Atul Gawande: “Mortais. Nós, a Medicina, e o que realmente importa no final”

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Atul Gawande: “Mortais. Nós, a Medicina, e o que realmente importa no final”. Objetiva. Rio de Janeiro, 2014. 259 pgs.

Atul Gawande - MortaisMeses atrás, uma resenha tinha caído nas minhas mãos, e estava atrás do livro. De repente, numa das reuniões mensais de educação médica e humanismo, uma professora muito querida, entregou-me de presente. “Você precisa ler isto. Tudo a ver com o que você ensina”. Agradeci o presente, refleti na rápida sintonia, e comecei e pensar que é aquilo que eu ensino –ou pelo menos tento- que o cirurgião indiano-americano transformado em escritor e best-seller descrevia no seu livro.

Logo de cara, entendi o que Gawande iria abordar. O desconcerto, ou melhor, o descaminho do estudante de medicina. Ele entra na faculdade sabendo –ou suspeitando ao menos- o que é cuidar, e com o tempo esquece dos pacientes porque está muito ocupado com a medicina. Um esquecimento que, seja dito de passagens, deve-se creditar à Academia, responsável pela sua formação. Como disse um outro médico e pensador americano: “todo sistema está perfeitamente desenhado para produzir os resultados que oferece”. Não podemos reclamar do produto, quando o processo de fabricação é defeituoso.

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Fabrice Hadjadj: “La Profundidad de los Sexos. Por uma mística de la carne”

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Fabrice Hadjad: “La Profundidad de los Sexos. Por uma mística de la carne”. Nuevo Início. 2010. Granada. 302 pgs.

La profundidad de los sexosUm amigo, que também se delicia com os livros deste filósofo desconcertante, emprestou-me este. Desconcertante, porque sua escrita é uma verdadeira gangorra que oscila do Marques de Sade ou Madame Bovary até os Padres da Igreja (S. Clemente de Alexandria, S. Basílio de Cesaréia), passando por Tertuliano, Charles Peguy, Leon Bloy, sem dispensar cineastas como Billy Wilder, e o pensamento político antropológico de Hannah Arendt. Multidão de citações –não gratuitas, porque  nota-se que Hadjadj conhece e leu os autores- que associadas à ironia fina e às entrelinhas tornam a leitura complexa. Na perspectiva de conjunto –às vezes é preciso abrir mão de querer compreender todas as nuances para ficar com o quadro geral- resulta sempre sugestiva, por vezes genial, mas nunca fácil.

O autor aponta a tese principal do livro: A matéria do homem está amassada com espírito e seu sexo, longe de ser uma relíquia animal, é uma espécie de relicário exorbitante.  Por isso afirma que a desordem moral provém não de um instinto animal (que por sinal estão muito bem ordenados nos seus respectivos donos, cada um obedece à sua formatação de fábrica: porcos, gatos, cachorros, aves…). A desordem não é consequência de um corpo animal que controla um espírito soberano, mas de um espírito perverso que se aproveita de um corpo desarmado. Quer dizer, que a imoralidade não decorre do lado animal do homem, do seu corpo;  mas de um espírito fraco que é incapaz de sublimar, guiar, conduzir em unidade, o corpo do homem –a tal profundidade dos sexos que consta no título- para uma finalidade sublime.

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Ernesto Sábato: “La Resistencia”

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Ernesto Sábato: “La Resistencia”. Planeta/Seix Barral. Buenos Aires. 2006. 149 pgs. Traduzido pela Companhia das Letras

la resistenciaUm amigo enviou-me por email em formato eletrônico. “Li este ensaio de Ernesto Sábato, lembrei de você. Vás gostar”. Agradeci imediatamente, passei o anexo para o meu smartphone, abri, li um par de páginas….e desisti. Fui diretamente no estante virtual –onde encontro quase tudo o que procuro- e lá estava por um preço irrisório. Uma semana depois, tinha-o em cima da minha mesa.

