao longo destas quatro décadas. O grupo de WhatsApp, criado nos últimos anos, também tinha o nome predestinado: Fundidos 64. E até no painel comemorativo da formatura -que, por assuntos que não vem ao caso aqui, somente instalamos 18 anos depois daquele 19 de Dezembro de 1981 no auditório do Anhembi- , apontava para a fusão dos fundidos. Desta vez em latim, porque é preciso manter a classe e a tradição: “Amiticia ex junctione oritur”, da união –da fusão- nasce a amizade.

Demoramos em decolar com as reuniões comemorativas da formatura. A primeira, em 1991, celebrando os 10 anos, num final de semana. Depois eventos rápidos, pontuais, para comemorar os 15, os 18 (onde, finalmente, ganhamos vergonha e decidimos instalar o painel….com fotos de 1981, naturalmente). Mais um encontro aos 20 anos, uma jornada para celebrar os 25 no Rancho Silvestre. Depois, para não deixar a peteca cair -e lembrar com carinho da fisionomia de todos- seguiram-se os 28, os 30 e os 33 anos. Finalmente, uma comemoração inesquecível dos 35, um final de semana na fazenda Santa Carolina, estampou a foto que, até hoje, representa o grupo dos fundidos nas redes sociais.

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Ian Mc Ewan: Reparação

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Ian Mc Ewan: Reparação Companhia das Letras . São Paulo. 2002.  448 págs.

Devo confessar que Ian Mc Ewan não era santo da minha devoção. Tinha lido algumas obras dele, e fiquei com um sabor de boca mal definido. O  complicado mistura-se por vezes com o tosco, as realidades com os sonhos, enfim, uma salada que não me resultou agradável. Os comentários de um grande amigo, homem culto e de imenso bom senso, que me consta tinha lido “Reparação” várias vezes, foram o  empurrão para escalar esta obra de Mc Ewan na nossa tertúlia literária mensal. O meu amigo faleceu neste ano, e quero pensar que a escolha -e, certamente, estas linhas- são um tributo agradecido. A distância -que não a ausência, porque ele continua presente- é recurso que aprimora a perspectiva.

Briony, a protagonista absoluta do romance, “era uma dessas crianças possuídas pelo desejo de que o mundo seja exatamente como elas querem”. Ela é também a diretora desta orquestra singular de personagens, onde todos devem agir em função dela. Gosta de escrever -aliás, como se verá, é a autora do romance que estamos lendo- e desenhas as próprias peças de teatro, que são os fios através dos quais movimenta as marionetes, quer dizer, as outras personagens: “A peça não era para os primos, era para o irmão, para comemorar sua volta, despertar sua admiração e afastá-lo daquela sucessão descuidada de namoradas, orientá-lo em direção a uma esposa adequada, aquela que o convenceria a voltar para o interior, que requisitaria, com doçura, a participação de Briony como dama de honra”. Os primos, meros coadjuvantes da sua vontade, por vezes atrapalham seu protagonismo: “A cor de seus primos era viva demais — praticamente fluorescente! — para que fosse possível disfarçá-la”.

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Lev Tolstói: “A Sonata a Kreutzer”.

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Lev Tolstói: “A Sonata a Kreutzer”. Editora 34. São Paulo, 2007. 113 págs.

Uma das últimas obras do escritor russo, protagonizou a nossa tertúlia literária. Um protagonismo singular, um estopim de reflexões, algumas na hora, outras por escrito que algum participante enviou a posteriori. Valha esta amostra para sentir o teor da reflexão conjunta: “Gostei muito do livro e dos comentários do grupo. No início da leitura tive vontade de entrar naquele trem e dizer aos passageiros que após 200 anos pouquíssimas coisas mudaram”. 

Conta o tradutor na orelha do livro a história da famosa Sonata a Kreutzer que dá nome a esta obra de Tolstói. Parece ser que Beethoven compôs em 1803 uma Sonata para Piano e Violino de extrema dificuldade interpretativa. Foi apresentada em Viena e o violinista, George Bridgetower, mostrou um virtuosismo tal que Beethoven decidiu dedicar-lhe a Sonata. Porém, após o concerto, em conversa descontraída, o violinista que exercia grande atração sobre as mulheres, fez um comentário acerca de uma dama conhecida de Beethoven. Este, irritado, arrebatou-lhe a partitura, riscou o nome de Bridgetower da dedicatória e, mais tarde, veio dedicar a Rodolphe Kreutzer, considerado um dos maiores violinistas na Europa. Kreutzer nunca chegou a interpretar a sonata, por considerá-la de extrema dificuldade. A história ficou e Tolstói, que conhecia a peça e voltou a escutá-la na própria casa em 1888, a usou como gatilho para esta obra conturbada -quase um monólogo reflexivo de assustadora profundidade. 

