James Hilton: “Adeus Mr. Chips”

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James Hilton: “Adeus Mr. Chips”. Record. Rio de Janeiro. 1969.90 pgs.

adeus mr chipsQuando vi o filme, com 12 anos, nem sabia que existia um livro por trás desta história comovente. Foi numa tarde de primavera, depois de fazer (não me lembro se com sucesso ou não) um exame de piano. Estava com os meus pais e o filme passava no cinema em frente do Real Conservatório, na Praça da Opera, em Madrid. Foi sem planejamento, de repente. “Olha, uma nova versão de Adeus Mr. Chips. Lembras daquela com o Robert Donat? -perguntou minha mãe ao meu pai. Eu assisti o diálogo sem muita supresa: ela sempre falava desse ator, que também tinha feito A Cidadela. A próxima sessão começaria em pouco menos de uma hora: o tempo para um lanche rápido, e instalar-se num bom lugar. Gostei do filme -era um musical-, gravei definitivamente a imagem do Peter O’Toole como o professor ideal, um velhinho simpático e amável que é conquistado e transformado por uma garota vanguardista.

Passaram anos até descobrir o livro de James Hilton que li de uma tacada. Vi também a versão de 1939, com Robert Donat. E revi, várias vezes, o musical com Peter O’Toole e Petula Clark. O livro é uma mistura de ambos filmes; talvez deveria dizer o contrário, mas é bom lembrar que para mim o filme chegou antes, muito antes. Agora, na tertúlia literária deste mês, sugeri sua leitura e aguardei as reações.

“Li o livro rapidamente. São menos de 100 páginas. E quando acabei me perguntei: é só isso? Vou ler de novo. Daí, na segunda leitura, caiu a ficha: é como a nossa vida, sempre esperando algo espetacular, mas o que temos é isso. Como Mr. Chips”. Um comentário encantador que abriu nossa reflexão conjunta. Seguiram-se outros fenomenais: “Fui no sebo comprar o livro. Vi o nome da proprietária original e a data…E pensei: eu tinha 3 anos quando ela leu este livro! E depois a textura das páginas, que me transportou até a minha infância. Os homens jogavam baralho, as mulheres conversavam, as crianças liamos livros…com páginas dessa textura”.

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Kristin Hannah: “O Rouxinol”

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Kristin Hannah: “O Rouxinol”. Ed. Arqueiro. São Paulo. 2015. 425 pgs.

O RouxinolVez por outra, deparamo-nos com uma crítica literária que nos prende. Não aquele texto padrão nos cadernos de cultura dos jornais, com o confete dos intelectuais de plantão. Assim se apresenta a obra que vai ser lançada, que é preciso promover, politicamente correta. Deve ter muito de matéria paga nesses cenários. Ou então do best seller de turno, ou da obra do mais recente prêmio Nobel que estava até o momento num canto escuro da cultura. Tudo isso tem formato desenhado, conseguimos cheirar a distância, e a mim, particularmente, me repele convencendo-me de que não devo ir atrás desse livro. Ao menos, nos próximos anos. O tempo dirá se merece todos esses elogios e, se de fato, é uma obra emblemática. O tempo é a enzima que catalisa o processo de qualidade, instalando entre os clássicos algumas obras literárias, e deixando no esquecimento a maioria delas.

Mas, algumas vezes, um comentário singelo, sem pretensões, com um rápido esboço do argumento e das personagens, me cativa, espicaça-me, me faz ir atrás. Se a esta curiosidade sadia, associamos a facilidade em adquirir livros através da internet, temos entre as mãos, em poucas horas, o produto que despertou nossa atenção. Assim foi com o Rouxinol.

Um livro sobre duas irmãs durante a Segunda Guerra Mundial, na França ocupada pelos alemães. Contam-se muitas coisas, mas as duas mulheres, Vianne e Isabel, são o eixo narrativo, num mano a mano de grande tensão. De temperamentos diferentes, encontram-se também em posições divergentes frente ao inimigo invasor. “Essa era a diferença essencial que sempre existira entre as duas. Vianne seguia as regras, Isabelle era a rebelde. Mesmo quando eram meninas, em meio à dor e à tristeza, as duas expressavam as emoções de forma diversa. Vianne caiu em silêncio depois da morte da mãe, tentando fingir que o abandono do pai delas não a magoava, enquanto Isabelle tinha chiliques e esperneava para chamar a atenção. A mãe delas tinha jurado que um dia as duas seriam melhores amigas. Nunca tal previsão parecera menos provável”.