Durante esta operação –de volta para o passado- lembrei de uma professora, amiga de muitos anos, que diz: “Não consigo ler livros eletrônicos na tela do computador. Não posso deitar na cama, em cima do computador, como faço com os livros”. Eu não deito em cima dos livros, mas confesso que a tela me tira a intimidade de que preciso para entrar em sintonia com os livros. Necessito tocá-los, cheirá-los. Como Borges, que já cego, continuava a comprar livros porque queria rodear-se da sua presença amável, confortante. Da minha parte foi uma decisão sábia, porque a temática de Sábato nesta obra impõe, por si só, o papel, as anotações à margem, sobre as páginas gastas e amareladas do exemplar que me chegou de um sebo cadastrado no site.

Embora meu amigo afirmasse tratar-se de um ensaio –pela unidade de pensamento que perpassa as seis cartas que Sábato escreve a modo de testamento- mais me pareceu uma peça musical, um minueto com variedades sobre o mesmo tema. Um encanto estético e filosófico onde a dificuldade de entressacar ideias implica o risco de mutilar o conjunto. Uma tarefa análoga a tocar alguns compassos esparsos da Serenata Noturna de Mozart, ou cortar o dueto de amor de Madama Butterfly. Um crime. Assim, não são ideias as que anoto a seguir mas as impressões que em mim produziram. Rascunhadas às pressas com a esperança de que espicacem o leitor para que se anime a viver a experiência desta leitura.

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Trash: A Esperança Vem do Lixo. O Brasil que aprendi a amar.

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“Trash” (2014). Director: Stephen Daldry.  Martin Sheen, Rooney Mara, Wagner Moura, Selton Mello.  Spain. Duración: 115 minutos. 

Trash - capaA recomendação chegou-me do outro lado do Atlântico. “Muito bom esse filme dos meninos brasileiros que trabalham no lixão”. Sucesso na Europa, não tinha ouvido falar; aqui, no Brasil, nenhuma palavra. Fui checar o nome com que os espanhóis tinham batizado o filme: Ladrones de Esperanza. E seguindo com as pesquisas me deparo com um diretor inglês, que tem no curriculum filmes tão britânicos como Billy Elliot, ou As Horas –as tragédias de Virginia Woolf- e vem nos contar o que acontece no Rio de Janeiro. Atores americanos fazem o contraponto aos nossos Wagner Moura e Selton Mello. Tudo em português, o inglês é uma concessão que se tolera, mas que não encaixa, é como branco no samba. Martin Sheen, incarna de modo convincente um padre de favela, e Rooney Mara, a assistente da ONG focada no social. Fiz-me como uma copia e deixei repousar enquanto pensava que salada seria esta. Esperei, e perguntei. Obtive como resposta: Já ouvi falar, mas não me animo a ver. Você não tem vergonha de que se apresente o Brasil desse modo? Eu pensei: que modo é esse, de que Brasil estamos falando? Quer dizer, não tive outro jeito e me debrucei sobre o filme.

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Antonio López Vega: “1914. El año que cambió la historia”

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Antonio López Vega: “1914. El año que cambió la historia”. Taurus. Madrid. 2014. 239 pgs.

1914 - el ano que cambió la historiaRecebi o exemplar autografado das mãos do autor. Somos amigos faz anos e veio ao Brasil para dar umas conferências num congresso de Humanidades Médicas que estávamos organizando. Construir o médico humanista implica ajudar a inseri-lo na realidade social onde se movimenta, facilitar o entendimento do mundo. Dai a importância do tema, amplo, que este livro aborda e que também foi pauta das conferências comentadas.

Não é propriamente um livro de história. É um passeio, quase um trailer de cinema,  pela história contemporânea –a modernidade- com ênfase no século XX, e um grande zoom em 1914 de onde o autor realiza elegantes flashback e projeções para o futuro. Um livro original  centrado no tema que Lopez Vega domina, e sobre o qual leciona na Universidade de Madrid.