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Quanto Vale? Processos, Atenção individual ou a Ciência de saber escutar.

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Worth. Diretor: Sara Colangelo. Stanley Tucci, Michael Keaton, Amy Ryan, Tate Donovan, Laura Benanti. USA 2020. 118 min.

Tropeço com este filme, que está ao alcance de qualquer um -plataformas, internet, e outros recursos- após ler um comentário acerca da destacada atuação de um dos atores. Assisto um mano a mano, um concerto para dois pianos, ou melhor, um dueto de ópera (visto que é gosto comum das personagens), em performance magnífica de dois atores imensos. E estou, até agora, pensando no dilema, sem encontrar uma solução confortável. Incomodado, desafiado, enfim, tentando levantar a luva que a fita me arremessou convidando-me a este duelo reflexivo. Um problema. Aliás, os filmes bons costumam me causar problemas, cutucam meu interior, como semente que briga por sair à luz, e desabrochar em consequências nem sempre controláveis. 

A história é real, no contexto e nas personagens. A tragédia do 11 de Setembro, resultou em mortes, em dificuldades e em desdobramentos. O governo americano decide criar um fundo para indenizar as famílias das vítimas. Indenização que tem a contrapartida de abrir mão de  qualquer outro processo contra as companhias aéreas ou a segurança oficial. “Aqui está, junto com as nossas condolências a compensação que podemos oferecer pela sua dor. Tome-a e vá em paz, não me crie mais problemas dos que já tenho, que não são poucos”. As palavras são minhas, mas poderiam ser do governo americano. É preciso fazer algo, que nunca vai compensar a dor da perda. Por tanto, melhor chamar um especialista nestes temas, que além do mais é democrata, quer dizer, da oposição, alguém “sensível” ao social. 

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Cry Macho, o caminho para a redenção. Maturidade para escolher as batalhas a enfrentar.

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Cry Macho. Diretor: Clint Eastwood. Clint Eastwood, Dwight Yoakam, Eduardo Minett, Natalia Traven. USA 2021. 104 min.

Eu já imaginava que seria assim. Assistir um filme do Clint Eastwood, nesta altura do campeonato, decanta em reflexão e na obrigação, quase moral, de rascunhar estas linhas. Altura de um campeonato longo -91 anos para ele, 64 para mim- e uma longa parceria, um mano a mano, onde as histórias, os fotogramas, as entrelinhas que ele me proporciona são um desafio contínuo para a minha reflexão que aqui, simplesmente, traduzo em voz alta. 

Antes de sentar para escrever, andei pensando no título desta crónica que faço para mim mesmo …e compartilho com os que se atrevam a ler. Tive de pensar sim, porque os vários comentários que fiz dos filmes de Eastwood -acabo de revisar agora- têm uma tónica comum: a sabedoria que se acumula com os anos, a prudência serena da maturidade, enfim, algo a ver com o subtítulo em português que alguém estampou nesta fita: o caminho para a redenção. Parece-me que Clint reflete a golpe de câmara, enquanto eu, mais discretamente, o faço a golpe de teclado. Pode até ser um caminho para a redenção -um acertar as contas com o passado, empreitada sempre importante- mas confesso que o subtítulo que me veio à cabeça é outro: a maturidade para escolher as batalhas a enfrentar. 

Não vou me deter naquilo que é obvio. Um homem de 91 anos, que poderia estar descansando tranquilamente, e que enfrenta a direção e a interpretação de mais um filme. Veteranos que são feitos de uma matéria diferente -fabricação antiga, chapa grossa que não amassa, como dizia um velho amigo- e que por mais que tentem, não conseguem pendurar as chuteiras. Ou até as penduraram já várias vezes, para retomá-las depois. Lá está Woody Allen, embora confessa ter vergonha de interpretar as personagens, e procurar alter egos….Lá está Scorsese, que convoca septuagenários para o filme O Irlandês, e lembro de ter feito essa ligação de veteranos “chapa grossa” com ocasião da entrega dos Oscar 2020

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Javier Moro: “Flor da Pele”.