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Honore de Balzac: “Eugenia Grandet”

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Honore de Balzac: “Eugenia Grandet”. Abril Cultural. São Paulo, 1971.  230 pgs.

eugenie-grandetA tertúlia literária mensal oferece a possibilidade de poder reler os clássicos, desfrutar com eles, continuar aprendendo. Desta vez o convocado foi Balzac, o que significa um mergulho vital nas paixões humanas. Todas, descritas com minúcia, encontram-se em Balzac –dizia-me certa vez um amigo. E assim é, independentemente de onde o escritor francês situe a ação. Na corte, entre os aristocratas ou, como o caso que nos ocupa, nas províncias, lá onde encontramos “existências tranquilas na superfície, e devastadas secretamente por tumultuosas paixões”, e onde “uma moça não põe a cabeça à janela sem ser vista por todos os grupos desocupados”.

Mas a viagem ao interior do homem e o encontro com as paixões, não possuiriam a força que Balzac proporciona, não fossem as primorosas descrições que perfilam as personagens. Os comentários surgidos na nossa tertúlia ilustram essa característica. “Não prestei muita atenção ao argumento porque dediquei-me a saborear as descrições, a degusta-las” –dizia alguém. E outra: “Na verdade Eugenia é um papel secundário, porque o protagonista é o velho avarento, o pai dela. Talvez porque está muito bem desenhado”.

Sim, as descrições são precisas; a do Grandet é definitiva. “Os olhos do velho Grandet, aos quais o metal amarelo parecia ter comunicado o seu matiz. O olhar de um homem acostumado a tirar de seus capitais um juro enorme adquire necessariamente, como o do libertino, o do jogador ou o do cortesão, certos hábitos indefiníveis, movimentos furtivos, ávidos, misteriosos, que não escapam aos correligionários. Essa linguagem secreta constitui de certo modo a maçonaria das paixões”. Li essa frase há muitos anos e a guardei, porque explica de modo categórico como se encontram e entendem os que padecem as mesmas paixões, as limitações, enfim, os “correligionários” em baixezas e servilismos.

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Donna Tartt: “O Pintassilgo”

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Donna Tartt: “O Pintassilgo”. Companhia das Letras. São Paulo. 2014. 722 pgs.

 

o_pintassilgoComprei o livro – e até o recomendei antes de lê-lo – pois deparei-me com duas críticas, de fontes confiáveis, que o elogiavam. Um Premio Pulitzer –que às vezes não quer dizer muita coisa, outras sim- e mais de 700 páginas na minha frente

Um garoto de 13 anos que perde a mãe na explosão de um museu que é parcialmente destruído. A ele, um dos sobreviventes, resta-lhe como saldo uma obra do museu, e um endereço. A obra é “O Pintassilgo”, a pequena tela do pintor flamengo Carel Fabritius (1622-1654), discípulo de Rembrandt e mestre de Veermer,  que também morreu vítima de uma explosão, e aqui temos a ligação afetiva com o argumento do Livro. O endereço é a desculpa para continuar uma história… cheia de buracos, insossa.

Passadas as primeiras cem páginas continuei sem encontrar o argumento, ou melhor, o propósito da premiada autora, onde queria chegar. O adolescente que se debate entre a saudade –natural e compreensível-  da mãe ausente e o quadro que guarda como um tesouro, escondendo-o entre as suas pertenças. “Cada novo evento –tudo o que fizesse pelo resto da minha vida- ia apenas nos separar mais e mais: dias dos quais ela não fizera parte, uma distância cada vez maior entre nós. A cada novo dia, pelo resto da minha vida, minha mãe ficaria mais longe”.

Mas, o que mais? Onde está a trama que prende, aqueles comentários que sempre se colocam na orelha do livro, vindo de “críticos afamados”, e que afirmavam não conseguiam deixar de ler o livro? Eu, confesso, por vezes mal podia continuar porque não encontrava nada. Ou melhor, encontrava sim algo que me irrita profundamente. Um adolescente de treze anos que demostra a cultura de um curador de museu de Nova York. Absolutamente inverossímil.

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O HOMEM QUE NÃO VENDEU A SUA ALMA

Pablo González BlascoFilmes 2 Comments

(A man for all seasons) Diretor: Fred Zinnemman. Paul Scofield, Robert Shaw,  Wendy Hiller. Inglaterra 1966. 120 min. 

 Fred Zinnemman é um diretor que tem queda por personalidades fortes. O homem  frente ao seu destino é sempre pano de fundo dos seus filmes. “Matar ou morrer”, “A um  passo da eternidade”, “Espíritos Indômitos”, e tantos outros que podem ser lembrados,  com destaque, na filmografia dos anos 50 e 60.  