Cada um dos doze capítulos se corresponde com os meses do ano. Arranca de um fato concreto em cada mês do ano 1914, e sobre ele desenvolve a temática e o corpo do livro. O resultado é um banho de cultura, ou melhor, um índice para adentrar-nos nos diversos temas. Como já disse um trailer de cinema que te provoca e te incita a saber mais.

Temos na ouverture, a mudança de percepção, com Einstein e Freud, minando os valores absolutos, com a relatividade científica e novos paradigmas morais.  Agudizam-se os desentendimentos entre Igrejas e Estados, entre a fé e a razão. Os valores clássicos –aquilo que racionalmente vemos- se questiona e surge o existencialismo e o racio-vitalismo, como modo de lidar com as incertezas.

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Cesar Vidal: “El Médico de Sefarad”

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Cesar Vidal: “El Médico de Sefarad”. Debolsillo. Madrid. 2004. 330 pgs.

el medico de sefaradEis um livro ameno, escrito em espanhol, mas de simples compreensão. Por isso anoto estas linhas em português, para animar o leitor brasileiro a se defrontar com a vida de Moises bem Maimon, conhecido como Maimónides. Ele é o médico de Sefarad, (Espanha em linguagem judaica) nascido em Córdoba, apaixonado pela sua terra, que foi obrigado a abandonar.

O autor romanceia a vida de Maimónides, filósofo e médico, homem profundamente religioso, que pratica uma medicina cientifica, e ao mesmo tempo carismática e confessional. Sabe-se instrumento de Deus, mas entende que o instrumento tem de estar bem calibrado para ser útil. Uma atitude profissional onde se une o humano e divino, de modo natural, quase fisiológico.

Talvez por isto, enquanto passava as páginas do livro, lembrei de um amigo médico, também oriental, que em certa ocasião me perguntava porque os ocidentais separamos a medicina em alopatia, homeopatia, praticas alternativas, etc. Para nós –dizia ele- a Medicina é uma coisa só. E eu penso agora se teremos de fazer uma viagem ao século XII para resgatar o que perdemos com a metodologia cartesiana na prática da medicina. E a dimensão também divina que nos foi confiada.

Seriedade profissional e estudo é algo que Maimónides não dispensa. “Aprender é uma das atividades mais nobres que podem experimentar os homens.  Os animais não contam com essa possibilidade, os anjos também não. Por ser algo exclusivamente humano exige disciplina e esforço. Quem não este disposto a pagar esse tributo nunca deveria aproximar-se da mesa da sabedoria”. Mas tudo temperado com empatia, com verdadeira dedicação compassiva para com o paciente: “Passei um pano branco na testa dela e sorri. Sei que os dois gestos não servem para nada, salvo para fazer sentir à parturiente que não está só”.

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Ponte dos Espiões: A sedutora criatividade do cumprimento do dever

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“Bridge of Spies” (2015)  Diretor: Steven Spielberg. Tom HanksMark RylanceAlan Alda. 141 minutos.

Bridge of spiesEntrou em cartaz sem estardalhaço nenhum. No jornal, não encontrei estrelas qualificando o filme. Surge sem fazer barulho, em low profile, como o advogado protagonista, Jim Donovan, nesta magnífica história contada pelos irmãos Cohen, e magistralmente orquestrada por Spielberg. Bastam esses nomes para dispensar qualquer necessidade de propaganda. Fui atrás do filme e assisti duas vezes, no intervalo de um par de semanas. Senti uma necessidade imperiosa de apreciar, de saborear, a historia, o modo de contá-la e, naturalmente, a interpretação soberba de Tom Hanks.

A dupla Spielberg-Hanks é um arco voltaico de potencia superior. Vale lembrar O Resgate do Soldado Ryan, um dos filmes que mais me marcaram, um verdadeiro sonho de consumo em educação. Lá se mostra como é possível formar a vida de um homem, norteando seus próximos 40 anos, com uma frase –acompanhada do exemplo heroico- pronunciada in artículo mortis: “James, faça por merecer”. Frase esta, que escolta o jovem James Ryan todos os dias da sua vida, reflete sobre ela, lhe faz ajustar seu comportamento ao gabarito que lhe foi sugerido. Impactante. Emociono-me cada vez que a vejo, o que acontece com bastante frequência, por conta de conferências e seminários nos quais estou envolvido profissionalmente.