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Javier Moro: “Flor da Pele”. Ed. Planeta do Brasil. São Paulo. 2016. 433 págs.

O livro escolhido para a Tertúlia Literária, sugestão de algum dos nossos professores, veio a calhar para os momentos que estamos vivendo nestes já quase dois anos de pandemia. Com a sua maestria habitual, Javier Moro romanceia a história e nos apresenta a expedição comandada por dois médicos espanhóis no início do século XIX, para levar a vacina da varíola até América.  

E o primeiro aprendizado -dos muitos que se têm quando se frequenta a História- é que eu, sendo espanhol, nunca tinha ouvido falar desta aventura, quase uma epopeia. A mesma ignorância sobre o tema apontou a minha irmã, professora de filosofia em Madrid, mulher culta e estudada, que participou da nossa tertúlia. Como ela mesma comentou, o reinado de Carlos IV, que de algum modo patrocinou a expedição, é conhecido pelos desastres na História de Espanha: a invasão Napoleónica, as tramoias de Godoy, primeiro ministro que pactuou com os franceses, e outras trapalhadas. Somente se salva Goya com os seus quadros magníficos…. E agora, também, a expedição da vacina para América!

Voltando ao livro que nos ocupa, Moro faz a abertura na Galícia, terra de Isabel Zendal -a protagonista absoluta do livro- onde naquela época se comentava que “cada criança que nasce não é uma boca que come, mas dois braços que trabalham”. Corre o ano 1788, no meio da pobreza, do frio e da analfabetização, da qual Isabel escapa por milagre. “Entre os pobres existia a aceitação tácita de que o destino não era algo que se escolhia. Ele se impunha, na maioria das vezes de um jeito ruim, em outras para o bem. Sempre de forma inelutável (…) naquela época passava-se frio em todos os lugares — nas casas ricas, por avareza; nas pobres, por miséria”

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Dominique Enright: “A Verve e o Veneno de Winston Churchill”

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Dominique Enright: “A Verve e o Veneno de Winston Churchill” Odisseia Editorial. 2009. Rio de Janeiro. 175 págs.

Winston Churchill certamente inclui-se nesse grupo de escritores muito citados, e muito pouco lidos. E, confesso, que devo vestir a carapuça, porque ainda tenho pendente na minha estante, Uma História dos Povos de Língua Inglesa., que me foi recomendada por um amigo já falecido que, ele sim, tinha lido tudo sobre Churchill e do próprio Churchill. 

Foi ele, aliás, quem me emprestou este pequeno livro, a modo de diversão. Por isso, com sentimento de gratidão, desentoco agora as anotações -breves- que fiz no dia em que li este livro curto, sugestivo, ameno. Trata-se de uma coletânea de frases celebres do escritor que nos ocupa porque, é bom lembrar, além do papel político relevante que teve na Europa, Churchill era um escritor, um conhecedor profundo da cultura, e ganhou o prêmio Nobel em 1953, por méritos literários, não apenas políticos. 

Devo também confessar -escrevo para mim mesmo em primeiro lugar, depois para os que queiram se aventurar com estas linhas- que a carência absoluta de lideranças que nos cerca neste momento, fez-me evocar estas anotações que dormitavam num canto do meu computador. 

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O Rei: O Dever que nos constrói.

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The King. Diretor: David Michôd. Timothée Chalamet,Sean HarrisRobert Pattinson,  Ben MendelsohnJoel EdgertonLily-Rose Depp. 133 min. UK (2019)

“Meu dever fez-me como Deus ao mundo”. O primeiro verso do poema que Fernando Pessoa dedica a D. Duarte, rei de Portugal em Mensagem, vinha à minha mente, com insistência, enquanto assistia, com gosto, este filme. É um resumo perfeito, que impregna cada fotograma e cerca as atitudes de Hal, que o dever transforma em Henrique V. 

O argumento é conhecido, pois nos chega da própria História, servido em baixela de prata com o drama de Shakespeare. A transcrição para o cinema,  realizada em 1989 por Kenneth Branagh, é um filme monumental, uma fiel adaptação de Shakespeare, onde apesar dos recursos que o cinema oferece, não poupa o coro com que o bardo inglês introduz a façanha inglesa, encerrando-a num palco. 

