Henry Marsh: “Sem Causar Mal”
Henry Marsh: “ Sem Causar Mal”. (Histórias de vida, morte e neurocirurgia). nVersos. São Paulo, 2016. 287 pgs.
É uma convicção que me acompanha faz tempo, e que tenho comprovado diversas vezes: quando um cirurgião envereda pelos caminhos da educação médica, é objetivo, tem impacto, entra para consertar. E costuma dar-se bem. Este livro não é propriamente um tratado de educação médica, mas de fato educa, porque faz refletir.
Henry Marsh, conhecido neurocirurgião britânico, escreve com estilo familiar, e sem nenhuma pretensão literária, uma espécie de memórias. Ou talvez, as memórias dos seus equívocos profissionais, sobre os quais reflete com sinceridade, e nos faz pensar ao tempo que também nos educa enquanto descreve a técnica operatória de um determinado caso: “Meu aspirador se está movendo por entre o pensamento, pela emoção e pela razão; e ocorre-me pensar que as memórias sonhos e reflexões são tão consistentes como gelatina”.
Gostei, sim, e muito do livro. Algo diferente ao que estamos acostumados quando lemos as memórias dos médicos, onde a emoção -que está sempre presente- pode tirar realismo da situação que, no momento, nada tem de poético. A ironia e o ceticismo estão presentes; o autor não faz questão de esconde-los, e talvez por essa sinceridade nos educa mostrando que há caminhos para melhorar quando expomos nossas limitações. “Não há evidências de que as raspagens totais que fazíamos no passado, que faziam com que os pacientes se parecessem com presidiários, tinham qualquer efeito sobre as taxas de infeção. Eu suspeito que a verdadeira -embora inconsciente- razão era o fato de que desumanizar os pacientes facilitava para que os cirurgiões os operassem. ”