É fato conhecido a habilidade que Spielberg tem para mergulhar em histórias reais e injetar nelas humanismo. O fato histórico torna-se palatável, próximo, personalizado, como fazem os bons escritores de romances históricos e de biografias. A História, fria e distante, é iluminada com a presença de personagens de carne e osso, que carregam consigo tudo o que acompanha o quotidiano do ser humano: dilemas, medos, sofrimento, heroísmo, entusiasmo, júbilo. As suas produções – A Lista de Schindler, Amistad, por dar exemplos- rodeiam-se de possibilidades humanas, também de arte e poesia, o que lhes faz transpirar ensinamentos. É um humanismo plasmado em celuloide, que educa, ensina, eleva o espectador.

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José Ortega y Gasset: Origen y Epílogo de la filosofía

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José Ortega y Gasset: Origen y Epílogo de la filosofía. Austral. Espasa Calpe. Madrid. 1980. 139 pgs.

Origen y epílogo de la filosofiaFazia algum tempo que não lia Ortega. Ou relia, porque conheço bem grande parte da sua obra, e utilizo em aulas e conferências as muitas citações que fui anotando ao longo dos anos. Para ser franco, não tinha este livro entre as minha pendências, mas pelo modo como chegou às minhas mãos, não tive como evitar uma leitura rápida.

O fato é simples: uma funcionária da nossa empresa deixou-o em cima da minha mesa. O porquê foi parar la não é surpresa: todos conhecem minha sintonia com o filósofo espanhol. Mas não sendo uma obra de divulgação, e escrita em espanhol,  senti a necessidade de perguntar-lhe como o tinha conseguido. Disse-me que num bar, perto da casa dela.  O dono deixa livros variados expostos, estimula às pessoas para que leiam e os levem, e depois os devolvam, e tragam outros. Quer dizer, num boteco onde se bebe cerveja –e parece que não pouca-  o dono promove as leituras, e se aventura até em filosofias.

Estávamos nesse diálogo numa manhã de segunda feira, dia que chego cedo na empresa e tomo café da manhã com o staff. Faltou tempo para que outros interviessem: “também oferecem livros nos terminais de ônibus, ou no metrô…E tudo de graça, as pessoas levam, leem, devolvem, trazem livros”. Alegrei-me de conhecer estas iniciativas, e pensei por tabela nos contrastes que a vida nos depara: quando tenho oportunidade de encontrar-me com uma turma de alunos dos últimos anos da faculdade de medicina, e pergunto quantos livros leem anualmente, ao silêncio prolongado, sucede uma voz tímida que diz: cinco, ou seis…..mas não muito grandes. São os mesmos que reconhecem –essa é a segunda pergunta, para que cada um tire as suas consequências- gastar duas a três horas diárias na internet….E isso numa elite social, pois as notas exigidas no vestibular de medicina são sempre das mais altas. Esses são os futuros criadores de opinião de uma sociedade… que corre por fora, e consegue livros em bares e em terminais metroviários. O mundo às avessas.

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Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”

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Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”.  Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Barcelona (2011). 408 págs.