Lembramos bem, do pedido de desculpas -que tanto Shakespeare como Branagh- fazem por “encaixotar” a batalha de Azincourt num cenário. “Nos será possível pôr neste cubículo de madeira os capacetes que os ares de Azincourt aterroraram?  Supri com o pensamento nossas imperfeições. Cortai cada homem em mil partes e, assim, formai exércitos imaginários. Quando vos falarmos em cavalos, pensai que à vista os tendes e que eles as altivas ferraduras na terra branda imprimem, pois são vossos pensamentos que a nossos reis, agora, hão de vestir … Permiti que eu vos sirva ora de coro e vos impetre paciência expressa para julgardes esta nossa peça”

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Júlio Dinis: “Os Fidalgos da Casa Mourisca”.

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Júlio Dinis: “Os Fidalgos da Casa Mourisca”. Edições Best Bolso. Rio de Janeiro 2014. 444 págs.

Com ocasião da Tertúlia Literária mensal, retomei com gosto esta leitura, com a qual me deparei por primeira vez há mais de 30 anos. Desta vez li o prefácio cuidadosamente, porque centra o tema com precisão. Tomo nota quase textual: “Os Fidalgos da Casa Mourisca é um livro póstumo, publicado em 1871, ano em que faleceu, com apenas 31 anos, o médico e escritor português. O romance descreve a história de dois mundos postos em confronto: o dos aristocratas (absolutista) e o da nova burguesia rural (liberal). Os jovens, Jorge e Maurício, descendentes dos ultras monárquicos Negrões de Vilar de Corvos, passam o tempo cavalgando e caçando, enquanto Dom Luís, o pai, se enche de dívidas e a Casa Mourisca ganha um aspecto melancólico e triste. Dinis escreveu uma obra política de reflexão detida sobre um Portugal que queria mudar e efetivamente assim o fez, mas não sem enormes contradições e contramarchas. Afinal, os progressos da civilização não se fazem sem algum tipo de violência”. 

O nome da casa dos fidalgos, obedece a uma tradição portuguesa. “Quando, no centro de qualquer aldeia, se eleva um palácio, um solar de família, distinto dos edifícios comuns por uma qualquer particularidade arquitetônica mais saliente, ouvireis no sítio designá-lo por nome de Casa Mourisca, e, se não se guarda aí memória da sua fundação, a crônica lhe assinará infalivelmente, como data, a lendária e misteriosa época dos mouros”. 

O ambiente liberal, que começa a tomar forma na segunda metade do século XIX, é estampado com a prosa fácil e coloquial do escritor, nem por isso menos elegante. Fala-se do “moço imprudente que se viu perseguido, preso, processado, e em quase iminente risco de expiar, como tantos, no suplício o crime de pensar livremente”. Jovens que “iam crescendo afeiçoados aos princípios liberais, que amavam de instinto, antes de os amarem de reflexão” E como réplica, “o enxame de misantropos, a quem o sol da liberdade igualmente incomodava, e que tinha resolvido pedir à natureza conforto contra os supostos delitos da humanidade”. 

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A Luz Entre Oceanos: As dívidas com a própria consciência.

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The Light Between Oceans. Diretor: Derek Cianfrance. Michael FassbenderAlicia VikanderRachel Weisz. 133 min. USA 2016.

Um belo filme, delicado, sensível. Chegou-me até um comentário de ser uma produção excessivamente feminina…. Na verdade, não sei o que isso venha a significar, a não ser que apenas desde uma perspectiva de mulher é possível compreender a profundidade do filme. Algo que, por motivos óbvios, sou incapaz de ponderar. Mas desde a minha perspectiva, absolutamente masculina e por isso em sintonia com a personagem de Michael Fassbender -por sinal, uma performance notável, aliás como a réplica das duas protagonistas- tem sim o que comentar, e profundidade é algo que não falta. Aliás, muito pelo contrário: um verdadeiro abismo, que surge aos poucos, acentuando-se com o tempo, depois dos créditos finais, nas reflexões de cada um. 

Um homem bom, que transita na vida fazendo o bem, que não quer perturbar o próximo, com desejos de serviço, afetuoso, fino. Um gentleman. Mas algo não encaixa, produz um ruído dissonante, que destoa nesta sinfonia estética, que tem o oceano como pano de fundo. O resto somente vendo…. e vivendo.  Porque o filme, mais do que uma história é uma vivência com a qual é possível entrar em sintonia. Eu, pelo menos, entrei, mesmo com efeito retardado, e por isso rabisco estas linhas como uma pendência que se arrasta há alguns meses. 

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