 A vida de Thomas More, é, por assim dizer, um prato cheio para este diretor que,  com fidelidade elogiável, leva ao cinema os principais aspectos biográficos de quem foi  primeiro ministro de Henrique VIII – Lord Chanceler de Inglaterra-, às portas do cisma  anglicano. Sir Thomas More, o humanista e intelectual de renome, o advogado  incorruptível, o dedicado pai de família, o estadista notável, aparece desenhado com  acerto no filme de Zinnemman. Mas é sobretudo a figura do homem íntegro, de  convicções firmes e de lealdade impar “ao Rei e primeiramente a Deus”, o que faz deste  filme um espetáculo singular, mais ainda nos tempos que correm.  

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Dominique Lapierre: “Muito além do amor”

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Dominique Lapierre: “Muito além do amor”. Salamandra. São Paulo. 1991. 376 pgs.

muito além do amorA tertúlia literária mensal brinda-me oportunidades sonhadas, e quase nunca realizadas por falta de tempo: reler os livros que me impactaram anos atrás. E fazê-lo de modo enriquecedor: poder compartilhar a leitura –não na impessoalidade das redes sociais- mas ao vivo, em animada conversa, pipocar de lembranças e reflexões em voz alta

Passaram-se quase 25 anos desde a leitura deste livro. Naquela altura, eu, médico jovem, acompanhei o surgimento da epidemia da AIDS, a impotência dos médicos, o tabu e a palavra que ninguém queria pronunciar. Foi também naquela época, quando um colega, também médico jovem, veio adoecer e faleceu pouco depois, de algo que ninguém queria comentar. Estive visitando-o e mostrou-se agradecido. Foi o meu residente quando eu estava nos últimos anos da faculdade. Conversamos, sorriu, mas nenhum de nós teve coragem de enveredar por temas clínicos, nem muito menos falar do mal que lhe acometia. Lembro que tinha um irmão padre, da mesma ordem religiosa que toma conta da Basílica de Aparecida. Foi ele quem o cuidou até o final e quem celebrou a Missa de sétimo dia, à qual estive presente.  Nessa época eu não tinha lido ainda o livro de Lapierre. Pouco depois, quando caiu na minha mão, fiz as conexões em todos os planos: no âmbito médico e também nos âmbito dos cuidados, entendendo de modo plástico o que o livro descreve maravilhosamente. A importância do conforto com que é preciso assistir aos doentes que padeciam desse mal.

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Atul Gawande: “Mortais. Nós, a Medicina, e o que realmente importa no final”

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Atul Gawande: “Mortais. Nós, a Medicina, e o que realmente importa no final”. Objetiva. Rio de Janeiro, 2014. 259 pgs.

Atul Gawande - MortaisMeses atrás, uma resenha tinha caído nas minhas mãos, e estava atrás do livro. De repente, numa das reuniões mensais de educação médica e humanismo, uma professora muito querida, entregou-me de presente. “Você precisa ler isto. Tudo a ver com o que você ensina”. Agradeci o presente, refleti na rápida sintonia, e comecei e pensar que é aquilo que eu ensino –ou pelo menos tento- que o cirurgião indiano-americano transformado em escritor e best-seller descrevia no seu livro.

Logo de cara, entendi o que Gawande iria abordar. O desconcerto, ou melhor, o descaminho do estudante de medicina. Ele entra na faculdade sabendo –ou suspeitando ao menos- o que é cuidar, e com o tempo esquece dos pacientes porque está muito ocupado com a medicina. Um esquecimento que, seja dito de passagens, deve-se creditar à Academia, responsável pela sua formação. Como disse um outro médico e pensador americano: “todo sistema está perfeitamente desenhado para produzir os resultados que oferece”. Não podemos reclamar do produto, quando o processo de fabricação é defeituoso.

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Fabrice Hadjadj: “La Profundidad de los Sexos. Por uma mística de la carne”

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Fabrice Hadjad: “La Profundidad de los Sexos. Por uma mística de la carne”. Nuevo Início. 2010. Granada. 302 pgs.

La profundidad de los sexosUm amigo, que também se delicia com os livros deste filósofo desconcertante, emprestou-me este. Desconcertante, porque sua escrita é uma verdadeira gangorra que oscila do Marques de Sade ou Madame Bovary até os Padres da Igreja (S. Clemente de Alexandria, S. Basílio de Cesaréia), passando por Tertuliano, Charles Peguy, Leon Bloy, sem dispensar cineastas como Billy Wilder, e o pensamento político antropológico de Hannah Arendt. Multidão de citações –não gratuitas, porque  nota-se que Hadjadj conhece e leu os autores- que associadas à ironia fina e às entrelinhas tornam a leitura complexa. Na perspectiva de conjunto –às vezes é preciso abrir mão de querer compreender todas as nuances para ficar com o quadro geral- resulta sempre sugestiva, por vezes genial, mas nunca fácil.

