Nelson Rodrigues: “O Óbvio Ululante”. Companhia das Letras. São Paulo. 1993. 300 pgs.
Quem, como eu, inclui-se no grupo dos que se atrevem a escrever como amadores, fará bem se, com regularidade, frequenta aqueles que fizeram da escrita seu modus vivendi. É um aprendizado continuo: tornar claras nossas ideias, comunicar-nos, e entender o que nós mesmos pensamos. Ler e reler, como já adverte o autor que nos ocupa: “Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia”.
Nelson Rodrigues, um dos grandes do teatro brasileiro, oferece uma prosa leve, bem construída; um idioma vivo que guarda, ao mesmo tempo, o sabor de rua e uma rara distinção, quase aristocrática, de quem observa e disseca a alma humana, seus costumes, suas virtudes e misérias. Vê, compreende, sorri, e nos faz pensar. Passados mais de 50 anos, suas agudas observações permanecem atuais. Os temas hoje em pauta são outros –Nelson reflete sobre as passeatas, a esquerda festiva, o Vietnã, Sartre e outras personagens que estavam no candeeiro, – mas a condição humana é a mesma. Basta fazer um transporte de tonalidade, como dizem os músicos, e o novo registro nos brindará um curioso aproveitamento destas confissões.
O Óbvio Ululante é um livro para ser degustado. Na verdade não é um livro, mas uma coletânea das confissões publicadas em O Globo, no ano de 1968. Por isso aproveita mais quando se lê com conta gotas, deixando pingar a cada dia uma ou duas crônicas, pois esse foi o propósito do autor. Até por que, logo no início, reconhece que se repete nos argumentos; algo que num livro formal seria bizarro, mas perfeitamente desculpável –até necessário- nas crónicas diárias, que recolhem o pulsar da sociedade. “A minha imaginação é rala e, repito, a minha imaginação é escassa. Mas sou profissional e tenho que subvencionar o leite do caçula e o sapato da mulher. E que faço? O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a dura penas, uma meia dúzia de imagens. E um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens”. Quando me deparei com esta afirmação lembrei do comentário de um amigo: na vida é preciso ter três ou quatro boas ideias, e repeti-las sempre, de modo diferente.
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