Aios a la universidadO sugestivo título desta obra, fez-me pensar que seria um ensaio em tema que muito me atrai. Comprei-o, e o deixei repousar algum tempo na prateleira, hábito que sempre sigo para não ir com muita sede ao pote. Os livros também precisam de repouso, como o bom vinho, antes de estabelecer um diálogo com eles, que isso é –e não outra coisa- a boa leitura…

Recupero o livro da estante-adega, e me encontro com um livro de memórias, sobre o qual o autor alinhava suas considerações humanistas. O adeus à universidade não é apenas uma figura de linguagem, mas a retirada do próprio autor da academia, aproveitando um programa de aposentadoria implementado na instituição universitária onde ensinava. O eclipse das humanidades –por fazer uma exegese completa do título- é a constatação do autor, na sua trajetória docente,  do declínio da formação humanística na universidade, e as consequências dessa postura. Uma formação que sucumbe ao utilitarismo do mercado vigente, que dita as normas educacionais, e que bem resume Llovet citando  Bertrand Russell: “Um dos defeitos de educação superior moderna é que se converteu num treino para adquirir habilidades  e cada vez se preocupa menos de abrir a mente e o coração dos estudantes”.

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Patrick Modiano: Ronda da Noite

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Patrick Modiano: Ronda da Noite. Roco. 2014. 126 pgs.

ronda da noiteUm romance curto, rápido, quase vertiginoso, do Premio Nobel de 2014. Sem trama definida, uma mistura de flashback com projeções e possibilidades, combinando sonhos e reflexões, em aventura que alterna a realidade com o onírico. Ambientado a gosto do escritor francês, nos tempos da ocupação nazista da França, um tema recorrente em Modiano.  Basta lembrar o  filme de Louis Malle, Lacombe Lucien, que tem Modiano por roteirista.

Ronda da Noite é uma variação sobre o mesmo tema. O protagonista é um espião, um agente duplo, que trabalha para os dois bandos,…. e engana os dois. “De um lado os heróis camuflados na sombra: o tenente e os impolutos oficiais do sue estado-maior. Do outro, o Khédive e os gangsteres que o acompanham. E eu, oscilando entre os dois com ambições, oh, bem modestas: Barman numa estalagem nas cercanias de Paris. Barman: a gente se acostuma. Dói, às vezes. Sobretudo por volta dos 20 anos, quando a gente acredita ser solicitado para um destino mais brilhante”

Dai que se auto denomine agente tríplice, porque no fundo trabalha para ele mesmo, para garantir seu sustento. Não existe regra, moralidade, nem mesmo lealdade. Tudo vale, quando se trata de conseguir vantagens. “A gente, inicialmente, hesita em empregar tais procedimentos, depois se habitua. Meus patrões davam-me uma comissão de dez por cento, quando eu lidava com esses negócios”.

E esse universo deplorável, é salpicado com gestos que tentam, sem consegui-lo, camuflar, ou compensar, ou talvez distrair suas misérias. “Á noite, levava para mamãe carradas de orquídeas. Ela se inquietava ao me ver tão rico. Talvez adivinhasse que eu desperdiçasse minha juventude em troca de algum dinheiro(…) Chantagista, delator, vigarista, dedo-duro, alcaguete, assassino talvez, mas filho exemplar”.

Ainda não consigo dizer se gostei do livro. Surpreendeu-me, terei de ler de novo  para não perder o tempo buscando um argumento que não existe, e centrar-me nas ponderações do protagonista que são verdadeiras cargas de profundidade. “Teria gostado de ser médico, mas os ferimentos, a visão do sangue causam-me indisposição. Por outro lado, aguento muito bem a feiura moral (…) Naturalmente desconfiado, tenho o hábito de considerar as pessoas e as coisas pelo pior lado, para não ser apanhado desprevenido”. Afirmações tremendas, que ressaltam a mesquinhez do protagonista, sua penúria moral. E quando lidas devagar, relidas, e escritas –como agora estou fazendo- surgem como interrogantes do nosso próprio atuar. Afinal, será que é tanta a distância entre esses padrões éticos e os nossos? Não os teóricos, a filosofia de vida que defendemos, mas a nossa ação prática no dia a dia. Se a isto acrescentamos uma guerra onde é preciso sobreviver, e submetemos a essa condição nossos parâmetros de conduta, a reflexão produz vertigem. E aprendizado. E desejo de calibrar melhor o que entendemos por integridade.  Sem esperar que chegue uma guerra ou um desastre para comprová-lo. Daí pode ser tarde demais.