O autor aponta a tese principal do livro: A matéria do homem está amassada com espírito e seu sexo, longe de ser uma relíquia animal, é uma espécie de relicário exorbitante.  Por isso afirma que a desordem moral provém não de um instinto animal (que por sinal estão muito bem ordenados nos seus respectivos donos, cada um obedece à sua formatação de fábrica: porcos, gatos, cachorros, aves…). A desordem não é consequência de um corpo animal que controla um espírito soberano, mas de um espírito perverso que se aproveita de um corpo desarmado. Quer dizer, que a imoralidade não decorre do lado animal do homem, do seu corpo;  mas de um espírito fraco que é incapaz de sublimar, guiar, conduzir em unidade, o corpo do homem –a tal profundidade dos sexos que consta no título- para uma finalidade sublime.

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Ernesto Sábato: “La Resistencia”

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Ernesto Sábato: “La Resistencia”. Planeta/Seix Barral. Buenos Aires. 2006. 149 pgs. Traduzido pela Companhia das Letras

la resistenciaUm amigo enviou-me por email em formato eletrônico. “Li este ensaio de Ernesto Sábato, lembrei de você. Vás gostar”. Agradeci imediatamente, passei o anexo para o meu smartphone, abri, li um par de páginas….e desisti. Fui diretamente no estante virtual –onde encontro quase tudo o que procuro- e lá estava por um preço irrisório. Uma semana depois, tinha-o em cima da minha mesa.

Durante esta operação –de volta para o passado- lembrei de uma professora, amiga de muitos anos, que diz: “Não consigo ler livros eletrônicos na tela do computador. Não posso deitar na cama, em cima do computador, como faço com os livros”. Eu não deito em cima dos livros, mas confesso que a tela me tira a intimidade de que preciso para entrar em sintonia com os livros. Necessito tocá-los, cheirá-los. Como Borges, que já cego, continuava a comprar livros porque queria rodear-se da sua presença amável, confortante. Da minha parte foi uma decisão sábia, porque a temática de Sábato nesta obra impõe, por si só, o papel, as anotações à margem, sobre as páginas gastas e amareladas do exemplar que me chegou de um sebo cadastrado no site.

Embora meu amigo afirmasse tratar-se de um ensaio –pela unidade de pensamento que perpassa as seis cartas que Sábato escreve a modo de testamento- mais me pareceu uma peça musical, um minueto com variedades sobre o mesmo tema. Um encanto estético e filosófico onde a dificuldade de entressacar ideias implica o risco de mutilar o conjunto. Uma tarefa análoga a tocar alguns compassos esparsos da Serenata Noturna de Mozart, ou cortar o dueto de amor de Madama Butterfly. Um crime. Assim, não são ideias as que anoto a seguir mas as impressões que em mim produziram. Rascunhadas às pressas com a esperança de que espicacem o leitor para que se anime a viver a experiência desta leitura.

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Trash: A Esperança Vem do Lixo. O Brasil que aprendi a amar.

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“Trash” (2014). Director: Stephen Daldry.  Martin Sheen, Rooney Mara, Wagner Moura, Selton Mello.  Spain. Duración: 115 minutos. 

Trash - capaA recomendação chegou-me do outro lado do Atlântico. “Muito bom esse filme dos meninos brasileiros que trabalham no lixão”. Sucesso na Europa, não tinha ouvido falar; aqui, no Brasil, nenhuma palavra. Fui checar o nome com que os espanhóis tinham batizado o filme: Ladrones de Esperanza. E seguindo com as pesquisas me deparo com um diretor inglês, que tem no curriculum filmes tão britânicos como Billy Elliot, ou As Horas –as tragédias de Virginia Woolf- e vem nos contar o que acontece no Rio de Janeiro. Atores americanos fazem o contraponto aos nossos Wagner Moura e Selton Mello. Tudo em português, o inglês é uma concessão que se tolera, mas que não encaixa, é como branco no samba. Martin Sheen, incarna de modo convincente um padre de favela, e Rooney Mara, a assistente da ONG focada no social. Fiz-me como uma copia e deixei repousar enquanto pensava que salada seria esta. Esperei, e perguntei. Obtive como resposta: Já ouvi falar, mas não me animo a ver. Você não tem vergonha de que se apresente o Brasil desse modo? Eu pensei: que modo é esse, de que Brasil estamos falando? Quer dizer, não tive outro jeito e me debrucei sobre o filme.

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